Todos conhecem Sérgio Conceição por ser um homem de atos mas também se percebe nas suas palavras uma das características que já tinha como jogador e que prolongou para a nova pele de técnico: por mais que que ganhe, nunca está contente e procura sempre qualquer coisa extra para o desafio seguinte. Da mesma forma, não se coíbe de apontar o dedo quando algo o incomoda e, numa altura em que o FC Porto atravessa a melhor fase da temporada, os “alvos” foram outros – primeiro, o estado do relvado no Dragão (que será mesmo alvo de intervenção); depois, o destaque que foi dado à estreia de Marcel Keizer pelo Sporting quando o jogo grande da Taça de Portugal era a receção dos dragões ao Belenenses; agora, a forma como sente um certo “desprimor” pela capacidade do grupo dos azuis e brancos na Champions, quase como se fosse fácil ganhar.

“Depois do nosso primeiro jogo na Alemanha, ouvi um comentador de polémica desportiva que o Schalke 04 era mais fraco que Qaragab. Essa forma leviana de falar nas televisões, de tentar minimizar sempre os feitos do FC Porto, irrita-me. Fico chateado. Não é normal. Não apanhámos um tubarão mas às vezes os grupos com dois tubarões e dois golfinhos são mais fáceis para passar que num grupo mais equilibrado”, atirou. Por um lado, tem razão: o dividir de forças é mais fácil quando existem dois candidatos mais fortes e outros dois que lutam entre si pelo terceiro lugar e respetivo ingresso na Liga Europa. Por outro, não tem: se antes do início dos jogos este grupo dos dragões aparentava ser equilibrado, o nível das equipas em causa foi na prática mais baixo do que a teoria apontava. Mas também não é isso que tira o mérito aos azuis e brancos na passagem.

FC Porto vence Schalke 04 por 3-1 e garante primeiro lugar no grupo D da Liga dos Campeões

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Como o próprio Sérgio Conceição destacou, “por vezes é bom tocar no fundo”. E esse fundo, na sua ótica, foi a derrota na Luz com o Benfica, já depois do inesperado desaire caseiro com o V. Guimarães e um empate com o Desp. Chaves para a Taça da Liga pelo meio. O técnico dos dragões teve o mérito de transformar o momento de maior fraqueza na sua grande força. A equipa melhorou no plano coletivo – por exemplo, subiu as linhas de pressão e passou a perder menos dez bolas por jogo – e ganhou redobrados argumentos em termos individuais. Éder Militão adaptou-se à equipa e forma com Felipe uma das duplas com menos golos sofridos na Europa; Óliver Torres tornou-se o médio centro com as características pretendidas; Corona apresenta tanta confiança que se lhe passarem umas luvas para as mãos é capaz de acreditar que ninguém lhe marca golos; Marega foi subindo de rendimento a nível de golos, sobretudo na Champions. O melhor FC Porto do ano passado voltou, talvez até mais refinado.

No entanto, apesar do atual 14.º lugar na Bundesliga (a mais competitiva liga do mundo para Sérgio Conceição), o Schalke 04 apresentava um número de respeito: apenas um golo sofrido em quatro jogos na Champions e de grande penalidade, no empate a um em Gelsenkirchen com o FC Porto. Essa era a grande dificuldade à partida para o encontro frente aos alemães e essa foi mesmo a grande dificuldade dos dragões na fase inicial da partida, até conseguir assentar mais o seu jogo.

Comandados de Sérgio Conceição somaram nona vitória seguida entre Campeonato, taças e Liga dos Campeões (Octavio Passos/Getty Images)

Ficha de jogo

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FC Porto-Schalke 04, 3-1

5.ª jornada do grupo D da Liga dos Campeões

Estádio do Dragão, no Porto

Árbitro: Ovidiu Hategan (Roménia)

FC Porto: Casillas; Maxi Pereira, Felipe, Éder Militão, Alex Telles; Danilo, Óliver Torres, Herrera (Hernâni, 85′); Corona (Otávio, 79′), Brahimi (Adrián López, 74′) e Marega

Suplentes não utilizados: Vaná, Diogo Leite, Sérgio Oliveira e André Pereira

Treinador: Sérgio Conceição

Schalke 04: Fahrmann; Stambouli (Rudy, 71′), Naldo, Nastasic; Caligiuri (Schöpf, 62′), Bentaleb, Mascarell, Konoplyanka, Mendyl; Skrzybski (Harit, 46′) e Di Santo

Suplentes não utilizados: Nubel, Sané, Baba e Serdar

Treinador: Domenico Tedesco

Golos: Éder Militão (52′), Corona (55′), Bentaleb (89′, g.p.) e Marega (90+4′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Mascarell (28′), Corona (78′) e Rudy (86′)

Com o regresso à fórmula Champions em 4x3x3, com Corona de novo na ala em apoio a Marega pela direita (e com Brahimi na esquerda) e Herrera a reforçar o meio-campo, o FC Porto teve muitas dificuldades nos primeiros 15 minutos para assentar o seu jogo fruto das zonas de pressão bem feitas pelos germânicos que condicionavam por completo a fase de construção dos azuis e brancos. Um, dois, três passes e os dragões já estavam sem bola, ainda que o Schalke 04 nunca soubesse propriamente muito bem o que fazer mesmo quando conseguia surgir em aproximações com igualdade numérica. Era preciso algo de novo, de diferente e foi do posicionamento e movimentações de Danilo que chegou essa mudança até à meia hora.

Aos 15 minutos, no primeiro remate enquadrado do encontro, o internacional português obrigou Fährmann à primeira defesa mais apertada. E tudo porque, percebendo a forma como o 3x5x2 dos alemães se desdobrava nas ações defensivas, o ‘6’ subiu no terreno e encontrou a zona de ninguém onde podia fazer a diferença. Pouco depois, mais uma segunda bola ganha no corredor central, mais um tiro desta vez prensado em Marega e, no seguimento do lance, o maliano tentou de fora da área para a melhor intervenção do guarda-redes germânico até ao intervalo (19′). O FC Porto crescia, o Schalke 04 fechava.

Percebendo que estava a perder o controlo das ações ofensivas dos visitados, Tedesco colocou as linhas mais juntas e estancou os lances de perigo junto da sua baliza. O conjunto azul e branco continuava com mais posse, tentava novas soluções como o recuo de Danilo à zona dos centrais para ter espaço para construir e permitir as subidas dos laterais ou os movimentos interiores de Brahimi e Corona para criar desequilíbrios no meio e abrir espaço nas alas, mas o encontro não deixava de estar amarrado à anarquia conservadora dos germânicos, que faziam jus ao rótulo de defesa menos batida nas provas europeias.

O FC Porto tinha sido superior em todos os capítulos mas faltavam-lhe dez metros para dar membros a uma ideia de jogo com cabeça e tronco que secara por completo qualquer hipótese que o Schalke 04 poderia ter de discutir o resultado. As linhas subiram, os espaços chegaram, o virtuosismo individual apareceu e o coletivo tornou-se imparável, ao ponto de fazer em três minutos aquilo que ninguém fizera aos germânicos em seis horas: golos sem ser de grande penalidade. Primeiro foi Éder Militão, a concluir de cabeça na área e um lance de laboratório que começou num canto de Corona na esquerda e teve pelo meio um cruzamento letal de Óliver Torres, que fez a quinta assistência da temporada (52′); depois foi a dupla Brahimi e Corona a “sacar” uma jogada no espaço de uma cabine telefónica até ao quinto remate certeiro da época do mexicano (55′).

Pouco depois do vendaval ofensivo que se tornou na tempestade perfeita para colocar justiça no resultado, Felipe ainda teve o grande momento da noite mas o remate num pontapé de bicicleta acabou por bater na trave da baliza de Fährmann (60′). Foi daquelas bolas que merecia golo só pelo gesto em si mas o FC Porto mostrava uma solidez tal em termos de controlo de jogo que o ritmo foi baixando e Sérgio Conceição aproveitou para ir poupando fisicamente algumas unidades com parte de tática pelo meio, como o amarelo de Corona quase a pedido para limpar a folha disciplinar para a próxima fase. Quase no final, Bentaleb, numa grande penalidade por mão na área de Óliver Torres, ainda conseguiu reduzir mas, como se passou ao longo dos 90 minutos, isso acabou por ser um sinal para os dragões acelerarem mais um pouco e fazerem ainda o 3-1 por Marega, que picou com classe por cima do guarda-redes alemão já nos descontos fazendo o quarto golo consecutivo na Liga milionária.

Com a vitória do Lokomotiv Moscovo frente ao Galatasaray, o FC Porto ficou a saber no aquecimento que conseguira pela 15.ª vez em 23 participações na fase de grupos da Champions passar à ronda seguinte; com o triunfo diante do Schalke 04, os dragões confirmaram não só o primeiro lugar no grupo D como também o estatuto de cabeça de série no sorteio dos oitavos e ainda a possibilidade de, em caso de vitória na Turquia na última jornada, igualar o melhor registo de sempre na competição que data de 1996/97, quando António Oliveira era treinador de uma equipa que tinha um elemento chamado… Sérgio Conceição. Mas a par disso tudo, ou por consequência, os azuis e brancos garantiram já um encaixe a rondar os 65 milhões de euros. É dinheiro que importa, e muito, no contexto das contas da SAD portista. Mas é dinheiro que não compra aquilo que levou a equipa a alcançar uma série como a atual de nove vitórias consecutivas. “Segredo? O que quer que diga, que sou mágico? Não, isto é trabalho, é dedicação dos jogadores, é entenderem aquilo que é a mensagem e o que é representar um clube como o FC Porto. Falar pouco, trabalhar muito e sermos muito sérios no que fazemos no dia-a-dia”, salientou o técnico.