A primeira viagem de Estado de João Lourenço, Presidente de Angola, a Portugal é “uma demonstração” de que Portugal e Angola “pretendem enterrar o irritante e avançar com os temas da cooperação direta”. A avaliação foi feita pelo Jornal de Angola, num editorial intitulado “O ‘irritante’ ficou para trás?” onde é apontado o papel que esta visita de Estado pode ter e onde as considerações sobre a relação com Portugal parecem ter sido suplantadas por uma avaliação positiva à governação de Lourenço — e ao seu foco no “combate à corrupção”.

O diário começa por destacar dois “milagres” realizados por Portugal no pós-25 de Abril: a redução drástica da mortalidade materno-infantil e do analfabetismo. Estas são precisamente áreas onde Angola tem dos piores índices mundiais, estando na cauda da tabela da mortalidade infantil mundial (157 mortes por cada mil nascimentos, segundo dados da Organização Mundial de Saúde) e registando uma taxa de analfabetismo de 25% da população.

Cerca de 25% da população angolana é analfabeta

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Considerando que, nas palavras do jornal, estes são “alguns dos principais desafios da governação em Angola”, o editorial propõe que Lisboa e Luanda promovam um “novo modelo de parceria” nas áreas da saúde e da educação, pedindo a Portugal que ajude os profissionais angolanos a melhorar:

 A lógica não é que os médicos e professores portugueses substituam os nossos. Apenas que ajudem os nossos a melhorar. Que ajudem o Estado a redesenhar um sistema de saúde. Que nos ajudem a redesenhar o sistema educativo, sobretudo o ensino geral.”

Embora dirigindo-se a áreas que estão sob a alçada direta do poder Executivo, o editorial nunca menciona o Governo português ou o primeiro-ministro António Costa. A única referência a figuras portuguesas é ao Presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, “conhecido aqui em Angola como ‘Tio-Cilito'”, e à sua entrevista dada ao programa Manhã Informativa, da Rádio Nacional de Angola. Para o Jornal de Angola, essa entrevista, a par da conversa de João Lourenço com o semanário Expresso publicada no passado sábado, tornam evidentes que “está em campo a concertação e a comunicação política” entre Portugal e Angola.

A entrevista de Lourenço ao Expresso e o seu “empenho” em melhorar Angola

Sobre a entrevista de Lourenço ao Expresso, embora ela tenha surgido a propósito da visita de Estado a Lisboa, o editorial destaca-a como tendo deixado “importantes mensagens” do Presidente “mais para dentro do que para fora”. “É um importante posicionamento do Presidente João Lourenço em relação aos últimos desenvolvimentos da situação política prevalecente em Angola onde o combate à corrupção é a sua grande aposta”, acrescenta o jornal. Na entrevista, Lourenço evita referir-se diretamente aos filhos do ex-Presidente José Eduardo dos Santos, que exonerou de vários cargos públicos. No entanto, sublinha várias vezes que é sabido quem são aqueles que “de forma vergonhosa delapidaram o erário público” e beneficiaram “do banquete”.

São conhecidos os que traíram a pátria”, acrescentou o Presidente na mesma entrevista.

A própria administração do Jornal de Angola foi exonerada por João Lourenço desde que chegou ao poder em novembro de 2017. Em outubro deste ano, o Presidente levou a cabo novas mudanças na estrutura da administração da Edições Novembro, que publica o jornal.

O diário apresenta o Expresso como sendo não apenas um dos jornais mais “influentes” em Portugal, mas também como “propriedade do Grupo Impresa, o mesmo que detém os canais de televisão SIC”. O editorial faz questão de sublinhar esse ponto, deixando apenas de fora o facto de os canais da SIC (SIC Notícias e SIC Internacional África) terem estado sem emitir em Angola durante mais de um ano, por decisão das operadoras locais — situação que foi alterada já com João Lourenço no poder, em setembro deste ano.

O Jornal de Angola aproveita ainda para sublinhar como a entrevista foi relevante para explicitar o “empenho” do Presidente João Lourenço e do seu Governo em “equilibrar as contas públicas” e em conseguir condições para melhorar a qualidade de vida “daqueles que mais sofrem”. Para isso é importante o foco no repatriamento de capitais, matéria onde a colaboração com Portugal pode ser relevante. Mas não só: o diário destaca que o “trabalho diplomático do Presidente” em Lisboa pode ajudar a “atrair outros investidores” para Angola, num editorial que acaba por olhar tanto ou mais para dentro do que para a relação com Portugal.