A onda de documentários da Netflix com algumas das principais equipas mundiais de futebol tem o condão de mostrar mais do que o outro lado de um grupo ou de um jogador – espelham a sua essência. Qualquer pessoa que tenha visto o “Juventus: Equipa Número 1” começa de forma automática a olhar para a Vecchia Signora com outros olhos, os mesmos de quase todos os adeptos bianconeri mas com conhecimento de causa. O clube atravessou tempos complicados, chegou a descer à Serie B por manipulação de resultados, mudou de forma radical o plantel mas reergueu-se com o objetivo bem claro de ganhar. Ganhar uma, duas, três, todas as vezes. Ganhar a tudo e todos no plano nacional, sonhar com o regresso aos triunfos europeus.

Massimilano Allegri assumiu o comando da equipa em 2014 e interpretou na perfeição esse sentimento transversal que vai desde o ponto mais alto da família Agnelli ao mais comum dos adeptos e simpatizantes. Ainda deu duas “borlas” na Supertaça, das que não fazem mossa, mas ganhou quatro Campeonatos e quatro Taças de Itália além de ter chegado a duas finais da Liga dos Campeões, onde foi derrotado por Barcelona (2015) e Real Madrid (2017). Até aí, nesse desaire com os merengues, chegou a pensar se iria ou não ficar no lugar, como acabaria por acontecer. Ficou e esta temporada ganhou ainda mais cilindrada num carro por si só de alta velocidade com a chegada de Cristiano Ronaldo para reforçar o setor ofensivo da equipa.

Chegados ao final de janeiro, tudo tem decorrido de forma “normal”: a Juventus lidera a Serie A com 11 pontos a mais do que o Nápoles, qualificou-se em primeiro lugar do grupo para os oitavos de final da Champions (vai defrontar o Atl. Madrid), ganhou a Supertaça diante do AC Milan, chegou aos quartos da Taça de Itália. No entanto, esta noite ia ter o encontro mais complicado da temporada até ao momento. Aquele tipo de jogo enganador, onde se ganhar não faz mais do que a obrigação mas se perder é um rude golpe. E não faltavam indícios para se perceber o tipo de dificuldades que os bianconeri teriam pela frente.

Indício 1) a partida para a Serie A realiza em Bérgamo, onde a Juventus conseguiu evitar a derrota já perto do final com um golo de Ronaldo que tinha saído do banco; indício 2) a classificação da Atalanta, em sétimo lugar a três pontos do quarto, e o peso da trajetória como visitada para esse resultado; indício 3) os 47 golos marcados pela equipa visitada no Campeonato em apenas 21 jogos, numa produção ofensiva sem igual até ao momento; indício 4) a má exibição da Juve em Roma frente à Lazio, que acabou com uma vitória por 2-1 a dois minutos do final mas não espelhou em nada o que se passou em campo. As dificuldades estavam lá e ainda se adensariam mais com a lesão de Chellini, mais um central que fica de fora depois de Bonucci (que saiu com problemas físicos no último encontro) e numa altura em que Benatia saiu e foi substituído por Cáceres.

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Ronaldo começa no banco, entra, salva Juventus da primeira derrota e consegue mais um recorde

Se é verdade que grande parte dos treinadores que defrontam a Vecchia Signora destacam a forma como a equipa entra nos 20 minutos iniciais, a Atalanta inverteu essa tendência: mais assertiva, mais dominadora, com muito maior capacidade de chegar à área contrária, quase que “empurrada” por estádio em festa onde houve mesmo fogo de artifício antes do apito inicial. Zapata e Ilicic (até sair por lesão) foram sempre duas dores de cabeça para a defesa da Juve mas era em Papu Gómez, o pequeno grande argentino de 30 anos, que tudo começava, tinha desenvolvimento ou acabava, como aconteceu quando Szczesny desviou um remate do médio ofensivo para canto. No entanto, esse caudal ofensivo teria os seus frutos pouco depois.

Allegri foi expulso ainda na primeira parte, quando a Juve perdia por 2-0 com a Atalanta (MIGUEL MEDINA/AFP/Getty Images)

Mais do que conseguiu construir, que sabe fazer bem, a Atalanta foi exímia a provocar o erro com uma pressão alta que nunca deixou a Juventus ter bola com espaço na primeira zona de construção e marcou duas vezes em menos de três minutos: primeiro foi Castagne, a aproveitar um erro de palmatória de João Cancelo em zona proibida e a fazer o 1-0 (37′); depois foi Zapata, numa jogada que nasceu em mais uma bola ganha em zona ofensiva e que nenhum defesa conseguiu aliviar, a ganhar espaço na área e a aumentar para 2-0 (39′). Allegri, tão fora de si como a equipa, acabou expulso. E os dois livres perigosos que a Juventus ainda teve antes do intervalo terminaram com tiros de Ronaldo e Dybala na barreira.

No segundo tempo, como seria de esperar, os bianconeri entraram com tudo, tiveram boas aproximações por Bernardeschi e Betancur, criaram perigo na sequência de bolas paradas (Rugani e Khedira) mas seria a Atalanta a carimbar ainda o 3-0 final, com Zapata a ser de novo mais lesto do que a defensiva contrária para fechar o encontro (e aumentar a surpresa) aos 86′. Cinco anos depois, a Juventus voltou a ser eliminada da Taça de Itália – o último afastamento tinha sido em janeiro de 2014, com a Roma – e acabou por ser vulgarizada em mais uma exibição coletiva muito aquém do que já fez na presente temporada.