As quatro crianças que foram vendidas pelos pais biológicos a troco de 20 mil euros cada poderão acabar por ficar com os casais que as compraram. A notícia é avançada pelo Jornal de Notícias que cita um especialista em Direito de Família e Menores. Os tribunais terão de ter sempre em conta o superior interesse da criança e, exatamente por isso, poderão considerar que retirar os menores à nova família é pior do que mantê-los integrados, mesmo que disso resulte um benefício ao infrator. A decisão ficará a cargo das autoridades judiciais dos países onde as crianças residem atualmente: França, Luxemburgo e Suíça.

“Há casos em que a desintegração seria muito pior do que continuarem integradas”, explicou António Fialho, juiz especialista em Direito de Família e Menores e membro da Rede Internacional de Juízes da Conferência da Haia de Direito Privado, citado pelo Jornal de Notícias.

Também o diretor da Polícia Judiciária do Porto já tinha alertado para esta possibilidade. Na quinta-feira, Norberto Martins sublinhou que as crianças poderiam não ser retiradas às famílias que as compraram, ainda recém-nascidas, até porque, justificava, “é possível dizer que não estarão numa situação de perigo”.

Uma coisa é intervir quando uma criança tem dias ou meses, outra é quando tem seis ou sete anos e foi bem tratada”, disse então o diretor da PJ do Porto.

Na quinta-feira passada, no seguimento da denúncia de um vizinho que estranhou as sucessivas gravidezes e subsequente ausência de crianças, um casal foi detido e identificado pela PJ por suspeita de tráfico humano. A mulher, de nacionalidade brasileira, ficou em prisão preventiva e o homem, português, obrigado a apresentações periódicas. Apesar de serem um casal há cerca de dez anos, os dois não viviam juntos.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Como uma denúncia anónima levou a PJ a deter um casal que vendia os filhos por 20 mil euros

Os factos ocorreram no período compreendido entre julho de 2011 e 2017 e, segundo a PJ, as quatro crianças forma entregues a casais que vivem no espaço europeu.

O procedimento a seguir neste tipo de casos é, em primeiro lugar, apurar a localização dos menores e, de seguida, contactar as as autoridades do país onde ela reside. A partir daí, e segundo o que está previsto na Convenção de Haia, é esse Estado a decidir que medidas devem ser tomadas.

O critério de avaliação a que será dada preferência, quer pelo regulamento da União Europeia quer pela Convenção de 96, fala sempre do superior interesse da criança avaliado na cultura jurídica de cada país”, sublinha o juiz António Fialho.

Citado pelo JN, o juiz frisa que ainda há várias etapas a percorrer até se chegar a uma decisão final e que há países mais exigentes do que outros. Esse é o caso da Suíça — onde se encontra uma das crianças — conhecido por ser um dos países menos permissivos quando está em causa a transferência do poder paternal com contornos duvidosos.

“Mesmo quando as crianças são entregues legalmente, os suíços são muito exigentes na transferência de competências e tem havido dificuldade em concretizar algumas transferências de competências parentais”, nota o magistrado.

Investigação levou meses

Segundo a Judiciária, a investigação policial foi efetuada durante “vários meses”, na sequência de uma denúncia, e foi “complementada com buscas domiciliárias” efetuadas na quarta-feira passada, onde foi recolhido “acervo de matéria probatória relevante relacionada com os factos em investigação”.

“As crianças seriam geradas com o objetivo de serem vendidas”, disse Norberto Martins, durante a conferência de imprensa da PJ do Norte, na quinta-feira à tarde. O diretor revelou também que as quatro crianças, a mais velha nascida em 2011 e a mais nova em 2017, terão sido “vendidas a cidadãos europeus”, e que entre as famílias de destino “existem portugueses”.

Os bebés nasceram em Portugal, mas desconhecem-se as circunstâncias dos partos e dos nascimentos, nomeadamente se em casa ou em hospitais, acrescentou Norberto Martins, referindo ser possível dizer que as crianças não estarão numa situação de perigo. Esta força policial acredita que, após os nascimentos, o casal suspeito da prática de crimes de tráfico de recém-nascidos falsificava os documentos das crianças, designadamente no que toca à paternidade.