A reta final do Campeonato do Mundo de Fórmula 1 de 2018 ficou marcada por uma dança das cadeiras como há muito já não se via na modalidade. O histórico Kimi Raikkonen, ex-campeão do mundo e o mais velho da grelha, trocou de lugar com o jovem Charles Leclerc e vai correr pela Sauber pelo próximo ano, enquanto que o piloto francês vai ser o colega de equipa de Sebastian Vettel na Ferrari. Daniel Ricciardo deixou a Red Bull e assinou pela Renault, abrindo as portas à subida de Pierre Gasly da Toro Rosso para a “equipa mãe”. Fernando Alonso vai retirar-se da Fórmula 1 e ser substituído pelo também espanhol Carlos Sainz, que deixa assim a Renault.

Mas estas são apenas algumas das mudanças. Com os nomes para os segundos carros da Force India e da Toro Rosso ainda por fechar, a Williams anunciou esta quarta-feira o piloto que se vai juntar ao rookie George Russell no próximo ano. Depois de muitas notícias, muitos desmentidos, avanços e recuos, Robert Kubica vai mesmo voltar às corridas de Fórmula 1 no próximo ano. “É uma história em que provavelmente ninguém acreditou e o único que nunca desistiu fui eu. Todos sabíamos que podia ser algo inalcançável mas este dia prova que, de alguma maneira, nada é impossível”, disse o piloto polaco. Há histórias de regressos anunciados; esta é a história de um regresso que todos acharam ser uma quimera.

Em 2011, Robert Kubica era o piloto número 1 da Lotus Renault e a grande promessa da Fórmula 1. O polaco, na altura com 26 anos, tinha começado nas corridas de karts, como a grande maioria dos pilotos que chega à categoria rainha do desporto automóvel, e iniciou a carreira profissional em 2000 enquanto piloto de testes. Integrou o programa de desenvolvimento de pilotos da Renault e os bons resultados nas corridas da Formula Renault valeram-lhe uma subida à Fórmula 3: contudo, um acidente de automóvel numa autoestrada deixou-o com um braço partido e atrasou a estreia. Em Norisring, quando finalmente conseguiu integrar a competição, conduziu um gesso de plástico e 18 parafusos de titânio no braço. Ganhou. Nesse ano, terminou o campeonato no 12.º lugar.

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Kubica, aqui no Grande Prémio do Mónaco de 2007, estreou-se na Fórmula 1 pela mão da BMW Sauber

Em 2006, após vencer a World Series by Renault com um carro da Epsilon Euskadi, integrou a equipa de Fórmula 1 da BMW Sauber enquanto piloto de testes. Os bons resultados nas qualificações de sexta-feira e em sessões de testes privadas depressa deixaram perceber que Kubica seria o primeiro polaco a competir na Fórmula 1: Fernando Alonso diria mais tarde que o rapaz natural de Cracóvia era o mais talentoso da sua geração e não existia qualquer dúvida de que era um campeão do mundo in the making. Em agosto, Jacques Villeneuve, à altura piloto principal da BMW, queixou-se de dores de cabeça na sequência de um violento acidente durante o Grande Prémio da Alemanha. A participação no GP seguinte não lhe foi permitida pela equipa, que invocou razões de segurança, e Robert Kubica foi o escolhido para representar a BMW na Hungria.

Conseguiu qualificar-se em nono – acima do mais experiente colega de equipa Nick Heidfield – e terminou a corrida em sétimo (ainda que tenha sido desqualificado no final da prova porque o BMW tinha peso a menos). Villeneuve decidiu deixar a equipa pouco depois do GP da Hungria e a BMW decidiu que Kubica iria manter-se ao lado de Heidfield. Na terceira corrida, o Grande Prémio de Itália, ficou em terceiro e tornou-se o primeiro polaco a chegar a um pódio na Fórmula 1, o primeiro polaco a liderar uma corrida de Fórmula 1 e o primeiro piloto desde 1997 a conseguir ficar no pódio até às primeiras três corridas (o último tinha sido o austríaco Alexander Wurz).

Depois de uma temporada de 2007 marcada por vários acidentes e lesões – incluindo um susto particularmente grave, no Grande Prémio do Canadá, que o deixou no hospital durante uma noite devido a uma concussão –, Kubica alcançou a primeira vitória na Fórmula 1 em 2008. Novamente no Canadá, o polaco tinha conseguido garantir o segundo lugar na grelha na qualificação, apenas atrás de Lewis Hamilton, e ultrapassou o inglês durante a primeira ronda de paragens graças a uma ida às boxes exemplar. Os resultados da BMW foram mais modestos na segunda metade do campeonato e Kubica acabou por não conseguir melhor do que um quarto lugar na tabela final. No final da temporada de 2009, a BMW anunciou que iria deixar a Fórmula 1, o que tornou o polaco um free agent: acabou por assinar pela Renault, a equipa para a qual testou quando era jovem.

As lesões no braço direito do piloto polaco são bastante visíveis

As expectativas eram muitas: a imprensa especializada garantia que Felipe Massa tinha até meio da temporada para provar que merecia estar na Ferrari; se nessa altura os resultados não fossem satisfatórios, a scuderia italiana tinha o número de Robert Kubica em marcação rápida. O polaco terminou a época no oitavo lugar da classificação geral e o conceituado jornalista Mark Hughes garantiu que era “sem dúvidas o melhor piloto da grelha”. Kubica anunciou que ia continuar com a renomeada Lotus Renault – anos mais tarde soube-se que já tinha um pré-acordo com a Ferrari para vestir de vermelho no ano seguinte.

E chegamos a 2011, quando Robert Kubica era a grande promessa da Fórmula 1. Em fevereiro, a pouco mais de um mês do início da temporada e já depois de ter feito os melhores tempos das sessões de testes de pré-época, o polaco decidiu competir no rali Ronde di Andora, em Itália. O Skoda Fabia Super 2000 em que seguia despistou-se a alta velocidade e só parou nas barreiras de segurança. Kubica ficou preso dentro do carro durante mais de uma hora, até as equipas de resgate conseguiram retirá-lo, e foi transportado de helicóptero para o hospital de Santa Corona. Horas depois, o comunicado do hospital foi devastador: a barreira de segurança atravessou o vidro e entrou no cockpit e o piloto, à altura com 26 anos, tinha sofrido uma amputação parcial do braço, várias fraturas no cotovelo, ombro e pernas e uma perda significativa de sangue. Foi submetido a uma cirurgia de sete horas feita por duas equipas de sete médicos cada e nos dias seguintes voltou a ser operado para reparar as fraturas. Só saiu do hospital em abril e a Renault confirmou que Robert Kubica não estaria disponível para a temporada de 2012.

A já complicada recuperação tornou-se ainda mais difícil quando o piloto voltou a partir a perna, ao cair no gelo. Manteve-se fora da competição até setembro de 2012, mais de um ano e meio depois do acidente, quando correu no Ronde Gomitolo Di Lana num carro de WRC e venceu. Integrou os campeonatos mundiais e europeus de ralis no ano seguinte, pela Citroën, e em 2016 competiu no GT3 e nas 24 horas do Dubai. Os primeiros rumores de um possível regresso de conto de fadas à Fórmula 1 começaram na antecâmara no Mundial de 2017, altura em que realizou dois dias de testes com o Lotus E20, o novo carro da Renault, e outros dois com o FW36, da Williams. Mas, pelo menos nessa altura, os rumores não passaram disso mesmo.

Um ano passou e Felipe Massa retirou-se da Fórmula 1, deixando vago um lugar na Williams. Logo depois do Grande Prémio de Abu Dhabi, o último da temporada, Robert Kubica correu durante cem voltas ao volante do FW36 e Paddy Lowe, diretor técnico da equipa, garantiu que “não existiam quaisquer problemas” ligados às lesões que o polaco tinha sofrido em Itália. Ainda assim, as dúvidas sobre a mobilidade de Kubica persistiram – com muitos insiders da Fórmula 1 a garantirem que teria de “conduzir só com uma mão”. Perdeu o lugar na Williams para Sergey Sirotkin, por motivos atribuídos a dinheiro e patrocinadores, e integrou o grupo de pilotos de reserva da equipa para a temporada de 2018.

Esta quarta-feira, depois de uma época desastrosa em que a Williams vai terminar a classificação de construtores na última posição e com os dois pilotos em último e antepenúltimo na tabela final, Robert Kubica foi confirmado como o novo homem número 1 da scuderia que já foi por nove vezes campeã mundial de equipas.

“Voltar à grelha da Fórmula 1 no próximo ano vai ser um dos maiores feitos da minha carreira. Obrigada a todos os que acreditaram em mim e me apoiaram. Vou finalmente estar de volta à grelha ao volante de um carro de Fórmula 1. Mal posso esperar por voltar a correr”, disse Robert Kubica, agora com 33 anos, depois do anúncio oficial da Williams. O conto de fadas tornou-se real.