No verão, quando eram miúdos, a Maia virava o Texas. Coisas queimadas, outras partidas e os consequentes raspanetes dos adultos. O normal quando a escola está fechada e existem 27 primos à solta num quarteirão. Ou seja, Férias em Família, tal qual o período de quatro meses em que Gui Tomé Ribeiro e Luís Montenegro – os dois cérebros principais dos Salto – se fecharam num estúdio, em Marvila, para fazer o terceiro disco do grupo. A ideia de fuga à rotina é a mesma, mas agora mais crescida, com alguma reclusão voluntária pelo caminho. A ideia é estar ali só para aquilo: “O título, Férias em Família, vem um bocado disso, estarmos os dois muito concentrados a fazer isto, mas é um ambiente muito familiar, somos primos e temos muito afinidade um com o outro”, explica Luís. É essa família à volta da mesa que vamos poder ver já esta quinta-feira, no Lux, em Lisboa, quando o álbum tiver a sua apresentação oficial.

Para este regresso em forma de disco muito contou a mudança de morada de Luís Montenegro, agora a viver em Lisboa. Até então era Gui Tomé Ribeiro em Lisboa e Luís, Filipe Louro e Tito Romão (restantes elementos dos Salto) no Porto, muitas viagens de Alfa e muito tempo entre emails, chats e envio de ficheiros. Por muito que todas esta tecnologia ofereça possibilidades, convenhamos que não é bem a mesma coisa. Mais contou ainda a possibilidade de terem um estúdio em Marvila para ensaiar e estar, gentilmente cedido pelo amigo e músico Pedro Galvão Lucas. “Foi essencial para chegarmos onde chegámos com este álbum. Foi a maneira mais eficaz e muito confortável de estarmos a fazer isto, temos muito tempo para estar aqui a trabalhar”, avisa Gui, que depressa acrescenta mais um conto ao conceito de Férias em Família: “Acho que as letras também remetem para esse conceito de Férias em Família, algumas estão ali a apontar para sonho e futuro e as férias também são um tempo onde fazes muito isso, planeias e contemplas”.

“Férias em Família”, o terceiro álbum dos Salto

Palavras certas. Sonhar, contemplar, termos que se encontram seguramente nas melodias deste novo capítulo da vida dos Salto. A velocidade abrupta, o frenesim da instrumentação, o conseguimos-ser-uma-banda-já-viste-puto, a sobreposição de camadas parece agora em desuso por aqui. As melodias querem tempo para conversar, as palavras são ditas mais devagar, há até uma canção chamada “Só Agora Cresci”. Ora está visto que os Salto deram um salto (peço desculpa, não consegui evitar):

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“A maturidade deu-nos outra calma para não dizermos tudo com tanta pressa. Isso era muito o primeiro disco, querer dizer muita coisa e rápida, tudo muito efervescente. O segundo é querer dizer muita coisa instrumentalmente. E com este queremos um bocado esses dois ambientes tranquilizados, queremos dizer as coisas que queremos, que já sabemos quais são e instrumentalmente também temos cuidado com o que queremos dizer”, explica Gui.

Sem querendo impor aquela conversa do “estão crescidos os rapazes”, “o novo disco da banda X é seguramente o reflexo da sua maturidade”, tentando evitar o paternalismo – sim, que isso nunca foi um bom sumo – mas tentando perceber se existe aqui um padrão, se sempre que uma banda cresce, ou os elementos de uma banda crescem, isso significa num disco mais polido, com mais calma. Luís Montenegro acha que sim: “Tem a ver com contemplação própria, de olhar para dentro, tiras os excessos, conheces-te melhor, há uma pancada interior. Ruminar as coisas, quando estás num diálogo interior, em que queres perceber as tuas motivações, por exemplo ‘Teorias’ e ‘Cantar até Cair’, o disco começa com uma ode ao que estamos aqui a fazer e porque queremos fazer música. É uma batalha interior, é engraçado dizeres calma, eu digo peso, é mais difícil empurrares uma coisa mais pesada, por isso é que ganhou essa calma, pode ser uma boa teoria, essa”.

[“Rio Seco”:]

“Teorias” é o segundo single do disco, depois de “Rio Seco”, e é uma canção que nos fala daquele momento de utopia, “ficámos sentados / a imaginar o amanhã”, aquela rodinha de onde sai a melhor ideia de sempre, aquela coisa do “isso é que era”. Prática que também toca aos Salto: “Fazemos esse exercício porque é muito criativo, mas depois tens de ter a maturidade, ao final de dia, de dizer que isto não vai colar e não ficar ressabiado com isso. Estamos sempre à procura da próxima grande cena”, avisa Luís. Também podemos dizer as teorias que já impuseram aos Salto, como por exemplo que deviam cantar em inglês ou utilizar sons mais africanos, algo a que gostariam sempre de responder “ya, fixe, faz tu”.

Voltando à próxima grande cena, a grande cena deste Férias em Família chegou com “Rio Seco” – primeiro single do disco que aponta para um apocalipse que devolve o vigor, que rejuvenesce – porque foi aí que as melodias começaram a mudar em Salto. Sabiam desde sempre que Tito Romão tocava violoncelo e isso nunca havia estado em Salto, sabiam que tinha que ser desta. Experimentaram em “Rio Seco” e “wow, de certa forma aquele arranjo mudou os Salto”, diz Gui. Com o violoncelo de Tito veio também a ideia de coisa orgânica, daquilo que as canções precisam, de percussões que são novidade, de um reco-reco que Luís queria muito usar, de guitarras clássicas que nem sempre abundavam por aqui. Tudo por uma máxima, que desta vez fosse “a canção a mandar”.

E manda mesmo. A “procura tímbrica” que Luís Montenegro sugere que os Salto fizeram para Férias em Família é audível ao longo das nove canções. Até a eletrónica, que ocupava grande parte da paleta da banda portuense, se esvai bastante. “A ideia eletrónica está mais maturada, está mais no lado dos sintetizadores e eles estão a explorar timbres mais evidentes. É uma coisa engraçada, no disco anterior em cada música tinha uns três sintetizadores ou mais, e ao vivo tinha que tocar três coisas diferentes, aqui no máximo há dois. Lá está, tu não mudas de voz três vezes enquanto cantas uma música, nem mudas o som da guitarra três vezes, mudas uma, se calhar, e isso é mais bonito de explorar”, afirma Luís.

[“Teorias”:]

Se pensarmos bem, até a utilização da palavra bonito pode ser um fator que determina a maturidade de alguém. E olhem para eles, cheios de intenção. Sabe, o estimado leitor, o que é que também traz a condição de adulto? Contas, seja por carta, seja por mail, seja a pronto, seja às prestações, elas estão lá sempre para nós, com as contas podemos contar. Como sugerem os Salto na última canção do disco chamada “Lentamente Pago Casa”. Juntemos a isto o facto de que os Salto nunca foram outra coisa que não os Salto, ou seja, já na faculdade faziam canções e daí saíram continuando a fazê-las, nunca tiveram outro trabalho – salvo Gui Tomé Ribeiro que chegou a ser assistente de sala na Casa da Música.

“Tu escolheres ser músico não é nada fácil. E não escolhes quando lanças o primeiro disco, vais escolhendo todos os dias. Isso é duro, um músico não recebe 900€ todos os meses, não é esse dinheiro certinho, tens que fazer contas, não tens hipótese, ‘Lentamente Pago Casa’ é uma metáfora, tu lentamente pagas aquilo a que chamas casa, com o teu esforço, nada é assim tão imediato. É uma constante, assusta estares sempre a fazer coisas, seja para pagares a tua casa, para saberes no que é que vais investir para o estúdio, seja para saberes como é que vais investir nas tuas relações. E isso acompanha-nos muito”, esclarece Luís Montenegro.

Por fim, o último degrau desta maturação, o próximo passo, a próxima grande cena é também o local do primeiro concerto de apresentação (o segundo é a 2 de Fevereiro, na Casa da Música) de Férias em Família: Lux Frágil. “O Lux é uma casa muito aberta, acho que enquadra perfeitamente, mas é uma casa onde já se fez muita coisa diferente, é uma casa de espectáculos e não só uma discoteca, as coisas que vão lá são maduras e intensas, este disco é isso”, remata Luís. É oficial: este é o salto dos Salto.