Rui Rio já tinha avisado: “não se fazem acordos a três, quatro, cinco meses de eleições”. Disse-o no final do Conselho Nacional, já depois de saber que tinha ganho a guerra interna contra Luís Montenegro, e explicou que a sua estratégia sempre foi essa: convergir, no início, naquilo que fazia sentido convergir, e divergir, no fim, naquilo que faz sentido divergir. O dossiê da descentralização teve um bocadinho dos dois. Foi um dos temas, a par do quadro plurianual de fundos comunitários para 2030, que levou o presidente do PSD a sentar-se à mesa com o primeiro-ministro logo na semana a seguir a ser eleito líder do PSD, mas não é por isso que o entendimento entre os dois tem corrido bem no que à forma de gerir o processo de descentralização diz respeito.

Esta quinta-feira, dia em que termina o prazo legal para os municípios darem luz verde ao primeiro pacote de descentralização de competências aprovado pelo Governo, o PSD de Coimbra rejeitou-o e o PS de Manuel Machado — presidente da câmara de Coimbra e também presidente da Associação Nacional de Municípios –, não conseguiu ver o pacote aprovado na Assembleia Municipal, com o chumbo do PSD, CDS, CDU e das restantes forças representadas naquele órgão. PSD e CDS, que estão de acordo com o princípio da transferência de competências alegaram que não o aceitam sem a devida correspondência financeira nem sem uma programação mais concreta. Resultado: o processo de transferência de competências para as autarquias não vai avançar em 2019 em toda a comunidade intermunicipal de Coimbra.

Trata-se de uma “derrota histórica de um processo que está gravemente em crise”, e que toca sobretudo ao autarca socialista Manuel Machado, por ser presidente da Associação Nacional de Municípios, afirma Nuno Freitas, presidente do PSD Coimbra, ao Observador, explicando que quando o pacote governamental não consegue ser aprovado nem no município do presidentes dos municípios é porque “o processo de descentralização está a ser desastroso”. “Parece que o governo só quer dizer que fez, para ficar escrito no papel”, afirma. O objetivo do governo é fazer a transferência de competências para as câmaras de forma gradual, sendo que quem não aceitar até 2021, nessa altura não terá escolha e a transferência de competências será imposta. Até 30 de junho de 2019 há novo deadline para entrada em vigor em 2020.

Ao Observador, o líder da concelhia do PSD Coimbra critica o facto de não haver um envelope financeiro associado, mas também o facto de não haver concretização nem planos. E dá um exemplo: “Era do nosso interesse podermos ficar com o acesso ao património imobiliário abandonado do município, mas ninguém explica que edifícios são esses e que dinheiro há”, diz, insistindo que “falta trabalho substantivo entre as câmaras e o governo”. Nuno Freitas lembra que o próprio PSD, ao nível nacional, viu aprovado no parlamento um projeto de resolução que insta o Governo a mostrar os mapas financeiros correspondentes às novas competências das freguesias, municipais e intermunicipais, até fevereiro, sob pena de o processo não avançar.

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O presidente da câmara de Coimbra, que antes do chumbo na Assembleia Municipal tinha conseguido aprovar, na câmara, a transferência de competências, classificou como “grave” e “politicamente irresponsável” a decisão tomada na quarta-feira pelos deputados municipais. Trata-se de “um ato de irresponsabilidade política grave”, que “prejudica a cidade, o concelho e a Comunidade Intermunicipal (CIM) Região de Coimbra, que agrega 19 concelhos”, disse, citado pela agência Lusa.

A não aceitação de “competências de grande relevância”, que contraria a decisão da câmara, reflete “a perversidade política” a que “alguns responsáveis políticos podem chegar”, acrescentou no final da reunião da Assembleia Municipal. Para Manuel Machado, a decisão resultou de “uma coligação negativa” de quem colocou “interesses inconfessados acima dos interesses de Coimbra e da CIM da Região de Coimbra”. “É uma deliberação que respeito, mas lastimo”, disse ainda.

Em causa estavam as competências nos setores do estacionamento público, das praias, da habitação, das vias de comunicação (estradas), do património imobiliário público, atendimento ao cidadão, dos fundos europeus e captação de investimentos, da proteção civil/bombeiros, e das modalidades afins de jogos de fortuna e azar, da promoção turística e da justiça, cujos decretos-lei setoriais já foram publicados. Num próximo patamar, o Governo prepara-se para aprovar os decretos relativos às áreas da saúde, educação e cultura, que prometem encontrar ainda mais obstáculos.

A par disto, também nas obras públicas o PSD se prepara para tirar o tapete ao PS. Os socialistas e o governo queriam ver aprovado por “maioria possível” um plano de investimentos a longo prazo, mas Rui Rio não vê pressa em votar um plano até 2030 em vésperas de eleições, e, segundo o jornal Público, o PSD prepara-se para se abster, o que fez com que o PS pedisse para baixar o projeto à especialidade sem votação, para dar mais tempo aos consensos. Rui Rio diz que não se fazem consensos a meses das eleições. Faltam nove meses, ainda há tempo?