Um major confirmou, esta segunda-feira, no Tribunal de Sintra o esquema de corrupção nas messes da Força Aérea Portuguesa (FAP), contando que o dinheiro entregue pelos fornecedores de bens alimentares era distribuído pelos militares envolvidos, incluindo altas patentes da instituição.

Rogério Martinho — major atualmente na reserva –, chefe da messe da Base Aérea n.º 5 (BA5), em Monte Real, Leiria, entre 2013 e 2015, foi o primeiro dos arguidos a prestar declarações no julgamento do processo conhecido como Operação Zeus com 68 arguidos, 30 dos quais militares e 38 civis, entre empresas e pessoas individuais, que começou esta segunda-feira no Tribunal de Sintra.

Perante o coletivo de juízes, presidido por Susana Marques Madeira, este oficial assumiu ter recebido 60.000 euros dos fornecedores da messe da BA5, também arguidos no processo, valor idêntico também obtido ilicitamente pelos sargentos António Gouveia e António Paulo, seus subordinados e também arguidos, durante os três anos em que o major chefiou a messe desta base aérea.

Pela sobrefaturação na aquisição de bens alimentares e matérias-primas para a confeção de refeições nas messes da FAP e do Hospital das Forças Armadas, os miliares envolvidos recebiam dinheiro e presentes dos fornecedores, em função da intervenção de cada um.

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O major Rogério Martinho contou que fazia parte do esquema a entrega mensal de 500 euros à Direção de Abastecimento e Transportes (DAT), à data dos factos chefiada pelo major-general (agora na reserva) Raul Milhais Carvalho, arguido no processo e considerado pelo Ministério Público (MP) como o “cabecilha” deste esquema fraudulento.

O oficial na reserva explicou ao tribunal que, entre 2013 e 2015, foram enviados para a DAT 18.000 euros, que eram distribuídos da seguinte forma: um terço para o general Milhais de Carvalho, outro terço para o coronel Alcides Fernandes (agora na reserva), um sexto para o coronel Jorge Lima e outro sexto para o capitão Luís Oliveira, arguidos e à data todos colocados na DAT, localizada no Estado Maior da Força Aérea (EMFA), em Alfragide, concelho de Amadora.

Após um intervalo e visivelmente emocionado, o major Rogério Martinho pediu a palavra ao coletivo de juízes para assumir as suas responsabilidades, mas também para apontar o dedo à Força Aérea Portuguesa.

“A Força Aérea tinha dentro dela uma estrutura má, podre a gerir as messes. Há gente aqui dentro desta sala com responsabilidades muito grandes, que tiveram a responsabilidade de gerir a DAT. E nunca, pelos menos no tempo em que passei na BA5, mexeram uma palha para mudar a situação”, afirmou o oficial na reserva, mencionando os nomes do major general Milhais de Carvalho e dos coronéis Alcides Fernandes e Jorge Lima, militares da DAT.

“Não estou a dizer que foi o general Milhais de Carvalho que criou isto. Isto há de vir lá de trás, dos outros generais que lhe antecederam”, acrescentou o arguido, depois de já ter dito que este esquema fraudulento já vigorava na Força Aérea “há vinte ou trinta anos”, que as inspeções ao funcionamento das messes “eram combinadas” e que havia “falta de controlo e de fiscalização” por parte das entidades internas da Força Aérea.

Em relação ao capitão Luís Oliveira, relatou que este arguido se deslocava pelas messes da FAP, dispersas pelo país, para recolher o dinheiro que mensalmente teria de ser entregue à DAT, e que seria depois para “entregar aos seus superiores hierárquicos” na DAT.

O arguido explicou que os empresários que forneciam bens alimentares à messe da BA5, em Monte Real, ficavam logo com parte do valor sobrefaturado, que variava entre os 20% e os 50%, sendo o restante dinheiro entregue em envelope diretamente pelos empresários na própria base, e que era guardado num cofre e posteriormente distribuídos pelos três arguidos que trabalhavam ma messe da BA5.

O major na reserva admitiu que equacionou em vários momentos denunciar o esquema fraudulento, mas não o fez porque se sentiu “preso”, uma vez que “também já tinha recebido” dinheiro proveniente do esquema fraudulento: a primeira vez entre 550 e 660 euros.

O julgamento, com 30 militares arguidos – 16 oficiais e 14 sargentos — mais 38 civis, prossegue na quarta-feira com a continuação da audição ao major Rogério Martinho.

À data dos factos (desde pelo menos 2011), estes militares arguidos estavam colocados na DAT e nas messes onde houve registo de crimes: Base Aérea n.º 1 (BA1 – Sintra), BA4 (Lajes, Açores), BA5 (Monte Real, Leiria), BA6 (Montijo), BA11 (Beja), Centro de Formação Militar e Técnica da Força Aérea (Ota – Alenquer), Comando Aéreo (Monsanto — Lisboa), Campo de Tiro (Alcochete), EMFA, Alfragide, Aeródromo de Trânsito n. º1 (Figo Maduro) e Depósito Geral de Material da Força Aérea (Alverca).