O Atlanta United conquistou este sábado o título da Major League Soccer (MLS), a principal liga de futebol dos Estados Unidos. A equipa do Estado norte-americano da Geórgia bateu na final os Portland Timbers por 2-0 e sucede assim ao Toronto FC, que tinha sido o campeão norte-americano em 2017. Pormenor: esta foi apenas a segunda temporada do Atlanta na MLS. Outro pormenor: a equipa não tem no plantel qualquer estrela a cumprir uma reforma antecipada, como Zlatan Ibrahimovic nos LA Galaxy ou Bastian Schweinsteiger nos Chicago Fire. E ainda mais um: Josef Martínez, goleador da equipa, tornou-se esta época o jogador a marcar mais golos numa só época na história da MLS (31).

No Atlanta, a estrela estava sentada no banco técnico. Gerardo Tata Martino, treinador argentino que orientou o Barcelona pós-Vilanova e pré-Luis Enrique para depois substituir Alejandro Sabella na Argentina, aceitou o desafio de rumar aos Estados Unidos dois meses depois de se demitir do cargo na seleção sul-americana, em setembro de 2016. O objetivo, à beira de completar 54 anos, era afastar-se dos holofotes e da atenção da imprensa da América do Sul, que o criticava ininterruptamente depois de a seleção de Messi e companhia ter perdido as finais da Copa América 2015 e da Copa América Centenario, ambas com o Chile e ambas na decisão por grandes penalidades. Tata foi o escolhido pela direção encabeçada por Darren Eales, inglês que foi jogador de futebol mas construiu carreira principalmente na administração desportiva (foi diretor da Administração Desportiva do Tottenham durante quatro anos), para agarrar num projeto de expansão que tinha acabado de nascer mas tinha fundos, meios e objetivos.

E aqui, sublinha-se a palavra meios. O dono do Atlanta United é Arthur Blank, empresário norte-americano que é co-fundador do The Home Depot, a principal loja de material de construção dos Estados Unidos. Para completar o painel executivo do clube, Eales e Blank decidiram chamar alguém que sabia o que era o futebol americano e europeu, alguém que jogou em dois dos melhores campeonatos do mundo e alguém que representou uma seleção nacional ao mais alto nível. Carlos Bocanegra, antigo jogador do Fulham, do Saint Étienne e do Glasgow Rangers que esteve no Mundial da África do Sul pelos Estados Unidos e tem mais de 100 internacionalizações, foi o escolhido para o cargo de diretor técnico e vice-presidente para o futebol. Bocanegra, que pendurou as botas em 2014, é o principal responsável pelas contratações, pela gestão desportiva e pela observação de jogadores – tudo o que é futebol propriamente dito, passa por Bocanegra.

Martino treinou o Barcelona e a seleção argentina antes de aceitar o desafio do Atlanta United

E foi precisamente Bocanegra que viu um bom investimento em Josef Martínez, venezuelano que impressionou ao serviço dos suíços do Young Boys mas estava agora perdido no Torino, subaproveitado e com um sub-rendimento. “Não sabia muito sobre o futebol no país [Estados Unidos]. Mas sabia que lá as pessoas tinham sempre uma oportunidade, não interessava de onde vinham. Disseram-me que um novo clube, um clube especial, estava a ser fundado em Atlanta. Atlanta? Nunca tinha ouvido falar. E depois disseram-me que o treinador ia ser o Tata Martino. El Tata?”, recordou o avançado de 25 anos num texto que escreveu para o The Players’ Tribune, onde lembra o dia em que assinou pelo clube norte-americano.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Para Josef Martínez, craque do Atlanta, a presença de Tata foi fulcral para aceitar o desafio e mudar-se de Itália para os Estados Unidos. “Uns meses depois, falei com o Tata. Ele falou-me sobre o projeto. Estavam a preparar-se para o primeiro ano, estava tudo a correr bem e tinham contratado uns jogadores jovens muito bons. Mas aquilo que me marcou foi o orgulho que ele tinha no projeto – o quão entusiasmado ele estava por estar a criar algo novo. Não tive de pensar muito. Queria estar em Atlanta”, contou o venezuelano. Pouco mais de dois anos depois destes primeiros contactos, Martínez é agora o artista da bola que leva milhares ao Mercedez-Benz Stadium, o homem que marcou o primeiro golo da vitória na final da MLS (o segundo foi de Franco Escobar) e o jogador com mais golos numa só temporada na principal liga norte-americana. Mas Josef Martínez recusa todos os elogios. Para ele, sem hesitações, o melhor jogador da equipa e do campeonato é outro: “O Miguel Almirón é o melhor jogador da MLS neste momento, fim da história. Pensem no vosso jogador favorito, o que é que ele faz bem? O Miguel provavelmente faz melhor”.

Josef Martínez e Miguel Almirón são amigos, colegas de equipa e colegas de casa

Miguel Almirón, ou simplesmente Miguelito, como os colegas o tratam, é o médio ofensivo do Atlanta United e um dos jogadores mais influentes da equipa. Paraguaio, foi já internacional em 12 ocasiões e chegou aos Estados Unidos na mesma altura que Martínez, para integrar a equipa fundadora montada por Tata Martino e Carlos Bocanegra, depois de ter representado o Cerro Porteño e o Lanús. “Temos esta expressão no Paraguai, nem sequer sei traduzi-la muito bem… quiero contar contigo. Quero contar contigo, basicamente. Significa ‘quero confiar em ti, quero fazer isto contigo’. É como um voto de confiança. Naquele momento, alguém muito especial queria contar comigo. Disseram-me que um clube, o Atlanta, me queria. E disseram-me que o treinador seria um cavalheiro. Perguntei quem era. ‘El Tata‘. El Tata?”, escreve Almirón também no The Players’ Tribune. A história é em tudo semelhante à de Josef Martínez. Amigos desde o primeiro momento em que treinaram juntos, dupla letal dentro das quatro linhas, colegas de casa, venezuelano e paraguaio aceitaram mudar-se para os Estados Unidos e para Atlanta por um motivo: Tata Martino.

Tata Martino anunciou em outubro, dois meses antes de se sagrar campeão da MLS, que iria abandonar o Atlanta United por “razões pessoais” no final da temporada. El Tata vai deixar para trás Josef Martínez, Miguel Almirón, o Mercedes-Benz Stadium e um título de campeão norte-americano. Mas deixa também a paixão e o entusiasmo que o fizeram abraçar o desafio do Atlanta. “Depois de perdermos com o Columbus, não conseguia esquecer o que Tata Martino nos tinha dito antes do início do jogo. ‘Estejam calmos. Mas não tenham medo. Lembrem-se daquilo por que estão a jogar e de por quem estão a jogar. Joguem por Atlanta’. Joguem por Atlanta. Foi surreal ouvi-lo dizer aquilo. Antes desta temporada, Tata tinha tanta ligação a Atlanta como eu tinha: zero. Mas há uma coisa que temos de compreender. El Tata é uma lenda. E lenda é um eufemismo”, disse Miguel Almirón.