O coronel Francisco Ferreira Duarte, comandante de uma das unidades responsáveis pela segurança dos paióis de Tancos no momento do assalto, disse na comissão de inquérito sobre este caso que “soube pelas notícias” do desaparecimento de lança-granadas, explosivos, munições e outro material de guerra daquelas instalações militares, a 28 de junho de 2017 — mas relativiza a questão e garante que “quem tem de saber, sabe imediatamente”. O militar, um dos cinco comandantes exonerados pelo anterior Chefe do Estado-Maior do Exército (CEME) na sequência do furto, revelou esta quinta-feira que foi afastado das funções em nome de uma “estratégia de comunicação externa” do responsável máximo do ramo.

A informação foi assumida pelo militar. “Tenho de dizer a verdade e digo, a primeira vez que soube [do assalto] foi pelas notícias”, “mas logo a seguir fui informado”, disse o coronel na comissão parlamentar de inquérito ao furto. Ferreira Duarte “não estava de serviço” naquele dia de final de junho de 2017 (o assalto aconteceu a 28 e só no dia seguinte o Exército emitiu um comunicado público).

A informação corre rapidamente, mas logo a seguir fui informado”, relativiza o antigo comandante da unidade de Engenharia 15. “Eu soube quando tinha de saber”, diz.

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Na primeira metade de uma longa audição — mais longa que a do seu antecessor, com mais de três horas e meia de duração —, o militar foi questionado sobre o seu afastamento do comando da sua unidade. Num primeiro momento, Ferreira Duarte resistiu a relatar a conversa que manteve com o ex-CEME. Esse encontro aconteceu “à porta fechada”, já depois de serem comunicadas aos cinco comandantes as medidas adotadas por Rovisco Duarte para dar uma resposta às ondas de choque do assalto. O deputado António Carlos Monteiro (CDS) teve de pedir a intervenção do presidente da comissão de inquérito para explicar ao militar que, tratando-se de matéria de facto, deveria responder à questão. O coronel recordou então o momento.

Segundo o relato que Ferreira Duarte fez aos deputados, o ex-CEME “pediu desculpa” aos cinco comandantes “pelo impacto que a decisão teve nas famílias” e em termos “psicológicos” e explicou que a “decisão foi dele” próprio.

Estava em causa, acrescentou Rovisco Duarte ao ex-comandante da unidade de Infantaria 15, uma “estratégia de comunicação externa e que procurava prestigiar a organização”, no rescaldo de um dos maiores furtos de sempre a instalações militares em Portugal.

“Para dar clareza e transparência, a medida foi a mais adequada, apesar do impacto psicológico e familiar” que teve nos familiares, terá justificado o ex-CEME. Enquanto decorressem os três inquéritos mandados instaurar pelo chefe do Exército — à área técnica, à segurança física e à vigilância eletrónica dos paióis —, os comandantes ficariam “afastados” das funções. Foi essa, aliás, a informação divulgada pelo próprio ramo, a 1 de julho de 2017, numa nota onde se lia que a exoneração se prendia, “única e exclusivamente, com a necessidade de se criarem todas as garantias de que as averiguações em curso decorrerão de forma absolutamente isenta e transparente”.

Em junho de 2017, não era a unidade comandada por Ferreira Duarte a responsável por designar oito militares para fazer as rondas aos paióis. Nesse mês concreto, a tarefa cabia à unidade de Engenharia (cujos responsáveis ainda não foram ouvidos pelos deputados da comissão de inquérito), mas isso não impediu a exoneração dos cinco militares, que seriam reconduzidos 15 dias depois, sem que isso significasse que tinham ficado com a “folha suja”, sublinhou  o coronel.

Relatórios “eram bem claros” e o comando “sabia exatamente” a situação de Tancos

Essa consequência recaiu sobre outros militares. De facto, no âmbito das averiguações internas instaurados por Rovisco Duarte, o Exército aplicou sanções disciplinares a dois militares: um soldado e um cabo. Na audição, e questionado por  Jorge Machado (PCP) sobre as consequências de “uma barraca destas”, Ferreira Duarte recusou alongar-se na sua opinião sobre as penalizações aplicadas. “Tenho o dever de acreditar, e acredito, na honra e nos valores dos chefes, eles são como eu, estão a tentar cumprir a missão”, disse, reforçando a ideia de que foram abertos processos de averiguações para apurar responsabilidades. Se mais ninguém foi alvo de sanções disciplinares, é porque não tinha de ser, percebe-se da posição do coronel.

Ainda assim, o coronel reitera aquilo que já tinha sido dito pelo seu antecessor na comissão de inquérito parlamentar: o comando hierárquico “sabia exatamente” quais as condições dos paióis. Essa informação consta dos vários relatórios dos militares que foram garantindo a segurança àquelas instalações. “Os relatórios eram bem claros”, o comando “sabia exatamente o que se passava lá” e “o escalão superior era informado”. Se, ao nível das unidades, ninguém agiu para corrigir os problemas, foi porque essa responsabilidade cabia à Unidade de Apoio Geral do Exército.

Os relatórios, garante o coronel, iam ao detalhe. Eram apontadas “deficiências” detetadas “a todos os níveis”, e isso ia de “luzes acesas” fora de horas a “água a correr” de forma permanente até uma “vedação danificada” no perímetro dos paióis. Era um “dever de missão informar prontamente e oportunamente todas as ocorrências”. Era, aliás, uma “salvaguarda” para os militares.

Essa informação chegava às mãos dos comandantes das unidades e depois, “no máximo até um mês” após terem recebido o relatório na sua secretaria, deviam enviá-lo para a Brigada de Reação Rápida, “com protocolo que, obrigatoriamente, tinha de ir a despacho do comandante da brigada”.

O antigo comandante da unidade de Engenharia 15 esteve na comissão de inquérito um dia após o seu antecessor nas funções ter prestado depoimento. Ao contrário do coronel Vieira Esperança, Ferreira Duarte era uma presença rara nos paióis. “Eu não me deslocava lá, quem se deslocava lá era o oficial de operações, às vezes o segundo comandante”, disse. O coronel “não tinha como hábito” ir ao terreno mas isso, acrescenta, era a sua forma de “liderança”.