Embora tenha sido dissolvida há quase 30 anos, em 1990, os arquivos da agência de serviços secretos da RDA – República Democrática Alemã (também conhecida como “Alemanha de Leste”), a Stasi, continuam a revelar surpresas. A novidade mais recente é a descoberta de um cartão de identificação do então agente do KGB e atual presidente russo Vladimir Putin, emitido pela polícia e agência secreta do Estado alemão criado em 1949 (na sequência da Segunda Guerra Mundial) e ocupado pela União Soviética.

Emitido no último dia de 1985, o cartão de identificação de Vladimir Putin tratava o então funcionário dos serviços secretos russos, que residiu entre 1985 e 1990 na Alemanha de Leste (na localidade de Dresden), como “Major Putin”. A divulgação do documento, recentemente descoberto, foi feita pelo jornal alemão Bild, tendo sido confirmada posteriormente pela agência federal do país que detém e preserva e os arquivos da Stasi.

Considerada uma das agências de serviços secretos mais eficientes e repressivas, a agência funcionava em território germânico com uma vasta rede de informadores e espiões. O cartão de identificação de Vladimir Putin mostrava ainda uma fotografia a preto e branco do atual presidente russo, à época com 33 anos.

Putin trabalhou para a Stasi? Não se sabe

O que o atual presidente russo fez durante o período em que esteve ao serviço do KGB, nomeadamente durante a época em que residiu na Alemanha de Leste, continua a ser maioritariamente de desconhecimento público. Sabe-se muito pouco sobre as suas missões ao serviço do KGB, tendo Vladimir Putin e o Kremlin defendido ao longo dos últimos anos que o atual presidente, que então trabalhava com uma identidade forjada de tradutor, tinha um trabalho tão simples quanto recolher artigos de jornais para os arquivos informativos da agência secreta.

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Tendo dito também no passado que “sozinho” conseguiu dispersar os manifestantes que protestavam no exterior dos escritórios do KGB em Dresden em 1989, numa época de grande descontentamento popular e iminência da queda do muro de Berlim, Vladimir Putin terá queimado os ficheiros que se encontravam nesses escritórios (entre os quais estariam alguns relativos ao seu trabalho) para “evitar que os manifestantes os obtivessem”, segundo a sua biografia oficial.

Assim, causou surpresa a revelação do documento pelo jornal alemão Bild, sobretudo porque esta vinha acompanhada com a convicção de que a descoberta provaria que Vladimir Putin trabalhou também para a alemã Stasi, enquanto esteve colocado em Dresden.

Na verdade, a alegação carecerá de fundamento, segundo afirmaram vários especialistas aos jornais norte-americano CNN e The New York Times. Um dos especialistas é Douglas Savage, que trabalha atualmente com os arquivos da antiga agência secreta alemã e que se especializou na relação entre as agências de serviços secretos da RDA e da União Soviética. Ao The New York Times, Savage sublinhou que a existência do cartão de identificação “não prova” que Putin tenha trabalhado para a Stasi. O que o documento prova é que o atual presidente russo teria, à época, acesso às instalações da polícia secreta da Alemanha de Leste, nomeadamente às instalações da agência na localidade de Dresden.

Segundo Douglas Savage, os funcionários que têm consultado os arquivos da Stasi terão encontrado inclusivamente documentos de identificação com fotografias de outros espiões russos sem ligação de fundo à Stasi, que os identificavam apenas como “amigo(s)” ou “elemento do KGB”.

Dagmar Hovestädt, uma porta-voz da agência federal alemã responsável pela preservação e consulta dos arquivos da Stasi (a BStU), corroborou a informação, garantindo à CNN que a hipótese mais provável é a de que o cartão de identificação servisse para Putin aceder às instalações da agência germânica e veiculando a hipótese de que o atual presidente russo servisse à época de elo de ligação entre as duas agências secretas.

A própria agência federal BStU emitiu um comunicado dizendo que “nos 15 distritos da Alemanha de Leste, os representantes do KGB receberam acesso às instalações e escritórios da Stasi. Este foi o caso também para Vladimir Putin”. Um porta-voz do Kremlin, citado pela agência Reuters, refere por sua vez que “como é bem conhecido, na época em que a União Soviética existia, o KGB e a Stasi eram agências secretas parceiras, portanto provavelmente não podemos descartar que trocassem este tipo de cartões de identificação”.

O atual presidente russo viveu em Dresden, na Alemanha, entre 1989 e 1990, época em que trabalhava como espião para o KGB

Depois do seu período em Dresden e da queda do muro de Berlim, Vladimir Putin regressou à Rússia e tornou-se chefe do serviço de espiões que sucedeu ao KGB, o FSB. Em 2000, foi eleito presidente, cargo que mantém atualmente.