O Centro de Integridade Pública (CIP) de Moçambique acusou esta segunda-feira a polícia de mandar despir e de confiscar camisolas da campanha “Eu não pago”, de contestação à inclusão nas contas públicas das dívidas ocultas do Estado.

“A dado momento [da manhã desta segunda-feira], fomos recebendo relatos de pessoas que saíram de cá [sede do CIP] com as t-shirts que a gente ofereceu, dando conta de que a polícia estava a retirá-las”, disse à Lusa Edson Cortez, diretor executivo da organização.

A campanha foi lançada na sexta-feira e consiste na oferta de camisolas de manga curta em que se lê “Eu não pago” a quem as quiser envergar e acrescentar a sua própria mensagem em vídeos nas redes sociais, na Internet. Os primeiros vídeos foram gravados e divulgados, no mesmo dia, pelos membros do CIP e outros têm surgido entretanto.

Depois de receber as primeiras queixas, esta segunda-feira de manhã, Edson Cortez confrontou os agentes que têm marcado presença nas esquinas em redor da sede e estes argumentaram que “as pessoas que saíam do escritório do CIP provocavam desordem”, acrescentou.

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Um vídeo publicado na Internet mostra um grupo de jovens vestidos com as camisolas a ser interpelado por dois polícias, um dos quais lhes disse que “podem pôr as camisetas de forma individual, mas quando andam em grupo, assim, serão chamados de manifestantes”.

“Essa manifestação não tem uma autorização legal pelas autoridades, portanto, agradecia que tirassem as camisetas. Hão de pôr, de forma independente, seja onde for, não assim”, concluiu o polícia, levando os jovens a despirem a t-shirt.

A Lusa tentou obter reações por parte dos porta-vozes da polícia, mas nenhum quis prestar comentários, referindo apenas não ter conhecimento de qualquer ordem para que, quem vista as camisolas, seja abordado. Nas duas entradas da rua do CIP estavam agentes da polícia, fardados, mas ao serem abordados pela Lusa recusaram também fazer qualquer comentário.

“Quatro agentes da polícia chamaram-nos e pediram-nos que removessemos as camisetas”, contou à Lusa, Borges Nhamire, membro do CIP, abordado numa das ruas do bairro de Sommerschield, juntamente com a colega, Fátima Mimbire. Ambos contra-argumentaram e seguiram caminho sem retirar a camisola “Eu não pago”, até porque nem tinham outra roupa interior, sublinhou.

Aos dois, os polícias disseram ter ordens superiores para não deixar ninguém vestir aquela peça de vestuário e disseram que a ação tinha como objetivo “evitar distúrbios, evitar incentivar as pessoas à manifestação, algo assim”, referiu Mimbire.

“Eles tinham camisetas já recolhidas no carro. Pedimos que as devolvessem, mas recusaram e disseram que a maioria já tinha seguido para o comando da polícia da cidade”, acrescentou Borges Nhamire, que classifica o sucedido como “uma grande instrumentalização da polícia”. Como resultado, os membros do CIP passaram a alertar quem saía da sede a esconder a camisola da campanha ou a estar preparado para ter que argumentar com a polícia para seguir caminho.

Segundo Edson Cortez, a organização está ainda a refletir sobres os passos seguintes, mas, no imediato, a prioridade passa por evitar que quem adere à campanha, na sede, seja confrontado pela polícia. “É uma atuação desmesurada da polícia que, a mando das pessoas que se sentem incomodadas por esta campanha, chegam ao ponto de violar direitos do cidadão”, sublinhou.

A campanha “Eu não pago” arrancou com mil t-shirts e, segundo o diretor-executivo do CIP, estimava-se que cerca de 500 pessoas já tenham passado até esta segunda-feira nas instalações a levantá-las, sendo algumas dessas pessoas polícias, acrescentou. Está previsto que outros parceiros se associem à iniciativa para a campanha ganhar dimensão nacional.

O ex-ministro das Finanças de Moçambique, Manuel Chang, três ex-banqueiros do Credit Suisse e um intermediário da Privinvest foram detidos em diferentes países desde 29 de dezembro a pedido da justiça norte-americana. De acordo com a acusação, as dívidas ocultas garantidas pelo Estado moçambicano entre 2013 e 2014 para três empresas de pesca e segurança marítima terão servido de base para um esquema de corrupção e branqueamento de capitais com vista ao enriquecimento de vários suspeitos.