Na temporada 2001/02, sir Bobby Robson era o treinador do Newcastle. Tinha chegado em setembro de 1999 para pegar numa equipa desmembrada, perdida, sem rumo e em risco de despromoção para o segundo escalão do futebol inglês. Conseguiu dois 11.º lugares consecutivos e em setembro de 2001 garantia que os magpies tinham qualidade suficiente para terminar na oitava posição da Premier League. A aposta era forte: as contratações durante o mercado de verão incluíram o francês Laurent Robert, até aí no PSG, o virtuoso Jermaine Jenas, que alinhava no Nottingham Forest, e ainda o promissor Craig Bellamy, avançado galês a brilhar no modesto Coventry City. No final do ano, o Newcastle superou a fasquia do oitavo lugar, terminou em quarto e apurou-se para a Liga dos Campeões; Bellamy fez nove golos em 27 jogos e começou aí uma parceria de luxo com Alan Shearer.

Shearer, em St. James’ Park desde 1996, não voltaria a deixar o clube que apoiava desde criança e só tirou a camisola preta e branca para terminar a carreira, em 2006. Bellamy, por seu lado, sonhava com voos mais altos — mas nunca chegou a ser tudo aquilo que esperavam que fosse e muito menos aquilo que ele próprio esperava ser. Foi emprestado ao Celtic em 2004, esteve um ano no Blackburn Rovers, dois em Liverpool (em dois períodos distintos), dois no West Ham, dois no Manchester City e terminou a carreira no Cardiff City, o clube da cidade onde nasceu, conseguindo ainda levar o clube até à promoção à Premier League. Passaram quatro anos desde que Craig Bellamy terminou a carreira. Uma carreira cheia de golos mas com ainda mais polémicas: polémicas essas que o galês de 39 anos parece agora querer levar para os balneários e para os bancos técnicos.

No Newcastle, formou uma dupla de sucesso com Alan Shearer

Esta terça-feira, primeiro dia do ano, o Daily Mail contava que Bellamy, atualmente a treinar na academia do Cardiff, está a ser acusado de discriminar alguns jovens jogadores e criar um clima de bullying e intimidação entre a formação da equipa do País de Gales. O caso remonta a 2017 e a um jovem específico, Alfie Madden, que acabou por deixar o clube. De acordo com os pais de Alfie, que revelaram o caso, o jovem era discriminado e isolado por ser inglês — já que Bellamy favorecia os jogadores galeses. Os pais do rapaz pediram uma reunião com um dos diretores do Cardiff e exigiram a presença do treinador mas, no final da reunião, a opinião tinha piorado tanto que a decisão foi retirar Alfie do clube. “Disse asneiras durante a reunião. Deu pontapés nas cadeiras e balançou enquanto estava sentado como se não estivesse interessado. Parecia um miúdo mimado em frente ao reitor. No final da reunião, levantou-se, não apertou a mão a ninguém e foi-se embora”, disse David Madden ao jornal inglês.

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David foi jogador de futebol nos anos 80 e 90 e chegou a representar o Crystal Palace na final da Taça de Inglaterra de 1990. Talvez por isso tenha duvidado quando o filho, na altura com 17 anos, chegou a casa a queixar-se da dureza do treinador. Mas depressa percebeu que o caso era diferente. “Eu estive no futebol durante muito tempo. Disse-lhe que tinha de aguentar. Que era para fortalecer o caráter. Mas percebi que quando voltava dos treinos ficava fechado no quarto. Depois dos jogos a mesma coisa. Chegava a casa, ia direito ao quarto e não falava connosco. Agora percebo que esse é um comportamento típico de alguém que sofre bullying. A personalidade dele mudou por causa do Bellamy”, explicou o pai de Alfie. O inglês acrescentou ainda que o antigo capitão da seleção do País de Gales é visto “como um Deus” em Cardiff e que “ninguém diz nada que o possa incomodar”.

O avançado galês terminou a carreira no Cardiff, o clube da cidade onde nasceu

Até porque, tal como a história nos conta, Craig Bellamy ferve em pouca água. Para além dos desentendimentos com Graeme Souness enquanto este foi treinador do Newcastle — em direto, na televisão, acusou o treinador escocês de mentir e de colocar em causa o seu compromisso para com o clube –, das mensagens enviadas a antigos colegas de equipa enquanto estava emprestado ao Celtic, a gozar com uma derrota, e de vários casos de agressão que fizeram muitas primeiras páginas de jornais, um novo episódio polémico foi revelado na semana passada. No autobiografia “Running Man”, divulgada no final do ano, o ex-Liverpool John Arne Riise conta várias histórias da carreira de 20 anos que o levou da Noruega à Ligue 1, à Serie A e à Premier League. O antigo lateral esquerdo esteve sete anos em Anfield Road e cruzou-se com Bellamy durante a primeira passagem do galês pelos reds.

Em 2007, na antecâmara de um jogo importante frente ao Barcelona, a contar para a Liga dos Campeões, o Liverpool viajou até ao Algarve para passar alguns dias de descanso no hotel Barringtons Golf and Spa, na urbanização Vale do Lobo. Numa das noites, o plantel foi autorizado a jantar sozinho, sem equipa técnica nem dirigentes, e o consumo de álcool, ainda que sempre de forma moderada, era permitido. À chegada ao restaurante, os jogadores ficaram entusiasmados com a existência de uma máquina de karaoke e Craig Bellamy que, segundo o relato de Riise, começou a beber ainda antes da comida ser servida, apressou-se a gritar insistentemente que o noruguês teria de cantar. No final da refeição, cansado de não responder às provocações do colega de equipa, Riise aproximou-se do avançado e disse-lhe: “Eu não vou cantar. Cala-te ou esmago-te!”. Enquanto o lateral deixava o restaurante para regressar ao hotel, Bellamy gritou “eu mato-te, ruivo de m…”. O resto da noite parece uma cena de um filme de ação.

Dias depois de atacar Riise com um taco de golfe, Bellamy celebrou o golo marcado ao Barcelona com a simulação de uma tacada

“Acordei no escuro com o barulho de uma pessoa a abrir a porta. Virei-me, mas os meus olhos estavam meio fechados e nem consegui ver nada com o clarão. Assim que o consegui ver, ao Craig Bellamy, ele estava aos pés da minha cama com um taco de golfe nas mãos. Ele levantou o taco acima da cabeça e baixou-o com toda a força que tinha. Tentou acertar-me nas canelas, o que teria acabado com a minha carreira, mas eu consegui tirar a perna a tempo. Saltei da cama e segurei no lençol como se me pudesse proteger. Ele atirou: ‘Ninguém me desrespeita assim em frente aos rapazes!’. Estava completamente louco. (…) Levantou o taco e tentou outra vez. Desta vez conseguiu. Com toda a força na minha anca. (…) O golpe seguinte acertou-me na coxa”, conta John Arne Riise num excerto divulgado recentemente pelo jornal The Guardian.

O caso chegou aos jornais mas nunca com a versão completa. O Liverpool abafou a situação, o plantel nada contou para não entregar todos os outros jogadores que também tinham ficado alcoolizados e o episódio foi encerrado com a aplicação de uma multa no valor de 80 mil libras a Bellamy. Dias depois, em Camp Nou, os reds bateram o Barcelona por 1-2 com um golo do galês e outro de… John Arne Riise. Na comemoração do golo, Bellamy simulou uma tacada de golfe; na celebração do segundo, que o lateral marcou depois de assistência do avançado, os jogadores abraçaram-se. “O que eu e o Bellamy provámos foi que tínhamos a capacidade de usar a adversidade para ser bem sucedidos. Aguentámos a pressão e conseguimos destacar-nos num dos maiores jogos que um jogador de futebol pode jogar. Mas nunca poderíamos ser amigos”, escreveu o antigo internacional norueguês. Mais de dez anos depois de ter agredido um colega de equipa com um taco de golfe, Craig Bellamy é agora acusado de maltratar jovens jogadores do Cardiff City.