Sean Anders já anda na comédia há uns anos. É possível que não tenha decorado o seu nome, mas realizou filmes como “Pai Infernal” e “Chefes Intragáveis 2” e tem assinado, juntamente com John Morris, argumentos para comédias como “Doidos à Solta, De Novo”, “Trip de Família”, “Ela é Demais Para Mim!” ou “Jacuzzi – O Desastre do Tempo”. Muita comédia, algumas delas em volta do seio familiar. “Família Instantânea” é o seu mais recente filme, que realiza e escreve (com o seu parceiro de sempre, John Morris).

Como se percebe imediatamente na entrevista com o realizador, “Família Instantânea” é inspirado na sua própria experiência: como pai que passou pelo processo de família de acolhimento e adoção. Adotou uma família inteira: três crianças, todos irmãos. Muitas das situações-chave do filme nascem de acasos, acasos esse que, explica-nos Sean, são inspirados nas suas experiências. Talvez por isso, nada em “Família Instantânea” soe “acaso”, é uma comédia disfarçada de drama, ou um drama disfarçado de comédia, que rotina o espectador para todo o processo moroso da adoção enquanto o vacina com gargalhadas.

[o trailer de “Família Instantânea”:]

É mais habitual vê-lo trabalhar em comédias. “Família Instantânea”, embora tenha os seus momentos de humor, é sobretudo um drama. A história é baseada na sua experiência pessoal. Porque é que decidiu fazer um filme sobre adoção?
Originalmente a ideia partiu do meu parceiro de escrita [John Morris]. Como trabalhamos juntos diariamente, passava os dias a contar-lhe histórias. Ao longo destes anos contei-lhe imensas histórias de como a minha família cresceu e se tornou naquilo que é hoje. A certa altura ele disse-me que isto tinha de ser um filme, porque ele não sabia nada sobre como estas coisas funcionavam, mas através dos meus relatos começou a perceber um pouco melhor. Duvidei de início. Sim, há algo de muito magnético na história, mas será uma área pela qual as pessoas se interessam? E quanto mais pensava no assunto, mais percebia que muitas pessoas tinham ideias muito negativas sobre o funcionamento do sistema de famílias de acolhimento. Podem nutrir simpatia pelas crianças, mas há sempre muito preconceito sobre a origem destas crianças, o seu passado familiar. E comecei a pensar que seria ótimo fazer um filme que não se acanhasse em explicar todo o drama em volta deste assunto, mas que ao mesmo tempo mostrasse os sorrisos, a alegria e o amor destas famílias.

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Que tipo de situações é que achava que o público deveria saber?
Coisas básicas. Quando vais à sessão de apresentação, na orientação explicam-te que tens de fazer uma formação para teres um certificado para te tornares numa família de acolhimento. No fundo, noções gerais sobre o funcionamento do sistema. Mas o principal era mostrar que nem todas estas crianças são crianças com problemas: que podes lidar com elas, afinal são só miúdos, precisam de famílias, amor, alguém que acredite nelas. Tal como todos nós.

E que tipo de histórias contava ao John?
Tudo, histórias do dia-a-dia, todos os dias havia algo novo. De repente, há três pessoas desconhecidas em casa… É uma situação incrivelmente estranha e difícil. São pessoas que ainda não amas e eles também não te amam, além disso, não te conhecem. E precisas de agir no dia-a-dia como se fosse uma família a funcionar. É uma situação estranha e desconfortável para todas as partes envolvidas. Muitas das histórias que contava envolviam lágrimas e desgosto. Mas algumas eram só coisas com piada. Tudo isto gera uma continuidade de coisas que desconhecemos, com as quais não sabemos como lidar. Vamos aprendendo à medida que vão acontecendo.

O realizador Sean Anders

A situação das crianças que adotou é semelhante à do filme, adotou três irmãos.
Sim, adotámos três irmãos. O filme é inspirado na minha história mas também nas de outras famílias. Eu e a minha mulher fomos uma feira de adoção, como no filme. E reparámos que os adolescentes estavam num canto, tal como o Pete e a Ellie. Era triste vê-los naquela situação mas, ao mesmo tempo, nós também tínhamos receio de ir falar com eles. Acabámos por conhecer uma rapariga de dezasseis anos, que tinha um irmão e uma irmã mais novos. Os três pareciam miúdos incríveis. Claro que tivemos medo, mas preenchemos a papelada para os acolher. E fomos aceites, estávamos aterrorizados, nunca tínhamos pensado em acolher três crianças, uma delas adolescente. Uma semanas mais tarde, enquanto ainda estávamos à espera, recebemos um telefonema da assistente social que nos disse que a rapariga mais velha decidiu recusar o nosso pedido, porque ela ainda acreditava que a mãe a viesse buscar. Mas passado uma semana a assistente social liga-nos e diz que tem outros três irmãos, seis anos, três anos e dezoito meses. Quando estávamos a pensar no filme, a história daquela adolescente não me saía da cabeça. E queria ter uma no filme, conhecemos uma série de famílias que acolheram e adotaram adolescentes e todos esses relatos fazem parte da história da Lizzy [Isabela Moner]. Houve uma pessoa em particular, a Maraide Green, que foi a consultora da Isabela durante todo o filme. A Maraide cresceu dentro do sistema de acolhimento, tem um passado pesado, mas esteve connosco durante todas as filmagens a explicar à Isabela os sentimentos que passam por uma adolescente numa situação daquelas.

Quando estava a contar a sua história reparei que disse tudo com algum humor. O filme funciona também com essa boa disposição, é consciente de que é um assunto sério, mas que por vezes acontecimentos aleatórios nas nossas vidas promovem as decisões mais inesperadas.
É uma questão de perceção do público. Há a crença de que quando se lida com um tópico sério, só é possível abordá-lo com drama ou com muita seriedade. Quando sou confrontado com situações muito difíceis, tento trazer algum humor, senão é-me difícil entrar na situação. Muitas das coisas que me aconteceram na vida foram engraçadas. Outras foram difíceis e devastadoras. Queria fazer um filme sobre as famílias de acolhimento onde o público se pudesse rir e encontrar alegria. Porque isso, para mim, é honesto. Eu e a minha mulher rimo-nos muito durante todo este percurso. Adotar as três crianças foi a melhor coisa que nos aconteceu. E queria transmitir esse positivismo.

A razão para Pete e Ellie recorrerem à adoção é algo aleatória. Foi assim que aconteceu no seu caso?
Sim e é uma das coisas que as pessoas me dizem que eu devia ter mudado no filme. Mas é verdade, foi assim que aconteceu.

Mas é credível. Pelo menos para mim pareceu-me credível.
As pessoas dizem-me: ninguém decide adotar filhos daquela maneira. E eu digo: nós fizemo-lo assim. Aconteceu daquela maneira. Era algo que discutíamos há muito tempo, mas não nos sentíamos financeiramente preparados. E há um dia em que digo que se tentarmos ter um filho naquele momento, eu vou ser um daqueles pais velhos. Disse isso completamente a brincar, mas a minha mulher pegou nisso e começou a pensar na opção da adoção.

Creio que isso é bem resolvido no filme. A dado momento fala naquele vazio por preencher que existe nas vidas dos casais. Em retrospetiva, essa consciência do casal torna esse momento credível.
Sabíamos que íamos para um território potencial assustador. Repara, nós tínhamos uma vida confortável, muito fácil, e sabíamos que havia algo mais na vida para lá disso. E nesse caso, somos como o Pete e a Ellie, rapidamente achámos que tinha sido um erro, que tínhamos feito um erro tremendo, porque a vida sem as crianças era ótima e com elas tornou-se um pesadelo. Demorou um bocado até sairmos desse lugar, apercebermo-nos que os amávamos, que eles no amavam. E agora sei que foi a melhor decisão que tomámos.

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Gosta de ver Mark Wahlberg a fazer de si?
Muita gente me pergunta isso. Não penso exatamente o Pete como sendo o meu reflexo, apesar de existirem alguns elementos comuns. É uma personagem completamente ficcional. Mas claro que gosto da ideia do Mark Wahlberg interpretar uma personagem inspirada em mim. O Mark sempre soube que era uma personagem ficcional e que a poderia levar para onde quisesse.

Quando é que percebeu que a Octavia Spencer e a Tig Notaro teriam aquela química?
Trabalhar com ambas foi uma das melhores coisas que me aconteceram durante o filme. A Octavia é fantástica, é uma ótima atriz. Ela é que quis entrar no filme. Eu pensei que ela estaria ocupadíssima para sequer ler o guião, mas leu, adorou e disse que queria fazer parte. Depois demorámos algum tempo a descobrir o par dela, não conseguia encontrar alguém e de repente lembrei-me da Tig Notaro. Quando as vimos a trabalhar juntas percebemos de imediato que eram perfeitas. Foi muito fácil de trabalhar com elas e elas são muito credíveis naqueles papéis.

A Tig Notaro tem um bom ar de assistente social.
Pois tem.

As crianças tinham noção do papel que estavam a desempenhar? O Juan [Gustavo Quiroz] tem um papel impressionante.
A personagem do Juan, inicialmente, era mais jovem e mais rebelde. Mas quando estávamos a fazer as audições para os papeis das crianças, encontrámos a Juliana Gamiz [que interpreta Lita, a mais jovem das crianças], que era absolutamente selvagem. E depois apareceu o Gustavo, mais relaxado e doce, de certa forma, lembrava o meu filho. Apesar de ser mais velho e alto do que tínhamos pensado, daria uma personagem muito melhor. Reescrevemos a personagem especificamente para o Gustavo.

Que tipo de reações tem tido do público?
Não sabia que tipo de reações iria ter, tanto do público em geral como das pessoas com relações com a adoção, famílias e crianças. Quando mostrámos o primeiro “rough cut”, as reações foram maravilhosas. E quando fizemos o primeiro visionamento oficial tivemos uma das melhores pontuações na história da Paramount. Foi uma surpresa para mim, porque contava que as pessoas estranhassem o filme, pelo tópico que aborda. No Minnesota tive a oportunidade de mostrar o filme a famílias de acolhimento, crianças, assistentes sociais. Estava assustadíssimo. Mas, mais uma vez, adoraram. Ver “Família Instantânea” junto do público tem sido das experiências mais gratificantes da minha carreira. Adoro sentar-me ao lado do público e ver o filme.