Especialistas ouvidos pela Lusa alertam para o impacto da incerteza no crescimento económico e das restrições à circulação de pessoas, na sequência do Brexit, e consideram que são os britânicos que mais vão sentir os efeitos negativos.

Para Rui Bernardes Serra, economista-chefe do Montepio, “a saída do Reino Unido deverá ter impactos negativos sobre o crescimento económico quer do Reino Unido, quer da UE, onde se inclui Portugal”. O economista recorda que, “pelo menos desde David Ricardo [1772-1823] que sabemos que o comércio livre é amigo do crescimento”, e acrescenta que fica aberto um precedente, “o que deverá aumentar também a incerteza relativamente a futuras decisões similares de outros países. E também sabemos que a incerteza não é amiga do crescimento económico”.

A desvalorização adicional da libra poderá ser outro efeito do Brexit, “o que também deverá ter consequências, quer para Portugal, quer para a UE, sendo que, para Portugal, deverá ser sobretudo ao nível do turismo que serão sentidos os maiores impactos”, uma vez que o mercado britânico é responsável por cerca de 23% do total de dormidas de não residentes.

O economista-chefe do Montepio acrescenta que estes efeitos já se têm vindo a sentir, uma vez que entre janeiro e outubro de 2018 as dormidas dos britânicos em Portugal recuaram 8,7%, face ao mesmo período do ano anterior.

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No mesmo sentido, João Queiroz, diretor da Banca online do Banco Carregosa, afirma que “Portugal será mais afetado na vertente de circulação de pessoas, atendendo a que é um relevante destino da emigração para determinadas profissões (setor médico, financeiro, académico, por exemplo) e a origem de uma importante fonte de turismo”.

Em relação à UE no seu conjunto, o Brexit terá como consequência a perda de “um dos maiores contribuidores de fundos (apesar de também ser relevante recetor de fluxos do Orçamento da União), e de destino de exportações da política agrícola comum”, além de afetar o esforço de defesa como os fluxos de informação e de dados, e poder “obrigar a redesenhar a estrutura militar que não se encontra no âmbito da NATO”, antecipa João Queiroz.

Os últimos dados do Eurostat, divulgados em dezembro e relativos ao período entre janeiro e outubro de 2018, mostram que mais de metade das exportações britânicas têm como destino países extra-UE, ao contrário de Portugal, por exemplo, que exporta apenas 24% para fora da UE. Também do lado das importações, o Reino Unido importa 53% de países intra-UE, enquanto Portugal importa 76% de países intra-UE, por exemplo, o que traduz uma dependência muito maior.

Questionado sobre se o impacto será maior para a UE no seu conjunto ou para o Reino Unido, Rui Bernardes Serra considera que o impacto deverá ser maior para Londres, o que “já tem vindo a acontecer desde o pós referendo”. O economista-chefe do Montepio recorda que, no pós grande recessão internacional, o Reino Unido vinha a crescer mais do que a UE, mas cresceu menos em 2016, 2017 e 2018.

“Tal deveu-se, por um lado, ao forte aumento da incerteza (com impacto nas decisões de investimento e de aquisição de bens duradouros), mas também aos fortes efeitos da queda da libra na inflação e no consumo privado”, explica. “Além disso, a crescente incerteza relativamente à futura relação comercial entre o Reino Unido e a UE levou à deslocalização de bancos e de empresas de investimento da praça de Londres para outras importantes localizações europeias, como Frankfurt, Paris ou Dublin”, acrescenta.

João Queiroz também considera que, no curto prazo, o impacto tenderá a ser mais negativo na Inglaterra, refletindo-se, nomeadamente, na rápida depreciação da libra, na contração da economia britânica, no aumento do défice do setor Estado e na intervenção do Banco de Inglaterra para apoiar o setor bancário e financeiro.

O diretor da banca online do Carregosa antecipa inicialmente “uma reação negativa de elevado ímpeto”, que tenderá a desvanecer no médio prazo e recorda que, desde o segundo semestre de 2016 que a Inglaterra tem colocado um esforço acrescido no diálogo com maiores economias emergentes, como os países da Commonwealth.

Mas as atuais restrições e desafios decorrentes de temas como imposição de “tarifas” ao livre comércio e incertezas como “populismos” que tendem a diminuir a propensão à maior abertura das economias, têm vindo a contrariar esta intervenção de diplomacia económica, afirmou.

Rui Bernardes Serra também considera que serão mais as desvantagens do que as vantagens para o Reino Unido, “quer devido aos efeitos ao nível do comércio livre, quer devido à perda de importância de Londres enquanto principal praça financeira da Europa”.

“A incerteza em relação ao tratamento dos estrangeiros também tem o condão de penalizar o crescimento do país, tornando o Reino Unido menos apelativo para a imigração, que tem constituído um fator importante para o crescimento do país por várias razões: a imigração contribui para o crescimento populacional e para conter o envelhecimento da população; os imigrantes tendem a ser, normalmente, mais empreendedores do que a média da população; os imigrantes aceitam empregos que os locais já não estão dispostos a aceitar”, declarou.

Para João Queiroz, Reino Unido e UE “possuíam já um grau de integração relevante e os desafios económicos eram comuns num mundo globalizado e mais digitalizado, que passam por um processo de reequilíbrio entre os países desenvolvidos (G7) e as economias emergentes (E7), e que irão perder mais com o afastamento do que se mantivessem os anteriores (des)equilíbrios, que ainda são dificilmente quantificáveis e não se esgotam nos temas orçamentais, fiscais, legislativos, aduaneiros nem administrativos”, conclui o diretor da Banca Online do Carregosa.

O debate na Câmara dos Comuns sobre a saída do Reino Unido da União Europeia (Brexit) é retomado esta quarta-feira e o acordo será votado pelo Parlamento britânico em 15 de janeiro.

Brexit. Downing Street anuncia que acordo de saída é votado a 15 de janeiro