Vinte e nove designers de seis países europeus, nas áreas do vestuário e do calçado, e mais de 32 mil euros em prémios. A quinta edição do Fashion Design Competition do ModaPortugal ocupou a Alfândega do Porto na passada quarta-feira. O objetivo foi só um: aproximar jovens criativos na área do design de moda da indústria têxtil portuguesa, reconhecida como uma das mais poderosas da Europa.

O setor cresce a olhos vistos. Hoje, são cerca de 9.500 as empresas portuguesas dedicadas a este ramo industrial, entre confeções, fábricas de tecidos, produções de calçado e de acessórios. Todas juntas, empregam mais de 110 mil pessoas, um pulsar que se sente sobretudo na região Norte do país.

“O trabalho nunca está terminado. As coisas mudam muito rapidamente, basta ver a nossa indústria. Muitas empresas que estão agora a crescer e a destacar-se eram pequenos empreendedores há uns anos. A nossa ambição é termos a indústria, têxtil e de vestuário, no topo daquilo que é a oferta internacional e, para isso, temos de estabelecer estas relações com os centros de formação dos grandes designers”, afirma Manuel Lopes Teixeira, presidente do CENIT (Centro de Inteligência Têxtil), ao Observador.

Juntamente com a ANIVEC (Associação Nacional das Indústrias de Vestuário e Confeção) e em parceria com a APICCAPS (Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes, Artigos de Pele e seus Sucedâneos) e com a ModaLisboa, o CENIT desafiou 29 designers a apresentarem as suas coleções, cada um em representação de uma escola. Desses, 19 deram provas de talento na área do vestuário, vindos de Espanha, Itália, Portugal, França, Alemanha e Reino Unido. Os restantes dez vieram mostrar trabalhos desenvolvidos na área do calçado, assegurando as participações de Portugal, Espanha e Itália na competição.

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Os 18 concorrentes do Fashion Design Competition, na categoria de vestuário © Divulgação

“O grosso da nossa produção é para os mercados externos, não é para Portugal. É verdade que temos uma indústria de excelência, mas também é verdade que a nossa presença nos mercados não é tão ativa como gostaríamos. Precisamos, sobretudo, de penetrar mais nas camadas mais jovens e nos centros de saber, nas escolas. Alguns destes alunos, provavelmente, terão lugares importantes na moda internacional. Queremos que nos conheçam e estabelecer uma relação”, continua Manuel Lopes Teixeira.

London College of Fashion, em Londres, e Polimoda, em Florença, foram algumas das escolas presentes no concurso. Convidadas a participar — embora o presidente do CENIT assinale os contactos cada vez mais frequentes de universidades e institutos com interesse em participar — cada uma ficou encarregue de selecionar o seu melhor aluno.

Além de um prémio final, nas categorias de vestuário e calçado, cada país sagrou o seu vencedor, a partir das escolhas de um júri internacional que, na passada quarta-feira, avaliou cada coleção. Artur Dias, da Modatex, Carolina Koziski, do IED Madrid, Frank Lin, da alemã ADM Akademie Mode & Design, Giulia Masciangelo, da italiana Polimoda, Yelim Cho, do London College of Fashion, e Zhikai Yang, da Esmod Paris, levaram para casa um prémio de 2.500 euros.

Zhikai Yang acabou por ser o grande vencedor da noite, somando 5.000 euros ao prémio inicial. Para o Porto, trouxe propostas de moda masculina, fortemente inspirada nas técnicas e códigos de vestuário das minorias de Hainan, ilha do Sul da China. Além das suas raízes, trouxe a capacidade de aproveitar materiais e de converter antigas roupas em novas peças. Nos três coordenados que apresentou no desfile conjunto de quarta-feira à noite, misturou dois clássicos: o índigo e o tom caramelizado da pele. Não inventou a pólvora, mas conseguiu mostrar um trabalho exemplar na construção das peças, nos acabamentos e na sua usabilidade.

A categoria de calçado contou com dez participantes de Portugal, Espanha e Itália © Divulgação

Do lado do calçado, as escolhas limitaram-se a três países. Beatriz Vasconcelos, da Academia de Design e Calçado, a marca Moncayo, do IED Madrid, e Stephanie Grosslercher, da Polimoda, foram vencedoras dentro das comitivas dos respetivos países, com um prémio de 2.500 euros. Grosslercher e as suas botas de inspiração dadaísta levaram a melhor e a jovem designer, responsável pelo design e pela execução do modelo que apresentou, voltou para casa com um total de 7.500 euros.

“Esta coleção não foi só idealizada por mim, foi toda feita por mim”

Foram horas sentado em frente à máquina de costura e mais umas tantas perdidas com os acabamentos feitos à mão. O tema de que todos falam pode ser a proximidade entre criativos e indústria, mas a realidade de Artur Dias, pelo menos até agora, tem sido diferente. Na passada quarta-feira, voltou a submeter a coleção “Rapture” à apreciação de um júri. Depois de ter passado pelo Bloom do Portugal Fashion, no final do curso, e de duas participações no Sangue Novo da ModaLisboa — a primeira, em março deste ano, ainda em dupla com Vera Gomes, a segunda, em outubro, já sozinho –, foi selecionado para representar a Modatex no ModaPortugal Fashion Design Competition.

Os três coordenados apresentados por Artur Dias no desfile da passada quarta-feira, na Alfândega do Porto © Divulgação

Como todos os outros concorrentes, empurrou o seu próprio charriot para dentro da biblioteca da Alfândega do Porto. É certo que o impacto visual (e imediato) das peças não é tudo, mas estas prenderam o olhar dos jurados desde o primeiro segundo. Construída sob influências do steampunk, a coleção do próximo verão, ainda que estática em cabides, transporta qualquer um para um cenário apocalítico e fantástico. Não é propriamente um guarda-roupa de trabalho, Artur chama-lhe “prêt-à-couture”.

“Já há pronto-a-vestir suficiente hoje em dia, tem de existir mais qualquer coisa. Sei que às vezes posso ter uma interpretação que pende mais para o costume design, mas isso é porque os meus temas são também fantasistas. É o meu mundo”, afirma o criador ao Observador.

Para ter peças imponentes, Artur não precisou de sacrificar a funcionalidade — mais um ponto a favor. Os detalhes e acabamentos também impressionaram o júri, afinal o jovem designer é dos que defende que “a peça tem de ser tão interessante por dentro como por fora”. Os materiais são reinventados. Não há quase nada novo — há tecidos de costureiras, peças de lojas de segunda mão e outras que já estavam lá para casa e que foram devidamente desmanteladas. “A partir daí, tento passar uma ideia de luxo. Mesmo assim, esta coleção não passou dos 300 euros”, admite Artur.

O valor, bastante abaixo do que a produção de uma coleção de vestuário requer, foi um investimento. Ao fim do dia, Artur Dias sagrou-se vencedor do prémio atribuído por país. Mais do que o reconhecimento, valem-lhe os 2.500 euros de que dependem a próxima coleção (o designer admitiu, antes de ser anunciada a lista de vencedores, que o prémio lhe permitiria comprar uma máquina industrial).

“Esta coleção não foi só idealizada por mim, foi toda feita por mim. Existe uma conexão muito grande com as peças, tivemos ali na máquina de costura a morrer muito tempo, a coser à mão muito tempo”, conta. A ligação é para manter, o que não significa que as próximas criações de Artur não tirem partido do apoio que a indústria está disposta a dar aos jovens designers de moda. Além dos botões da Sepol, vai contar com o apoio da Troficolor, fábrica portuguesa especializada em ganga que abre as portas à criatividade do criador, em jeito de patrocínio.

Durante a manhã de quarta-feira, Artur apresentou a coleção ao júri © Divulgação

“Neste momento, o meu objetivo é mesmo a ModaLisboa. É para isso que estou a trabalhar. Há muitas pessoas com esta forma de pensar, que querem trazer o teatral de volta. Esta coisa tóxica do desportivo já começa a dar um pouco de comichão”, afirma. Em março, este designer natural do Porto volta ao Sangue Novo para apresentar uma coleção com 15 coordenados. Numa indústria dividida entre dois polos — a produção em massa e o luxo inalcançável –, Artur acredita que é possível criar algo no meio.

“São jovens e têm de ter uma noção da realidade”

A vinda ao Porto não se resumiu aos corredores e salões da alfândega (que os 29 designers ficaram a conhecer na perfeição). Houve tempo para visitar fábricas, ou seja, os lugares onde tudo acontece. São rapazes e raparigas em início de carreira, alguns deles acabados de sair das escolas de design. Mesmo que as coleções ainda não exijam meios de produção com a escala de uma fábrica, assistir de perto ao processo da confeção e da produção têxtil é uma janela, para muitos, aberta pela primeira vez.

“Muitos deles fizeram formação em grandes capitais europeias da moda, onde já não existem fábricas. Alguns estudam durante três ou quatro, até cinco anos, e nunca estiveram numa fábrica com estas características. Não estamos aqui para fazer negócio de imediato com estes jovens designers, estamos a tentar que estabeleçam relações de proximidade com as nossas empresas”, afirma Manuel Lopes Teixeira, presidente do CENIT.

Nos bastidores do desfile, na Alfândega do Porto © Divulgação

Na Crialme, uma das fábricas visitadas pela comitiva de jovens designers, em Sobrosa, a pouco mais de meia hora do Porto, trabalham cerca de 500 pessoas em 2.000 m2. Fundada em 1984, especializou-se na confeção de fatos. Hoje, produz para marcas de luxo, cujos contratos de confidencialidade impedem que o nome escrito nas etiquetas seja divulgado. A par da produção em série, as peças por medida e as pequenas encomendas de alfaiates de todo o mundo marcam o ritmo acelerado da fábrica. Com 99% da produção destinada a sair do país, sobretudo para os Estados Unidos e para o Norte da Europa, o investimento em tecnologia foi inevitável e não falamos só de mesas de corte computorizadas ou de sistemas de armazenamento vertical. Este ano, a Crialme lançou uma plataforma online, através da qual clientes em qualquer parte do mundo podem desenhar as suas peças com todas as especificações técnicas.

“Aqui, as pessoas estão perto e vêm à fábrica, mas funciona muito bem para Lisboa, por exemplo, onde já trabalhamos com quatro alfaiates. Temos ainda clientes em Madrid, Barcelona, Paris, Nice, Amesterdão, na Alemanha, no Reino Unido e em Nova Iorque, e há mais para entrar”, explica Paulo Ribeiro, responsável pelo departamento comercial e de estratégia da empresa. “Neste momento, temos mais de 3.000 pedidos lançados na plataforma. É um bebé, mas espero que daqui a meia dúzia de anos represente 20% da empresa”, acrescenta.

Springkode, a startup que o leva a fazer compras nas fábricas portuguesas

“São jovens e têm de ter uma noção da realidade”, conclui Paulo Ribeiro, ao referir-se à abertura das portas da fábrica ao grupo de designers. Impressionados pela escala — a Crialme tem capacidade para produzir 450 fatos por dia — curiosos com as diferentes etapas e preceitos da produção de artigos de luxo, a maioria dos jovens criadores está muito mais familiarizado com o trabalho criativo dentro de um atelier do que propriamente com a confeção numa fábrica.

Bem mais transversal aos diferentes estilos é a produção têxtil, ou seja, dos próprios tecidos. Daí que uma das paragens tenha sido a Riopele, gigante do setor fundado em 1927. Ali, as fibras entram em estado bruto e saem em rolos que seguem para os quatro cantos do mundo. Num mês, este aglomerado de fábricas produz cerca de 800 quilómetros de tecido. A fábrica histórica tem vindo a modernizar-se, um investimento que, no próximo ano, deverá atingir os 30 milhões de euros.

Longe do ruído das máquinas e do vapor de água que enche o polo onde são feitos os tingimentos fica o departamento de desenvolvimento de produto. Entre designers de tecidos, especialistas em tendências e profissionais ligados à sustentabilidade, há quase 30 pessoas a trabalhar para tornar a indústria mais competitiva. A relação com os designers de moda é praticamente uma tradição.

Nuno Baltazar faz parte da casa. Não só ajuda a equipa residente a desenvolver novas coleções de tecidos, como tem o apoio da fábrica no criação de tecidos para as suas próprias peças. Luís Carvalho, Sara Maia, Inês Torcato e Hugo Costa estão entre os nomes que já contaram com o patrocínio deste gigante têxtil. Num universo de grandes quantidades e de produção em escala, nem sempre é fácil apoiar designers em início de carreira. O departamento de cash & carry é uma solução comum. Muitos criadores conseguem encontrar tecidos em menores quantidades e desenvolver peças mais exclusivas a partir de materiais também eles feitos em Portugal.