O libanês Jean Boustani, um dos principais acusados no caso das dívidas ocultas de Moçambique, fez uma proposta formal de cooperação com a justiça e solicitou a redução das medidas de coação na sua primeira apresentação perante um tribunal norte-americano. Segundo o processo a que a Lusa teve acesso esta terça-feira, o arguido foi apresentado a tribunal a 2 de janeiro, no mesmo dia em que foi detido no aeroporto John F. Kennedy de Nova Iorque.

Jean Boustani, negociador da empresa de navios Privinvest (Emirados Árabes Unidos) e principal suspeito do caso, declarou-se inocente de todas as acusações na primeira presença em tribunal, onde esteve acompanhado pelos seus advogados, que pediram redução da pena e prisão preventiva domiciliária, com vigilância eletrónica, perante uma caução de dois milhões de dólares como garantia. O empresário está em prisão preventiva nos EUA, depois de o juiz Peggy Kuo ter negado, para já, a primeira proposta de colaboração com a justiça.

A defesa propôs pagar dois milhões de dólares em dinheiro e encontrar uma residência para o acusado e para a sua família (mulher e filho) no Estado de Nova Iorque, onde “seria aceitável” ter vigilância eletrónica, para contradizer o risco de fuga que a procuradoria considera haver. Os advogados reiteraram também os “vastos recursos económicos” de Jean Boustani e a sua possibilidade de pagar fianças de qualquer valor, dando como exemplo cinco milhões ou dez milhões de dólares.

Dada a proposta de colaboração com a justiça, o juiz Peggy Kuo assinou um despacho em que admite a “probabilidade razoável de as negociações em curso resultarem num veredicto sem julgamento”. O juiz declarou que a medida de prisão preventiva numa cadeia poderá ser alterada para prisão domiciliária se a defesa apresentar propostas específicas de morada nos Estados Unidos e o mesmo for aprovado pelos serviços federais de preparação do julgamento (Pretrial Services).

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A pedido do próprio acusado, a Justiça acedeu a um “adiamento”, decretando que a defesa tem até dia 23 de janeiro para as negociações de colaboração, período durante o qual Jean Boustani não pode ser submetido a nenhum julgamento. A primeira audição para determinar o ponto de situação do caso, que tem no total sete acusados, entre os quais o antigo ministro das Finanças de Moçambique Manuel Chang, dois outros moçambicanos e vários conspiradores, foi marcada para 22 de janeiro.

Na primeira apresentação de Jean Boustani, os advogados sustentaram que é “injusto” manter o arguido numa prisão dos Estados Unidos, país com que não tem quaisquer ligações e acrescentaram que todas as provas de “conspiração para defraudar os Estados Unidos” e “conspiração para fraude eletrónica” no território dos EUA seriam “bastante limitadas”.

O suspeito foi detido na República Dominicana a 1 de janeiro e que Jean Boustani, nascido no Líbano e detentor de um passaporte da Antígua e Barbuda, apenas quis informar as autoridades consulares da Antígua e Barbuda da sua detenção, pedindo para que o consulado libanês nos EUA não fosse notificado, refere o processo.

A justiça norte-americana está a conduzir o caso das dívidas ocultas de Moçambique, que ultrapassaram dois mil milhões de dólares em 2016, com acusações de conspiração para defraudar os Estados Unidos, conspiração para fraude eletrónica, conspiração para fraude com valores mobiliários e lavagem de dinheiro, entre outras. A acusação sustenta que investidores dos Estados Unidos e de outros países foram lesados e defraudados no esquema montado por Jean Boustani, Andrew Pearse, Surjan Singh, Detelina Subeva, Manuel Chang e cinco moçambicanos cujos nomes estão guardados em segredo, sendo que três são apresentados no processo como co-conspiradores.

O processo, que envolve fraudes a investidores internacionais e o pagamento de subornos a elementos do Governo e da Presidência de Moçambique entre 2011 e 2016, está a decorrer num tribunal federal em Brooklyn, Nova Iorque, depois da descoberta de transferências milionárias em dólares americanos através de contas bancárias de Nova Iorque e depois de investidores norte-americanos terem sido lesados neste esquema.

De acordo com o despacho de acusação da Justiça norte-americana, divulgado na semana passada, foram investigadas três empresas públicas moçambicanas, a Ematum, Proindicus e MAM, para levar a cabo operações de “fiscalização marítima”, apoio à pesca do atum e reparação naval.

O esquema passou pela concessão de empréstimos a estas três empresas no valor de mais de 2 mil milhões de dólares (1.760 milhões de euros), garantidos pelo Governo moçambicano, entre 2013 e 2016. O caso está a ser analisado à luz da Lei das Práticas de Corrupção Estrangeiras (FCPA, na sigla em inglês), código dos Estados Unidos que condena o pagamento de subornos a membros de governos estrangeiros para a aprovação de negócios em benefício próprio.

Para a FCPA, é crime o uso de e-mail para propor, discutir ou ordenar valores monetários destinados a subornar funcionários de governos estrangeiros para aceitarem ou darem prevalência a alguns negócios. A passagem desses pagamentos corruptos pelo território dos EUA ou o envolvimento de cidadãos norte-americanos são fatores agravantes e decisivos para o julgamento destes casos criminosos.