Os blocos de cirurgia programadas dos cincos hospitais públicos onde foi convocada a greve dos enfermeiros, que teve início esta quinta-feira, estão todos parados, o que demonstra “o grande descontentamento” dos profissionais, disse à Lusa um dirigente sindical.

Apenas estão a funcionar os serviços mínimos nos blocos operatórios para as cirurgias de urgência, que estão a ser asseguradas por enfermeiros em greve, disse o presidente do Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal (Sindepor), Carlos Ramalho.

Para o sindicalista, esta paralisação “mostra o grande descontentamento” dos profissionais, que se foi “acentuando com o tempo, à medida que o Ministério da Saúde foi fechando as possibilidades de negociação”.

Carlos Ramalho explicou que esta greve cirúrgica, que termina no dia 31 de dezembro, tem características diferentes, estando a decorrer no Centro Hospitalar Universitário de S. João (Porto), no Centro Hospitalar Universitário do Porto, no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, no Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte e o Centro Hospitalar de Setúbal.

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“A greve foi anunciada para as cinco instituições, mas o objetivo é que incida sobre os blocos operatórios”, disse, explicando que “o fundamental não é o número de enfermeiros que aderiram à greve, mas o número de salas que foram encerradas e o número de cirurgias programadas adiadas”.

Cerca de quatro dezenas de enfermeiros estão concentrados desde as 8h00 desta quinta-feira em frente ao Hospital Santa Maria, que pertence ao Centro Hospitalar Lisboa Norte, para exigir uma carreira digna e mais contratações.

“A nossa luta é a contratação de mais enfermeiros, em prol do Serviço Nacional de Saúde e dos utentes”, porque a falta de profissionais “condiciona a segurança do doente e a segurança do doente vem em primeiro lugar”, disse à agência Lusa Margarida Vasconcelos, do bloco operatório central deste hospital.

Esta posição é sustentada por Maria Manuel Eugénio, enfermeira no Hospital Santa Maria, que falou à Lusa das condições em que os enfermeiros trabalham, contando que há salas que têm de fechar por falta de profissionais.

Questionada sobre as declarações da ministra da Saúde, Marta Temido, de ser “uma greve extraordinariamente agressiva”, Maria Manuel Eugénio disse que “a agressividade passa” pelo desejo dos profissionais de serem “competentes e assertivos no cuidado ao doente”.

“Quando chegamos ao extremo de haver salas no maior hospital do país paradas por falta de enfermeiros diariamente, nós chegamos realmente ao extremo porque nós temos feito greves parciais e não tem havido resposta nenhuma da parte do Governo”, afirmou a enfermeira.

Margarida Vasconcelos apoiou esta posição, afirmando que “o que é agressivo é a forma como o Governo” trata os enfermeiros e os utentes.

“Uma greve deste género nunca foi feita e o Governo tem que perceber que a vida dos nossos utentes e as cirurgias de emergência nunca serão postas em causa”, frisou Maria Manuel Eugénio.

A bastonária da Ordem dos Enfermeiros fez questão de participar no protesto porque “na carreira existem aspetos que interferem diretamente com a regulação profissional, que é uma competência da ordem”, disse Ana Rita Cavaco à Lusa.

Sobre se os portugueses vão compreender esta luta, a bastonária disse que “quem precisa ou precisou dos cuidados de saúde compreende perfeitamente aquilo que os enfermeiros estão a dizer”.

“Aqueles que não compreenderem é normal, não podemos revoltar-nos com isso, temos sim que explicar à população o que hoje se passa dentro Serviço Nacional de Saúde que não tem condições para funcionar condignamente”, afirmou Ana Rita Cavaco.

Para a bastonária, a proposta apresentada pelo Governo “é muito má”: “Para mais de um ano de negociações, francamente a nossa sensação é que estão a repetir a proposta que já tinham feito e isso não é sequer justo”.

“O défice zero, que o Governo pretende alcançar no final do ano, não pode ser conseguido à custa do sacrifício das pessoas e é isso que está a acontecer e depois olhamos para outros setores da sociedade, nomeadamente a banca e há sempre financiamento para a banca e há sempre má gestão no Estado e nos cargos do Governo”, lamentou.

Depois apresenta esta proposta “a pessoas que estão 24 horas por dia a trabalhar em condições desumanas, sem comer sem ir à casa de banho, que têm sistematicamente horas a mais no seu horário, a quem o Estado deve milhares de horas. Isto é não respeitar o que os enfermeiros fazem todos os dias”, rematou Ana Rita Cavaco.

A greve cirúrgica foi decretada pela Associação Sindical Portuguesa de Enfermeiros e pelo Sindepor e visa reivindicar uma carreira transversal a todos os tipos de contratos e uma remuneração adequada às suas funções.

Administradores hospitalares pedem acordo entre Governo e enfermeiros

A Associação dos Administradores Hospitalares apelou esta quinta-feira para a necessidade de um acordo entre o Governo e os enfermeiros para interromper a “greve cirúrgica”, alertando que a sua continuação terá impactos “bastantes graves” na saúde dos portugueses.

Enfermeiros de blocos operatórios de cinco hospitais públicos iniciaram esta quinta-feira uma greve às cirurgias programadas, que termina a 31 de dezembro, e que pode adiar ou cancelar milhares de operações. Em declarações à agência Lusa, o presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares (APAH), Alexandre Lourenço, afirmou que a duração da greve, que termina no dia 31 de dezembro, coloca “um grave problema” aos hospitais e aos doentes.

“O impacto que essa duração pode ter sobre a saúde dos portugueses é bastante grave. Felizmente, os serviços mínimos foram garantidos para as áreas da oncologia, mas existem outras cirurgias que vão sofrer adiamentos”, disse Alexandre Lourenço.

A expectativa dos administradores hospitalares é de que “os profissionais de saúde, nomeadamente os sindicatos, e o Governo cheguem a um acordo para que esta greve venha a ser cancelada”. Alexandre Lourenço sublinhou que este acordo “estabilizaria os hospitais”, lembrando que os hospitais do Serviço Nacional de Saúde já vivem, “há algum tempo, períodos de instabilidade laboral”.

“Este ano será talvez o ano com o maior número de greves no SNS e era muito importante, não só na área da enfermagem, mas também na área médica, dos técnicos de diagnóstico e terapêutica e dos farmacêuticos que existisse uma estabilização das relações laborais para que os hospitais e os profissionais se consigam concentrar naquilo que sabem fazer, que é prestar cuidados de saúde à população, que tanto desses cuidados necessitam”, frisou.

Questionado pela Lusa sobre os mecanismos que os hospitais irão utilizar para minimizar o impacto do adiamento das operações, o presidente da APAH reconheceu que, numa paralisação “tão longa”, é “muito difícil” aplicar as soluções utilizadas noutras greves.

“Considerando que a greve tem esta duração, é muito difícil conseguirmos ter mecanismos automáticos como fazemos em outras greves” para minimizar os impactos sobre os doentes e as famílias. Uma das estratégias utilizadas passa pela remarcação da cirurgia imediatamente após a greve, em “estreita colaboração com os profissionais de saúde e muitas vezes até sobrecarregando” a sua atividade, adiantou Alexandre Lourenço.

A greve foi convocada pela Associação Sindical Portuguesa de Enfermeiros (ASPE) e pelo Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal (Sindepor), embora inicialmente o protesto tenha partido de um movimento de enfermeiros, que lançou um fundo aberto ao público e recolheu mais de 360 mil euros para compensar os colegas que aderirem à paralisação.

Segundo o presidente do Sindepor, Carlos Ramalho, os blocos de cirurgias programadas dos cincos hospitais públicos estão todos parados, demonstrando “o grande descontentamento” dos profissionais. Apenas estão a funcionar os serviços mínimos nos blocos operatórios para as cirurgias de urgência, que estão a ser asseguradas por enfermeiros em greve, disse à Lusa Carlos Ramalho.