Os dois principais partidos de oposição em Moçambique afirmaram este sábado à Lusa que o envolvimento de altos dirigentes no escândalo das dívidas ocultas mostra que existe uma “rede mafiosa” no Estado moçambicano.

“A possibilidade de um chefe de Estado moçambicano [à altura Armando Guebuza] estar envolvido nestes esquemas é uma grande deceção para os moçambicanos.”, declarou José Manteigas, porta-voz da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo).

O despacho de Acusação da Justiça dos Estados Unidos no caso das dívidas ocultas de Moçambique, a que a Lusa teve acesso, assume que o ex-Presidente Armando Guebuza recebeu subornos para viabilizar o financiamento da empresa estatal Proindicus.

Para o porta-voz da Renamo, com detenção de Manuel Chang no dia 29 do mês passado, era de se esperar que isso “arrastasse outros comparsas”, na medida em que “o antigo ministro das Finanças moçambicano não podia agir sozinho”.

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“Há uma série de pessoas que estão dentro deste processo”, afirmou Manteigas, reiterando que, além do Estado, este processo mancha os órgãos de justiça moçambicanos.

“A nossa PGR [ Procuradoria-Geral] ficou impávida e a assobiar para o lado, desde o início. É uma grande vergonha”, declarou.

Por sua vez, o chefe da bancada parlamentar do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), Lutero Simango, entende que “a situação está a ficar mais clara”, considerando que se tratou de uma “rede mafiosa que estava a estender-se para um plano internacional”.

“O Estado está a ser capturado por uma rede mafiosa”, declarou Lutero Simango, acrescentando que “os guardiões da legalidade em Moçambique não estão a fazer nada”.

“Nós continuaremos a defender que os responsáveis dessa engenharia financeira respondam por isso. O povo moçambicano não deve pagar por isto”, observou o chefe da bancada parlamentar do MDM.

A Lusa contactou o advogado do antigo chefe de Estado moçambicano, que não quis comentar o assunto.

“Eu não comento sobre opiniões. Comento factos”, disse Alexandre Chivale.

Na acusação norte-americana, os procuradores norte-americanos usam a correspondência trocada entre os acusados para tornar claro que altos responsáveis do ministério da Defesa, do Interior e Força Aérea em 2011 também terão beneficiado, mas não apontam especificamente o nome do antigo ministro da Defesa e atual Presidente da República, Filipe Nyusi.

A acusação cita um email de novembro de 2011 que Jean Boustani, o libanês que negociou os empréstimos em nome da Privinvest, recebeu de uma pessoa cujo nome está rasurado, mas que a acusação sabe quem é, no qual se lê: “Para garantir que o projeto tem luz verde do Chefe de Estado [à data Armando Guebuza], um pagamento tem de ser combinado antes de chegarmos lá, para sabermos e acertarmos, bem antes do tempo, o que tem de ser pago e quando”.

Logo de seguida, esta pessoa não identificada acrescenta: “Quaisquer que sejam os pagamentos adiantados que tenham de ser pagos antes do projeto, eles podem ser incorporados no projeto e recuperados”.

A Acusação norte-americana, feita ao abrigo da Lei das Práticas de Corrupção Estrangeiras (FCPA, no original em inglês), apresenta de seguida a resposta de Boustani a esta pessoa, na qual o libanês alerta para as “experiências negativas em África, especialmente relativamente a ‘taxas de sucesso'”, uma expressão conhecida e que é usada para significar o pagamento de subornos para garantir a aprovação com sucesso dos projetos.

Na resposta, enviada três dias depois, a pessoa cujo nome está rasurado, mas que aparenta ser um membro do Governo, afirma: “Fabuloso, concordo consigo em princípio; vamos combinar olhar para o projeto em dois momentos distintos; um momento é o da massagem do sistema e a obtenção da vontade política para avançar com o projeto; o segundo momento é a implementação e execução do projeto”.

Menos de um mês depois, dizem os procuradores norte-americanos, usando a troca de emails entre os envolvidos, “os acusados Jean Boustani e NOME RASURADO acordam o pagamento de 50 milhões de dólares em subornos e ‘luvas’ a membros do Governo de Moçambique e 12 milhões de dólares em ‘luvas’ [kickbacks’, no original em inglês] para os co-conspiradores da Privinvest”.

O antigo ministro das Finanças moçambicano e atual deputado pelo partido no poder, Manuel Chang, foi detido no sábado na África do Sul, acusado de lavagem de dinheiro e fraude financeira. Manuel Chang permanecerá sob custódia até voltar a ser ouvido em tribunal, no próximo dia 08 de janeiro, e o seu advogado já indicou que vai contestar o pedido de extradição para os Estados Unidos.