Existe uma tendência transversal para valorizar mais os registos históricos nos dérbis e nos clássicos do que nos outros encontros mas o Sporting-FC Porto que se joga este sábado às 15h30 é uma exceção a essa regra: os dragões, que não vencem há 13 jogos em Alvalade (um jejum que não existe em mais nenhum recinto nacional), partem ainda assim favoritos num encontro que poderá ficar na história em caso de triunfo dos azuis e brancos, com a maior série de vitórias consecutivas de sempre de uma equipa nacional. No entanto, a diferença entre os leões, existindo, pode não ser tão grande como mostra a classificação.

Se é verdade que o FC Porto consolidou processos e estabilizou a equipa perante um início mais titubeante de época, o Sporting já começou a mostrar argumentos para dar o salto qualitativo em termos individuais e coletivos. Estão, todavia, separados por realidades distintas. Da forma como a temporada foi planificada ao atual momento dos clubes em termos internos, das principais prioridades dos técnicos dentro do atual contexto às fases que atravessam, passando ainda por questões mais técnicas como a solidez defensiva, o desempenho dos laterais em campo ou das lacunas existentes (ou não) em cada um dos plantéis, há oito pontos que explicam as atuais diferenças entre leões e dragões. Os mesmos que separam o primeiro do quarto lugar.

A estabilidade que ajuda a resolver as novelas de verão

É talvez a principal diferença entre Sporting e FC Porto e, garantidamente, aquilo que faz toda a diferença quando se analisam os caminhos das duas equipas nos primeiros meses da época de 2018/19. Aquilo que começou a ser designado no meio desportivo de “novela” existe em quase todos os clubes de forma inevitável, qualquer que seja o enredo e o número de capítulos – e os dragões também não foram alheios a isso, com o vai-não-vai-aparece-não-aparece-treina-não-treina de Marega a marcar a pré-temporada dos azuis e brancos. No entanto, existe uma grande nuance em relação à realidade leonina: uma estrutura simples, eficaz e que se manteve do ano passado (no caso de Pinto da Costa, há 36 anos…), capaz de ir gerindo os timings do problema até à resolução. O verão do Sporting foi, por si só, uma novela. Das mais complicadas da história. Envolveu rescisões, guerras civis entre dirigentes, manifestações, destituição do presidente, Comissões de Gestão, planificação quase no limite da pré-época, eleições e um treinador reconhecido pela coragem de assumir o desafio e não pelo trabalho que foi realizando. O ambiente agora é diferente mas quando por exemplo Marcel Keizer olha para a falta de soluções no banco vê o reflexo desse verão conturbado.

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Três semanas após uma manifestação em Alvalade, Sporting votou em AG destituição de Bruno de Carvalho (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)

A importância de não sofrer para ficar mais próximo de marcar

Em termos coletivos, a maior distinção entre leões e dragões entronca na solidez defensiva apresentada nas primeiras 16 jornadas do Campeonato. Esse parâmetro pode ser medido nos remates consentidos ou nos cantos contra mas tem outro relevo olhando para os golos sofridos até ao momento – o FC Porto é a defesa menos batida da prova, com uma média de 0,6 golos sofridos até ao momento (dez), ao passo que o Sporting ocupa apenas o sexto lugar nessa classificação, com uma média acima de um golo por jogo (18). Os encontros fora adensam essa realidade: o conjunto verde e branco sofreu em todas as partidas feitas como visitante (12), os azuis e brancos consentiram golos apenas em três das sete deslocações. Apesar desta tendência, os primeiros sinais do mercado distribuem perspetivas opostas: a defesa mais consistente reforçou-se com mais um central de peso (Pepe) e a que procura maior consistência recebeu jogadores de características ofensivas (Francisco Geraldes e Luiz Phellype).

Militão substituiu da melhor forma Marcano, fazendo com Felipe uma das duplas mais sólidas na Europa (FRANCISCO LEONG/AFP/Getty Images)

Recuperar os jogadores vs. melhorar os jogadores

Bruno Fernandes, que depois de rescindir contrato quando já estava concentrado na Rússia com a Seleção Nacional antes do Campeonato do Mundo da Rússia acabou por voltar atrás de renovou com os leões, é o exemplo paradigmático da evolução que alguns jogadores do Sporting tiveram no seu rendimento desde que Marcel Keizer assumiu o comando da equipa. Com ele e com Dost de volta aos melhores tempos da última temporada, os resultados aparecem; quando falham um jogo por lesão ou castigo, ou quando têm um dia menos conseguido, o coletivo ressente-se e as vitórias são mais complicadas. O holandês teve como primeiro objetivo na chegada a Alvalade recuperar jogadores, devolvendo o prazer em treinar e jogar; ao invés, Sérgio Conceição segue um outro caminho (porque a dinâmica de vitórias da formação azul e branca ajuda) – melhora jogadores. Óliver Torres, que nos últimos encontros tem sido o sacrificado para o regresso ao 4x4x2, foi o caso mais recente de sucesso, depois do que já se tinha passado com Danilo ou Marega, que são hoje elementos bem mais completos do que eram no verão de 2017.

Melhoria de Bruno Fernandes com Keizer foi notória, também pelas posições ocupadas (PATRICIA DE MELO MOREIRA/AFP/Getty Images)

A posição que o Sporting não colmatou e que o FC Porto soube disfarçar

Danilo, um dos elementos mais certinhos desde que chegou ao Dragão vindo do Marítimo (após ter sido negociado pelo Sporting com os insulares), não teve um início de 2018 fácil no que diz respeito aos problemas físicos: sofreu uma rotura muscular na meia-final da Taça da Liga com o Sporting no final de janeiro, regressou mais de um mês depois e teve depois uma rotura parcial no tendão de Aquiles que o obrigou a ser operado e a falhar o Mundial. Acabou por voltar um pouco mais cedo do que estaria inicialmente previsto para este tipo de lesão mas, durante a ausência, a entrada de Sérgio Oliveira no onze conseguiu estabilizar o meio-campo dos dragões. Ou seja, perante aquele que podia ser um problema grave, o FC Porto soube disfarçar. Ao contrário do Sporting – se é verdade que as dificuldades na primeira fase de construção da equipa eram notórias quando William Carvalho não era opção por castigo ou lesão, a saída do médio para o Betis (depois de ter rescindido) nunca foi colmatada por um ‘6’ com características idênticas e ainda hoje a solução Gudelj, que se seguiu a Petrovic, não conseguiu convencer em definitivo, o que faz com que os leões tentem aproveitar esta janela de mercado para encontrarem um elemento que se aproxime desse registo. Não será por acaso que Idrissa Doumbia, médio defensivo marfinense do Akhmat Grozny, está a caminho de Alvalade.

Danilo, que subiu na hierarquia de capitães, é um elemento preponderante na forma de jogar do FC Porto (MIGUEL RIOPA/AFP/Getty Images)

O jogador com as características para ser o fator de desequilíbrio

Os resultados recentes do Sporting de Marcel Keizer mostram algo expectável: nem os leões estão tão bem como estava ser dito na série inicial de triunfos consecutivos, nem estão tão mal como as derrotas em Guimarães e Tondela podem fazer crer. Existe um novo modelo de jogo, outras dinâmicas sobretudo vocacionadas para o ataque e rotinas que estão a ser adquiridas num processo onde o erro individual compromete mais o coletivo do que antigamente. Sobretudo no plano defensivo, qualquer lapso com uma linha subida para pressionar mais alto pode dar a profundidade ao adversário e esse é o terreno para um jogador em específico poder desequilibrar: Marega. As características do maliano, que tanto pode jogar sozinho na frente como com outro avançado descaindo mais na direita para daí partir para o centro, serão dos principais focos de atenção do conjunto verde e branco, que por sua vez jogará como trunfo a exploração do espaço central e da meia distância para desequilibrar a seu favor.

Marega e Mathieu: um duelo que se vai repetir em Alvalade e que poderá ser uma das chaves do clássico (MIGUEL RIOPA/AFP/Getty Images)

A teoria e a prática do que deve ser um lateral numa equipa de ataque

As primeiras indicações de Keizer, e que mesmo nas duas derrotas sofridas em Guimarães e em Tondela se confirmaram, apontavam para uma equipa com um modelo de jogo mais projetado para o ataque, com maior número de unidades no último terço de campo e outro tipo de dinâmicas nos corredores laterais. A inteligência tática de Nani e os movimentos interiores que tem por hábito fazer dão a Acuña ou Jefferson a possibilidade de maior integração das ações ofensivas e o mesmo se aplica ao flanco direito, onde Diaby é sobretudo um falso ala que pisa sobretudo terrenos de avançado e em zonas de finalização. Na teoria, percebe-se o que o holandês quer; na prática, ainda não chegou a uma das principais forças do FC Porto. Alex Telles é o jogador da Primeira Liga com mais assistências e acabou o ano civil de 2018 nos azuis e brancos com o dobro de passes para golo do que o segundo nesse ranking, Otávio; Maxi, não tendo a capacidade de outros tempos, continua a integrar-se nas ações ofensivas e deu a Brahimi o primeiro golo com o Desp. Aves. Seja pela forma como Corona e Brahimi jogam por dentro, seja pelos movimentos de Marega de fora para o meio, os laterais portistas conseguem muitas vezes fazer a diferença no ataque.

Alex Telles é o jogador do FC Porto com mais assistências, de bola corrida ou em lances de estratégia (MIGUEL RIOPA/AFP/Getty Images)

O estado de um clube e a influência que pode ter no estado da equipa

O Sporting atravessa nesta altura uma fase de maior estabilidade, ainda a juntar os cacos de muitos alicerces que se partiram de vez no verão e que estão agora a ser reconstruídos ou repensados. Ainda assim, é percetível que as divisões internas, que embora sejam uma marca incontornável nas últimas duas décadas ganharam outro peso em 2018, não estão sanadas por completo. Longe disso. E essa “guerrilha” também acaba por reverter para a própria equipa, que tem quase tolerância zero para o insucesso como se viu nos assobios após o encontro em Tondela. No plano oposto, o FC Porto, que até viveu em alguns momentos recentes na altura do tetra do Benfica as suas guerras surdas, é um clube onde as ambições pessoais futuras são de forma inevitável relegadas para segundo plano em detrimento do coletivo e do presente – e isso também se nota no apoio à equipa, que passou antes do Nacional uma série de cinco jogos onde começou sempre a perder mas contou com os adeptos do seu lado. Essas diferenças são também traduzidas em números: o Estádio do Dragão teve 1.072.204 espetadores em 26 encontros oficiais no ano civil, o que é o melhor registo de sempre, ao passo que o Estádio José Alvalade tem vindo a cair no número médio por jogo.

Enquanto o Dragão teve o melhor ano de sempre, Alvalade tem caído nas assistências (PATRICIA DE MELO MOREIRA/AFP/Getty Images)

Quanto vale uma vitória, entre a pressão de ganhar e a motivação para ganhar

José Mourinho, nas declarações que teve à CMTV onde fechou nesta fase a porta à remota possibilidade de poder regressar ao comando técnico do Benfica, resumiu da melhor forma o que representa este clássico em Alvalade no final da primeira volta: se o FC Porto ganhar, dificilmente deixará de ser campeão porque, além de ser uma equipa forte nas dimensões física e tática, sai ainda mais reforçado no plano mental; se o Sporting vencer, os dragões continuam como principais favoritos ao título mas abre a porta aos três adversários diretos para manterem as aspirações ao primeiro lugar. Aqui, a questão passa pela predisposição de cada uma das equipas para enfrentar o atual contexto do clássico – aí, enquanto os leões estão proibidos de perder sob pena de abdicarem de vez da possibilidade de lutarem pelo primeiro lugar na segunda volta, os azuis e brancos têm a motivação extra de poderem fazer história no futebol português como a equipa com mais triunfos consecutivos de sempre (19).

Azuis e brancos conseguiram bater marca de Artur Jorge em 1985/86 e já igualaram registo de triunfos seguidos do Benfica de Jesus em 2010/11