Um telemóvel é um robô? Amelie Klein tira o iPhone 4 do bolso e acena esta certeza: “Não é uma questão de um dia vivermos com robôs, eles já estão entre nós. Hoje o iPhone é o robô que quase todos usamos e apareceu há apenas 11 anos. Na altura, eu pensava: ‘Claro que não vou andar com uma máquina que me mostra as mensagens de correio eletrónico a toda a hora, é uma loucura, não preciso disto para nada’. Agora uso este robô a todo o momento.”

Entusiasmada, Amelie Klein fala aos jornalistas na véspera da abertura de Hello, Robot: Design Between Human and Machine, uma das três novas exposições com que se inicia o ano no Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia (MAAT), em Lisboa. Curadora da mostra, juntamente com Thomas Geisler, Marlies Wirth e Fredo de Smet, garante que “em combinação com os humanos, o iPhone preenche os critérios de dispositivo robótico: tem sensores, inteligência e responde de acordo isso”.

Mas há mais do que esta simples questão. “Hello, Robot” inclui cerca de 200 peças de design e arte aplicados à tecnologia. Há livros, cartazes de filmes, brinquedos, fotografias, instalações, excertos de documentários e – para os fãs de “A Guerra das Estrelas” – um R2-D2, a personagem androide que George Lucas filmou pela primeira vez em 1977, aqui especialmente cedido pelo Lucas Museum of Narrative Art. Trata-se, afinal, de um levantamento sobre a explosão atual da robótica, com perguntas e algumas respostas sobre o que é o design, o papel dos automatismos nas tarefas domésticas, no local de trabalho ou nos tratamentos médicos e sobre como podemos reagir e interagir com a inteligência artificial.

“O design está associado a dois conceitos, forma e função, mas isso era há 100 anos, não é contemporâneo”, defende a curadora. “Quando hoje falamos de design, especialmente se associado à tecnologia, temos de falar sobre relação e interação.”

A exposição já passou pela Áustria, Bélgica e Suíça e depois de Lisboa seguirá para San Sebastián e para Dundee, na Escócia. A estreia deu-se em fevereiro do ano passado no Vitra Design Museum, na Alemanha, instituição de que o MAAT tem vindo a mostrar outros projetos.

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Amelie Klein convida a imprensa para uma visita guiada. No início, chama a atenção para uma frase atribuída ao pioneiro da robótica industrial Joseph Engelberger, que terá afirmado em 1966: “Não sei dizer o que é um robô, mas sei reconhecer um quando o vejo.”

“Vai ser fantástico e assutador”

As quatro salas da exposição, no edifício de tijolo do MAAT, funcionam como “gabinetes de curiosidades”, à maneira dos museus do século XVII, com robôs, artefactos tecnológicos e vestígios da presença robótica na cultura popular e no nosso quotidiano.

Na primeira sala, os robôs são ainda os seres humanoides com que muitas crianças brincaram ou que viram em filmes e desenhos animados. À medida que se avança no espaço, eles começam a aparecer como máquinas cada vez mais complexas, algumas com formas animais, e no fim a aliança com o próprio ser humano, a ponto de formarem uma só entidade.

“Este assunto é muito ambivalente”, afirma a curadora. “Por um lado, há quem pense que os robôs vão salvar o mundo, porque finalmente as pessoas deixarão de trabalhar e eles farão todas as tarefas por nós. Por outro lado, há um enorme medo de que atirem muitas pessoas para o desemprego e nos roubem o lugar como seres mais evoluídos do planeta. Penso que não há uma posição definitiva. Ambas as hipóteses estão certas. Sim, vai ser fantástico, e, sim, é assustador. É sobre isso que precisamos de pensar.”

Por cima da cabeça dos visitantes surgem néons suspensos com perguntas em inglês a levantar perplexidades: “Alguma vez viu um robô?”, “Os robôs são nossos amigos ou inimigos?”, “Aceitaria que um robô tomasse conta de si?”, “Quer associar-se a um robô para superar as limitações que a natureza impõe aos humanos?”.

Preconceitos da inteligência artificial

Os jornalistas seguem atrás da curadora. Aparece um painel com uma “Pirâmide Tecnológica”, que oferece um olhar de relativismo sobre estes avanços. Na base da pirâmide, as técnicas hoje sonhadas, como a sequenciação genética, os clones humanos ou as máquinas do tempo. No cume, as técnicas naturalizadas, como a agricultura ou a confeção de alimentos. Ao lado do painel, a reprodução do cartaz de “Metropolis”, filme de 1925 de Fritz Lang, no qual a automação faz aumentar o sofrimento dos humanos.

Noutra sala, a ideia de robótica na indústria e na produção. Junto a uma fotografia de Edward Burtynsky, captada em 2005 numa fábrica chinesa com centenas de operários de uniforme em tarefas mecanizadas, Amelie Klein observa: “Antes de nos perguntarmos sobre se os robôs nos tiraram o posto de trabalho, podemos perguntar se ainda faz sentido termos humanos concentrados em fábricas destas e a trabalhar em linhas de montagem.”

À passagem pelo dispositivo Echo, da Amazon, surgido em 2015 e que muitos conhecem como Alexa (nome do software utilizado), a curadora revela um repentino ceticismo e afirma que a Amazon é uma plataforma de comércio, logo, esta máquina, descrita como “secretária pessoal”, “serve apenas para nos vender coisas e armazenar os nosso dados pessoais, incluindo as conversas que temos em casa”. “Nunca compraria uma coisa destas”, afirma.

“Todos os robôs são programados, todo o software é criado por humanos e todos os humanos transferem as suas crenças e os seus valores morais e éticos para o software. A inteligência artificial também tem preconceitos”, reflete a guia. “Na Europa, os drones são vistos como brinquedos, sobretudo para adultos, mas se vivêssemos na Síria o zunir de um drone significaria que teríamos de nos abrigar, porque ele é também uma arma de guerra.”

Japoneses em interação emocional

A exposição permite ao visitante interagir com alguns dispositivos, como seja a morsa de peluche que reage quase como um ser vivo – uma máquina de deep learning (aprendizagem profunda, ou a imitação do funcionamento de um cérebro). Paro, um robô “terapêutico” criado em 2001 pelo cientista japonês Takanori Shibata, tem forma de morsa e sensores táteis, óticos e de som. Já hoje é utilizado em vários países por idosos com demências, porque alegadamente oferece afeto e melhora a qualidade de vida destas pessoas. Será que podemos criar afeição por uma máquina ou deixar que ela cuide de nós?

A esta pergunta a curadora responde que “os japoneses normalmente têm maior disponibilidade para uma interação emocional com as máquinas”, o que provavelmente se deve à influência do xintoísmo, uma religião para a qual os objetos inanimados têm importância. “No Ocidente, as máquinas estão muito ligadas à húbris, à ideia de Ícaro, que quis voar e acabou por cair.”

A terminar a mostra, vem a convergência máxima do humano ao robô: exoesqueletos, próteses inteligentes de membros do corpo e chips subcutâneos que se compram pela internet e injetam na mão com o objetivo de abrir portas de carros ou desbloquear telemóveis à distância. E pelo meio o documentário “The Family Dog”, produzido em 2015 pelo New York Times, sobre um comportamento comum no Japão. A sinopse dá que pensar: “O senhor e a senhora Sakurai adoram os seus cães de estimação. No entanto, estes cãezinhos são robôs da linha Aibo, produzidos pela Sony na década de 1990. A empresa deixou de os fabricar em 2006 e suspendeu a assistência técnica em 2014. O medo constante de que um destes adorados animais sofra danos irreparáveis é retratado neste documentário breve.”

“Hello, Robot” abriu ao público nesta quarta-feira e pode ser vista até 22 de abril, de quarta a segunda. Destina-se a entusiastas da tecnologia, mas também a famílias e crianças, de acordo com os organizadores, incluindo um workshop de robótica para principiantes. “É importante debater o design e a tecnologia numa época em que se fala da revolução digital 4.0”, diz a curadora. “As máquinas já falam umas com as outras e nós já comunicamos essencialmente através das máquinas.”