Numa altura em que alguns começam a olhar para a rainha Isabel II como solução para salvaguardar o Brexit, a monarca britânica fez um discurso à porta fechada onde apelou a que fossem encontrados “pontos de convergência” e a que nunca se perdesse “de vista o que é mais importante”.

Sem nunca referir o Brexit, uma vez que a rainha tem o dever de neutralidade política, Isabel II discursou esta quinta-feira num evento que assinalou o centenário do Sandringham Women’s Institute, organização à qual preside.

“É claro que cada geração passa por desafios e oportunidades novas. À medida que procuramos novas respostas na era moderna, eu pelo menos prefiro as receitas conhecidas e testadas, como falarmos bem uns dos outros e respeitarmos pontos de vista diferentes, juntarmo-nos para encontrarmos pontos de convergência e nunca perdermos de vista o que é mais importante”, disse a rainha Isabel II. “Para mim, estas abordagens são intemporais e recomendo-as a toda a gente.”

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Esta não é a primeira vez que a rainha Isabel II faz declarações que podem ser interpretadas como alusões ao Brexit e ao atual momento político e social no Reino Unido. No seu discurso de Natal de 2018, já tinha dito que “mesmo perante diferenças profundas, tratar o próximo com respeito e como um ser humano é sempre um bom primeiro passo para ter uma melhor compreensão”.

Em 2014, em vésperas do referendo à independência da Escócia — que ditou, com 55,3% dos votos, a permanência daquela nação no Reino Unido —, a rainha Isabel II já tinha feito uma declaração que, apesar de curta, causou estranheza e também desagrado por ter sido favorável à causa unionista. “Espero que as pessoas pensem muito cuidadosamente sobre o futuro”, disse a Rainha.

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As declarações da Rainha surgem num contexto de crescente crispação da política britânica, à medida que a data para a efetivação do Brexit, 29 de março deste ano, se aproxima sem vislumbre de um acordo entre o governo de Theresa May e Bruxelas que a Câmara dos Comuns esteja disposta a aprovar.

O primeiro acordo para o Brexit desenhado entre o governo britânico e a União Europeia foi chumbado na Câmara dos Comuns a 15 de janeiro deste ano por 230 votos — a maior derrota de uma moção proposta pelo governo na história da democracia britânica.

Esta segunda-feira, Theresa May comprometeu-se levar à Câmara dos Comuns um plano B, mas aquilo que propôs não foi além de anunciar uma intenção — procurar novas soluções para a fronteira entre as duas Irlandas não ser fechada após o Brexit— e duas medidas simbólicas — a criação de comités de discussão do Brexit entre todos os partidos e o cancelamento da taxa de 65 libras que cada cidadão da UE a viver no Reino Unido teria de pagar para ali continuar de forma legal.

No mesmo dia em que Theresa May apresentou o seu plano B, a deputada trabalhista Yvette Cooper,  apresentou junto dos serviços da Câmara dos Comuns uma emenda que, a ser aprovada numa votação a agendar, poderá permitir ao parlamento britânico decidir o destino do Brexit caso não haja um acordo para a saída do Reino Unido da UE até 26 de fevereiro. Isso poderia levar os deputados a votarem favoravelmente o cancelamento ou a extensão do Artigo 50 — o instrumento previsto no Tratado de Lisboa para acionar a saída de um país da UE — ou impedir um Brexit sem acordo com Bruxelas.

Ora, é precisamente este desfecho que preocupa os setores mais pró-Brexit da Câmara dos Comuns, em particular os membros do European Research Group, um grupo que junta sobretudo parlamentares do Partido Conservador e que é liderado pelo deputado Jacob Rees-Mogg.

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“Se o cenário de um Brexit sem acordo sair da mesa, o governo de Sua Majestade [designação formal do executivo britânico] teria de ser convencido para fazê-lo. Isso não pode acontecer se o governo estiver determinado a impedi-lo”, disse o deputado conservador, numa conferência. E, colocando o ónus em Theresa May, e também na Rainha, Jacob Rees-Mogg disse que no caso de o Brexit ser impedido devido à ausência de um acordo o governo pode pedir a prorrogação do parlamento à monarca.

“A prorrogação normalmente dura apenas três dias e qualquer lei que esteja a ser elaborada antes da prorrogação cai. Penso que essa seria a resposta do governo”, disse. Por outro lado, disse que no caso de o governo permitir que o Brexit seja bloqueado em caso de não haver acordo, isso seria o “falhanço” do executivo de Theresa May. “E seria o dever dos deputados responsabilizar o governo por isso”, disse Jacob Rees-Mogg.