No final da temporada 2013/14, Helena Costa foi escolhida para treinar a equipa de futebol do Clermont Foot, da 2.ª divisão francesa. E caso tenha relido a frase anterior e pensado que falta uma palavra, sim: a treinadora portuguesa foi contratada para orientar uma equipa de futebol masculino. A história teve eco em Portugal, mas também no resto da Europa, já que Helena Costa era a primeira mulher a treinar uma equipa francesa profissional e também a primeira a orientar uma equipa da 1.ª ou 2.ª divisão das principais ligas europeias.

O negócio acabou por cair. Em junho de 2014, Helena Costa demitiu-se e acusou o clube francês de “total amadorismo” e “falta de respeito” depois de o presidente do Clermont Foot ter contratado vários jogadores sem a consultar e afirmou que é “treinadora e não uma jogada de marketing”. Atualmente, a treinadora portuguesa faz parte do departamento de scouting do Eintracht Frankfurt, cargo que já tinha exercido no Celtic em anos anteriores. A ida de Helena Costa para França, ainda que não se tenha concretizado, colocou Portugal e a Europa a pensar na possibilidade de uma mulher treinar uma equipa de homens. Do outro lado do Atlântico, a ideia já passou à prática há algum tempo – mas isso não significa que seja consensual.

Na NBA, por exemplo, existem vários exemplos de antigas jogadores que, após terminarem as respetivas carreiras na WNBA, são agora treinadoras assistentes de equipas de basquetebol: é o caso de Becky Hammon nos San Antonio Spurs, Jenny Boucek nos Dallas Mavericks (depois de já ter ocupado o mesmo cargo nos Sacramento Kings), Natalie Nakase nos Los Angeles Clippers e Kristi Toliver nos Washington Wizards. O mesmo acontece na NFL, onde Katie Sowers, antiga quarterback dos Kansas City Titans, é agora treinadora assistente dos San Francisco 49ers.

O valor, talento, experiência e liderança de todas estas treinadoras é reconhecido nas duas principais ligas de basquetebol e futebol americano dos Estados Unidos e os casos de mulheres a orientar equipas formadas por homens têm-se multiplicado e tornado algo habitual. Foi com essa ideia que o jornalista Tim Struby decidiu escrever um longo artigo sobre a presença das mulheres nos bancos técnicos de equipas masculinas para o site SB Nation — e extrapolar que será uma questão de tempo até uma dessas treinadoras assistentes passar a principal, com Becky Hammon à cabeça, já que a norte-americana é o braço direito de Gregg Popovich desde 2014. O jornalista falou com treinadoras e treinadores, jogadoras e jogadores e tentou desenhar um retrato da forma como uma mulher vê o facto de treinar homens e da maneira como esses homens percecionam ser orientados por mulheres.

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Entre as qualidades e as virtudes, os pontos positivos e os benefícios, Tim Struby tropeçou nos problemas. E percebeu que a presença de mulheres nos bancos técnicos das equipas da NBA não é assim tão consensual nem tão descomplicada. À conversa com um veterano treinador de basquetebol que não quis dar a cara, o jornalista entendeu que o tópico do assédio sexual e da sexualização das treinadoras assistentes ainda é uma questão premente.

Não pode haver uma treinador bonita, os jogadores iam passar a vida a tentar dormir com ela. A NBA continua a ser um ecossistema muito sexista. Já ouvi como os jogadores falam das mulheres. Tenho uma filha e, às vezes, sinto-me constrangido. Mas não é algo de agora, não é algo que tenha piorado com o passar do tempo. A sociedade sempre teve homens com problemas com trabalhar com mulheres e muitos jogadores teriam problemas com isso”, disse aquele que será o treinador de uma das principais equipas da NBA.

Por coincidência ou não, o The Guardian publica esta sexta-feira uma entrevista com Chantal Vallée, treinadora canadiana que orienta os Hamilton Honey Badgers na Canadian Elite Basketball League, a principal liga de basquetebol do Canadá, e uma das primeiras a conseguir impor-se num cargo que normalmente pertence a um homem. Sobre a questão da barreira do género – que garante que “nunca surgiu” durante as conversações com a equipa -, Chantal Vallée nem sequer dá grande importância ao assunto e não se considera uma pioneira. Porquê? Porque “um treinador é um treinador”. “Se é importante para mim? Eu nem penso nisso. Eu sou eu. Sou uma mulher. Mas no meu campo profissional sou uma treinadora de basquetebol. É a minha especialidade. Foi para isso que fui contratada. É o meu trabalho mas não é aquilo que eu sou. Percebo a conversa. É importante para a nossa sociedade e para ambos os géneros. Acho que é importante que homens e mulheres consigam ver que um treinador é um treinador, assim como nas empresas agora um presidente pode ser um homem ou uma mulher”, disse a canadiana ao jornal inglês.

Chantal Vallée deu o primeiro passo no basquetebol do Canadá, Becky Hammon prepara-se para o fazer no basquetebol dos Estados Unidos e Katie Sowers já esteve mais longe de o atingir no futebol americano. Helena Costa foi, concretizando-se a contratação ou não, a cara desse primeiro passo no futebol europeu. Quanto ao futebol português, a ideia parece ainda uma espécie de rascunho longe de se tornar realidade.