Todas as pessoas já tiveram aquela semana em que de forma incontornável se apanham a pensar que a mesma nunca mais acaba. Uns mais, outros menos, mas todos acabam por atravessar essa fase. Mas também há aquelas semanas que num mundo idílico se podiam transformar em meses ou anos porque, de forma direta ou indireta, tudo corre bem. Ao próprio, aos mais próximos, até aos simples conhecidos. Mesmo quando parece que essa espiral de sucessos vai conhecer o seu fim no momento seguinte, o azar dá meia volta e rende-se às evidências. Lucho González, à beira dos 38 anos, teve uma semana assim.

El Comandante começou essa senda de alegrias no último domingo, quando viu o “seu” River Plate vencer a segunda mão da final da Taça Libertadores em Madrid frente ao Boca Juniors. O argentino formado no Huracán nunca escondeu a sua paixão pelos millonarios, onde jogou quatro anos, e fez questão de se mostrar radiante com a conquista também porque, em caso de sucesso, iria reencontrar a anterior formação na Supertaça da América do Sul (que aconteceu mesmo, mas já lá iremos). Ao mesmo tempo, esta foi também a semana em que o internacional renovou contrato por mais um ano com o atual clube, o Atl. Paranaense, onde chegou em 2016 por indicação do ex-técnico do Benfica Paulo Autuori, com quem trabalhou no Qatar.

Estou a terminar a época bem, física e mentalmente. Todos têm carinho por mim e estou feliz da vida por poder ficar mais um ano no Atlético. A proposta para continuar é uma mistura de reconhecimento pelo trabalho com o facto de me sentir à vontade aqui”, comentou após renovar até dezembro de 2019.

Esta madrugada, já depois do FC Porto, que chegou a capitanear em algumas das seis temporadas em que esteve no Dragão, ter sido “confirmado” como melhor equipa da fase de grupos da Liga dos Campeões, o Furacão – que após um início de época mais intermitente conseguiu ir subindo lugares e acabou na sétima posição do Campeonato – conseguiu o seu primeiro grande título internacional, após vencer os colombianos do Júnior Barranquilla nas grandes penalidades da segunda mão da Taça Sul-Americana (4-3). Numa Arena da Baixada com um ambiente frenético, Pablo colocou os brasileiros na frente ainda no primeiro tempo mas o antigo avançado leonino Teo Gutiérrez restabeleceu o empate aos 56′ e no prolongamento foi mesmo a formação visitante a ter a melhor oportunidade para resolver mas Barrera falhou um penálti aos 111 minutos.

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Técnico Tiago Nunes não fugiu ao habitual banho da vitória – até aqui, Lucho esteve no “comando”… (HEULER ANDREY/AFP/Getty Images)

“Estou feliz, a viver um sonho. Ao longo da carreira conquistei muitos títulos e este não tem um sabor diferente. Pelo contrário, estou feliz como se fosse o primeiro. Nunca imaginei poder acabar a época a viver este momento, não tenho palavras para descrever o que estamos a viver”, comentou no final da partida Lucho González, que foi substituído aos 74′ por Wellington numa altura em que o Atl. Paranaense precisava de outra agressividade no meio-campo face à melhoria dos colombianos ao longo da segunda parte. Ainda assim, e sinal do “peso” que o argentino conquistou na equipa, não deixou de ser curioso reparar que o médio acompanhou no banco as grandes penalidades abraçado a Tiago Nunes, técnico do Furacão.

Ainda assim, e como recorda a Tribuna do Paraná, El Comandante fez uma viagem do inferno ao céu nesta passagem pelo Furacão: sendo um dos argentinos no ativo com mais títulos conquistados em passagens por diferentes contextos, Lucho sofreu uma quebra no seguimento da acusação de tentativa de homicídio da ex-mulher e na impossibilidade de ver os filhos (entretanto conseguiram chegar a um acordo para terem a custódia partilhada das duas crianças), esteve com a carreira em suspenso mas acabou por reerguer-se, em termos pessoais e profissionais, no clube brasileiro, onde é visto como um líder silencioso que serve de referência para os mais novos no plantel e não só – Grafite, antigo internacional que veste hoje a pele de comentador, assumiu em entrevista a importância que o número 3 teve nos momentos mais baixos.

“Gosto que os mais jovens tenham mais responsabilidade e dou conselhos. Alguns devem pensar que sou um velho chato mas aqui temos vários jogadores com muito futuro. Sempre fui assim. Mesmo quando era jovem, gostava de chegar cedo e me entrosar com todos. Hoje, faço o mesmo, não com o objetivo de que me reconheçam por isso. Sou mesmo assim. Mas claro que fico grato por ser considerado uma referência”, destacou numa entrevista ao site oficial do clube. “Sempre disse que sou um jogador de equipa, não sou daqueles jogadores que fazem a diferença sozinho. Acho que o Atl. Paranaense está a viver um momento bom. O clube sempre me apoiou nos momentos difíceis. Gosto muito mesmo de jogar futebol”, acrescentou.

Muitas vezes não conseguimos fazer aquele que jogo que queremos. Hoje sofremos mas a sorte esteve do nosso lado. A maior conquista de todas é poder entrar na história do clube como membro da primeira equipa que ganhou uma prova internacional. Quando se passa por um clube como o Atl. Paranaense, o objetivo passa por deixar marca e ser recordado pelos títulos. Estou também feliz por reencontrar o River Plate no próximo ano, espero que tenha um final bom para nós. Futuro? Ninguém nos pode privar de sonhar com a conquista da Taça Libertadores”, apontou após o triunfo.

Nascido em Buenos Aires, Lucho González fez a formação no Huracán antes de ser aposta no River Plate em 2002, tendo ganho dois Campeonatos antes da primeira passagem pelo FC Porto, em 2005. No Dragão, conseguiu quatro Campeonatos noutros tantos anos, além de duas Taças de Portugal, aceitando uma proposta de sonho do Marselha em 2009, onde conquistou também a Ligue 1 nessa primeira temporada, antes de três Taças da Liga e duas Supertaças. Acabou por não resistir ao apelo dos azuis e brancos e voltou à Invicta em 2012 para mais duas épocas, onde somou mais dois Campeonatos e duas Supertaças. Pela Argentina, ganhou ainda a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Atenas, em 2004, tendo participado em duas campanhas com finais perdidas na Copa América (2004 e 2007) e no Campeonato do Mundo de 2006, na Alemanha.

Lucho González teve cartão cheio nas duas passagens pelo FC Porto: seis épocas, seis Campeonatos (MIGUEL RIOPA/AFP/Getty Images)

Aos 33 anos, não enjeitou um contrato milionário no Qatar pelo Al Rayyan mas a adaptação não foi fácil, rumando de novo ao River Plate em 2014/15 para alcançar um marco histórico pelos millonarios: o triunfo na Taça Libertadores, já com Marcelo Gallardo no comando. Acabou por deixar de novo o país de origem, aceitou o projeto do Atl. Paranaense aos 35 anos mas aquilo que poderia ser visto como uma espécie de reforma antecipada tornou-se em mais um capítulo de sucesso, com a conquista do primeiro troféu internacional de sempre do Furacão quando está à beira dos 38 anos (19 de janeiro). Mesmo sendo argentino e mesmo tendo apenas três anos no clube, como capitão. El Comandante continua a ser um líder sem idade.