A excitação dos miúdos que se encontravam no túnel de acesso ao relvado no Santiago Bernabéu à espera dos jogadores do Real Madrid para entrarem em campo foi a primeira imagem forte da receção dos merengues ao Sevilha. Para eles, com oito, nove ou dez anos, não existem essas coisas das crises, das polémicas, das manobras de bastidores. É um mundo mais puro, na forma de olhar para o contexto onde estão inseridos e na maneira como reagem quando veem os seus heróis passarem ao seu lado. Todas as expressões são genuínas. E não deixou de ser curioso ver a sua alegria quando por eles passaram Isco e Marcelo.

Solari manifestou o seu desconforto na conferência de imprensa antes do encontro por mais um par de perguntas sobre o atual estado de Isco. Conta ou não conta para a equipa? Não joga por treina mal ou porque não se adapta ao esquema da equipa? Tem a porta de saída aberta ou ficará pelo menos até ao final da temporada? Muitas dúvidas sobre aquele que foi uma espécie de joker no reinado de Zinedine Zidane, o 12.º elemento que tanto desequilibrava como titular ou suplente utilizado e que tinha o condão de mexer nas estruturas defensivas contrárias pelos terrenos que pisava. E se o internacional espanhol virou novela, há mais um novo caso na calha: mais uma vez, Marcelo ficou no banco e Reguilón foi titular. Marcelo, o indiscutível sub-capitão.

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A partir do momento em que foi confirmado como solução até ao final da temporada, Solari, substituto de Lopetegui no comando do Real Madrid, começou a cortar a eito naquilo que considera ser o principal problema na equipa: os poderes instalados num balneário com demasiada voz e peso no trajeto dos treinadores que por lá passam. Coincidência ou não, segue o mesmo caminho pelo qual José Mourinho era (ou é) apontado ao clube: a necessidade de haver mais disciplina e de colocar sempre o individual no segundo plano a trabalhar para a prioridade que é o coletivo. No entanto, a crise que os merengues estão a atravessar está longe de se resumir a uma questão de egos (que existe). Bem longe disso.

A crise no Real Madrid: a sinceridade de Modric, o abandono de Bale e um Bernabéu cheio de cadeiras vazias

“Falta-nos unidade em campo, marcam-nos golos em todos jogos e nós não marcamos. Há falta de concentração no início dos jogos. Não podemos cometer erros no princípio de todas as partidas e isso é falta de concentração. Temos que o evitar de futuro”, admitiu Modric depois da derrota caseira frente à Real Sociedad, no início do ano. Declarações que, por exemplo, não caíram bem ao capitão Sergio Ramos, que pediu para que os problemas se resolvessem em casa. O mesmo Sergio Ramos que, uma semana antes, tinha ido abraçar Isco após marcar no Mundial de Clubes, com todo o significado que tal gesto ganha no atual contexto. E, assumindo-se ou não, há outro problema mal resolvido chamado Ronaldo, que se percebe também em pequenos pormenores como no vídeo de lançamento do jogo com o Sevilha – entre tantos golos contra o conjunto da Andaluzia, nenhum dos 25 do português frente a este adversário teve espaço e até imagens de Solari como jogador foram recuperadas…

Por tudo isto e muito mais, a receção do Real Madrid ao Sevilha, depois da derrota com o Leganés na segunda mão dos oitavos de final da Taça do Rei (ainda assim sem beliscar a passagem à fase seguinte), assumia especial importância. E as dificuldades foram muitas, sobretudo na primeira parte, em que Escudero teve a melhor oportunidade ao atirar isolado às malhas laterais da baliza de Courtois (22′) e André Silva também ameaçou perto da área dos visitados (25′). De resto, mais bola dos merengues, alguns remates com relativo perigo para Vaclik, umas fintas sem sequência de Vinicius e pouco mais.

Algo teria de mudar para o segundo tempo e mudou mesmo. Não nos jogadores, não nos posicionamentos (apesar de haver um afundar claro da linha defensiva do Sevilha, que teve muito mais dificuldades em sair nas transições) mas na atitude da equipa de Solari, mais pressionante e agressiva sobre a bola. Só faltava mesmo o golo para carimbar esse domínio e o mesmo acabou por chegar pelo herói improvável Casemiro, com uma bomba de fora da área sem hipóteses para Vaclik (78′). Os visitantes acusaram a desvantagem, nunca conseguiram reagir e seria mesmo Modric a carimbar o 2-0 final nos descontos, aproveitando uma perda de bola em zona proibida de Daniel Carriço para avançar até à área e não perdoar no 1×1 com o guardião contrário.

Por momentos, o Real voltou a ser Real. Mas percebe-se que a equipa que andava com os piores números do século continua a não ter a tranquilidade de outros anos recentes. Sobretudo no ataque, onde leva apenas 30 golos em 20 jogos e tem Benzema como único elemento com mais do que cinco remates certeiros até ao momento. Olhando para as últimas temporadas, Ronaldo levava a meio de janeiro na Liga 26 em 2014/15, 14 em 2015/16, 12 em 2016/17 e apenas quatro em 2017/18. Mas com uma nuance: jogou menos e estava a ser preservado para os últimos meses de competição, onde fez 22 golos em… 13 jogos.