A história deste Montalegre-Benfica, realizado a 19 de dezembro antes de uma jornada que promete fazer alterações na tabela classificativa do Campeonato (ou melhor, só mesmo por conjugação cósmica não trará mexidas), começou a ser escrita por volta das 12 horas de 30 de novembro. Nesse dia, o conjunto de Barroso assistiu em direto ao sorteio dos oitavos de final da Taça de Portugal, fez apostas sobre os adversários possíveis e acabou por ter a sorte grande em que a maioria tinha votado. Houve festa. Saltos, abraços. Algum tremelique até na voz do capitão Gabi, emocionado com o que vinha aí. Mas não se ficou por aí, fugiu ao caminho mais fácil e ganhou a sua eliminatória ao longo das últimas duas semanas e meia.
Benfica vence Montalegre por 1-0 com golo de Conti e segue para os quartos da Taça de Portugal
Com o Desp. Chaves a jogar na Vila das Aves, era normal haver uma passagem do jogo para o recinto dos flavienses, com garantia de quase praticamente cheia. Mas pensou-se outra coisa: “Quantas vezes existe uma possibilidade como esta para defrontar um grande como o Benfica?”. Foram muitas horas de trabalho que valeram a pena: entre um relvado “novo”, bancadas improvisadas e a luz artificial, numa empreitada que contou também com a ajuda da autarquia, o Estádio Dr. Diogo Alves Vaz Pereira ficou com as condições necessárias para receber o encontro. Tudo bateu certo, incluindo o tempo esperado – muito frio (três graus), 100% de possibilidades de chover (muitas vezes de forma mais agressiva). O “jogo” do Montalegre estava ganho.
Paulo Viage, presidente do clube e irmão do treinador José Manuel Viage que se encontrava suspenso (tal como o adjunto, o ex-médio Ricardo Chaves que chegou a ganhar uma Taça de Portugal pelo V. Setúbal contra os encarnados, em 2005), prometeu a toda a equipa um jantar da típica vitela barrosã com aquela que é conhecida como “a melhor batata do mundo” qualquer que fosse o resultado final da receção ao Benfica. Uma recompensa justa e concreta, que se pode descrever, ao contrário dos olhos carregados de emoção e orgulho das gentes de Barroso nas bancadas. O Montalegre quis ser anfitrião, lutou por isso e fez a festa, antes, durante e depois do jogo; já os encarnados iam para tudo menos festas, como dizia Rui Vitória.
Ficha de jogo
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Montalegre-Benfica, 0-1
Oitavos de final da Taça de Portugal
Estádio Dr. Diogo Alves Vaz Pereira, em Montalegre
Árbitro: Manuel Oliveira (AF Porto)
Montalegre: Tiago Guedes; David Carvalho, Vítor Alves, Vítor Pereira, Zack (Roberto, 83′); Lio, Bela Tavares; Prince Bonkat (Anderson Zangão, 63′), Márcio Ferrari, Gabi (Álvaro Branco, 70′) e Paulo Roberto
Suplentes não utilizados: Viana, Embaló, João Fernandes e Beto
Treinador: José Manuel Viage
Benfica: Svilar; Corchia, Jardel, Conti, Yuri Ribeiro; Alfa Semedo, Gabriel, Krovinovic; Zivkovic (Cervi, 72′), João Félix e Seferovic (Castillo, 89′)
Suplentes não utilizados: Bruno Varela, Rúben Dias, Samaris e Ferreyra
Treinador: Rui Vitória
Golo: Conti (31′)
Ação disciplinar: cartão amarelo a Conti (33′) e Gabriel (61′)
“É um enorme prazer quando o Benfica vai a essas zonas mas que fique bem claro – não vamos para festa nenhuma. Vamos para ganhar o jogo e avançar nesta eliminatória. Gostamos da festa mas vamos lá para ganhar”, assegurou, deixando ainda a garantia que toda a preparação foi feita “da mesma maneira”: “Nem ficava bem comigo próprio se não o fizesse. Os jogos têm de ser vistos da mesma forma e levou a mesma preparação”. Numa altura particularmente carregada em termos de calendário (e, já agora, com o mercado de Inverno aí à porta), o treinador dos encarnados via na deslocação ao oitavo classificado da Série A do Campeonato de Portugal “um desafio para os que possam entrar”. Um desafio, para muitos, falhado. Zivkovic, em 70′, foi o único a par de Jardel que se manteve no onze e foi o melhor, Alfa Semedo voltou a estar bem mas houve pouco mais. O relvado não ajudou à fluidez do jogo mas a apatia, a falta de velocidade e os problemas em criar chances de bola corrida fizeram com que, em determinados momentos de menor inspiração, houvesse quase um jogo “derrotado”, sem chama. A organização coletiva do Montalegre merece ser destacada, mas a margem mínima no resultado deveu-se sobretudo ao demérito dos encarnados.
Num início quase tão frio como o tempo, até foi o Montalegre a ter o primeiro lance de perigo junto a uma das balizas, quando Vítor Pereira, na sequência de um canto, desviou ao lado perto do poste (7′). As bancadas aqueceram a voz, Seferovic começou a aquecer a cabeça: já depois de um remate de João Félix que desviou num defesa contrário antes de sair para canto perto da baliza dos visitados, Seferovic aproveitou um canto para Vítor Guedes fazer uma intervenção bonita para a fotografia (que grande chapa que terá sido apanhando esse momento certo) e, pouco depois, obrigou o guarda-redes do conjunto de Barroso a um voo esse sim de grau de dificuldade mais elevado, no seguimento de um cruzamento de Yuri Ribeiro (11′ e 13′).
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Depois, parou. O Benfica ia tendo bola, nessa fase evitou até qualquer saída ou aproximação do adversário, mas foi curto. Curto porque o envolvimento dos laterais pouco ou nada tem a ver com o habitual rendimento dos titulares André Almeida e Grimaldo, o que diminuía também o fluxo de jogo de quem caía nas alas. Curto porque, apesar de mais uma boa exibição de Alfa Semedo, Gabriel voltou a ter uma exibição fraca, com passes falhados, quase fugindo ao papel de desbloqueador que o passar dos minutos lhe queria conferir mas o brasileiro não aceitou. Curto porque Krovinovic, aquele Krovinovic que levou mesmo Rui Vitória a mudar a habitual disposição tática em campo das águias, ainda procura a sua zona de conforto enquanto pisa vários terrenos e movimentações. Curto porque João Félix esteve longe daqueles dias em que transforma qualquer bola boa em oportunidade. Assim, a resistência apenas caiu numa bola parada, com Conti a marcar de cabeça após canto de Zivkovic (31′).
O Golias estava em vantagem mas nem por isso David baixou os braços. Até pelo contrário – aproveitando um período de menor discernimento do Benfica nas transições e posicionamentos, o Montalegre fez duas aproximações com maior objetividade junto à baliza de Svilar e na segunda, após um canto, Paulo Roberto ganhou ao segundo poste para o cabeceamento que desviou em Gabriel (com protestos que tinha sido no braço) e saiu pela linha de fundo (38′). O estádio agitou-se, quase acreditando que era mesmo possível fazer aquilo que ninguém fazia há cinco jogos (marcar), mas foi uma questão de poucos minutos até regressar a lei do mais forte, de novo após bola parada mas com Vítor Guedes a defender a tentativa de Jardel (42′).
Ao intervalo, entre a maior posse do Benfica (61%), um dado curioso: os seis remates dos encarnados tinham sido todos feitos na área (quatro enquadrados) e a diferença entre ataques, sendo grande, mostrava uma distância mais curta do que se pensava (10-17). Talvez por isso, no sentido de acabar desde logo com qualquer dúvida e gerir o encontro de outra forma, Corchia testou a meia distância no seguimento de uma entrada mais forte e pressionante mas acertou no poste (48′). Mais tarde, o protagonista voltou a ser Vítor Guedes, com uma intervenção monstruosa a toque de João Félix isolado na pequena área – de novo com a assistência a pertencer a Zivkovic – e outra de grande grau de dificuldade a Conti, após canto (59′ e 63′).
Tavares, a meio da segunda parte, teve o primeiro (e único) remate perigoso do Montalegre na etapa complementar, que passou mesmo muito perto do poste da baliza de Svilar, após desvio num adversário. Com a saída de Zivkovic, o Benfica perdeu aquela pontinha de virtuosismo que ainda alumiava uma frente ofensiva que andava às escuras; com a entrada de Gedson Fernandes para o lugar de Gabriel, recuperou a capacidade que às vezes lhe parecia faltar no meio-campo (Alfa Semedo é bom, está cada vez mais evoluído mas também não dá para tudo). E foram os visitados que tiveram ainda o último remate do encontro, quando Zangão se entusiasmou e atirou forte mas desenquadrado da baliza de Svilar quando podia ter feito algo mais (90′).