Cerca de 30 anos depois da queda do comunismo, o romancista húngaro Andras Forgach descobriu uma série de documentos secretos que envolviam a mãe, Bruria Forgách, e a confirmavam como uma espia do Estado. Apesar do amor incondicional pelo filho, afinal Bruria espiava-o a mando do regime do ditador János Kádár.

A história é contada pelo próprio no livro No Live Files Remain, editado agora em Espanha. Foi no outono de 2003, através de uma chamada que recebera de um amigo de infância, que foi alertado para os arquivos dos serviços secretos do país, em Budapeste, explica o artigo do The Guardian. Estes interessavam-lhe mais do que pensava. Umas pastas repletas de documentos atestavam todas as tarefas de espionagem que a mãe tinha realizado para os serviços de inteligência húngaros. Ao contrário do que aconteceu na maioria dos países pertencentes à “cortina de ferro”, a antiga Alemanha Oriental pouco se esforçou para apagar os registos da Hungria. Não havia margem para dúvidas, o lado oculto de Bruria Forgách estava revelado.

Bruria tinha nascido em Tel Aviv, Israel, onde o seu pai era um prestigiado tradutor literário, mas teve que emigrar para a Hungria com a mãe, que era contra a formação de um estado israelita independente e foi renegada pelo país. Foi nessa altura que se juntou ao regime. Tudo se passou na altura da Guerra Fria, quando a Hungria fazia parte do bloco soviético juntamente com a URSS, Estónia, Letónia, Lituânia, Polónia, República Democrática Alemã, Checoslováquia, Bulgária e Roménia.

Bruria Forgách, conhecida no mundo da espionagem por senhora Pápai, terá espiado o filho, os seus amigos e familiares durante anos a fio. A mãe terá conduzido a sua vida em mundos paralelos: por um lado, cumpria a tarefa exímia de cuidar de quatro filhos e tomar conta do lar, por outro, tinha a responsabilidade de recolher informação sobre as movimentações das correntes sionistas. Para lá da mulher culta e da mãe carinhosa, havia uma agente secreta. Entre os vários registos estão interrogatórios sobre a ideologia política dos filhos ou nomes fornecidos de amigos dos jovens. Num dos registos encontrados, o filho descobriu que a mãe chegou inclusivamente a estar disposta dar acesso ao seu apartamento para que as autoridades húngaras pudessem investigar. Andras Forgach montou o puzzle e percebeu que das vezes em que a mãe lhe dizia que ia limpar a casa, tratava-se apenas de um álibi para facilitar a entrada das autoridades. Bruria viria a falecer pouco tempo depois, em 1985.

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Num dos vários registos, Bruria descreve o filho como “uma pessoa muito talentosa que sabe guardar segredos, mas, que, ao mesmo tempo, vê o mundo de olhos abertos”, cita o jornal El Español. Perante a definição da espia, o filho caracteriza-a como uma pessoa fria, sem paixão, assética. Para ele, esta não era uma caracterização carinhosa, mas calculista e de alerta aos chefes para um possível recrutamento.

Após esta descoberta, Andras decidiu procurar também informação sobre o pai, Marcell. O choque foi total. Antes da pesquisa sabia apenas que Marcell tinha sido um dos três sobreviventes do Holocausto numa extensa família e era um excelente jornalista. Andras Forgach descobriu que, afinal, o pai era também um informador do regime, mas desta vez no Reino Unido. Marcell desempenhou a função enquanto viveu em Londres e só pôs fim a essa atividade devido às consecutivas crises nervosas.

Digerir e absorver estas revelações não foi um processo fácil para Andras Forgach. O filho sabia que os pais eram estalinistas, mas desconhecia o lado secreto de ambos. “Há coisas que só podemos chegar a encontrar quando nos sucedem. Não há outra maneira de experimentar as coisas”, afirma o escritor citado pelo El Español.

Eu não a julgo. Mas há momentos nesta história que são vergonhosos e dolorosos. Eu choro por ela. Ela deu o meu nome às autoridades, o nome dos meus amigos. Ainda assim, quando tu amas alguém vês a pessoa completa. Caso contrário, qual de nós escaparia ao julgamento”, explicou Andras Forgach, o filho de Bruria ao The Guardian.