Relação com os rivais, processos na Justiça, reabertura do mercado de transferências, troca de treinador, formação. Em entrevista à RTP3, Frederico Varandas, presidente do Sporting, quis tocar em vários assuntos numa altura em que está perto de cumprir os primeiros 150 dias na liderança do clube mas deixou uma frase que pode explicar também em parte um dos motivos para nova intervenção pública. “Parece que estou a ser acusado de querer incendiar nas vésperas do dérbi…”, soltou, antes de voltar a lançar farpas aos atuais dirigentes do Benfica, deixando de lado o clube – “porque só se é realmente grande tendo um rival”. Se Luís Filipe Vieira se vai sentar na tribuna de Alvalade no domingo ninguém sabe, mas não tendo sido ventilado nesta conversa já se sabe que, na quarta-feira, Varandas verá a primeira mão da meia-final da Taça de Portugal na Luz num camarote.

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“É importante ser muito claro. Eu, como médico e oficial do exército, tenho os meus princípios e os meus valores, e enquanto presidente do Sporting não vou alterar ou abdicar deles. O que disse reafirmo mas é importante perceber o que disse: não misturo a instituição Benfica com os seus dirigentes ou com o seu presidente. Eu e o Sporting temos o maior respeito pelo Benfica mas é importante tudo o resto, o que veio a público no caso do emails. Só vi acusarem quem tinha roubado e divulgado os emails e não vi ninguém a falar do conteúdo ou a negar esse conteúdo. Isto é grave. Aqui há duas formas de estar pois ou há falta de coragem ou falta de princípios. Nós no Sporting temos ambos”, destacou, dizendo que acredita na Justiça. “Nem o Benfica nem o seu presidente foram constituídos arguidos mas no e-toupeira, existem outros casos a decorrer e vamos aguardar para ver o que vai acontecer. O que sei é que aquilo não foi negado”, acrescentou, antes de generalizar a questão.

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“Não me quero meter em casa de terceiros mas as pessoas têm de perceber que isto afeta todos os clubes que disputam a Liga, afeta o futebol português, afeta a imagem de Portugal. Tenho a certeza que tal, como eu, existem pessoas que pensam assim no Benfica. Tenho muitas pessoas que conheço no Benfica que não se identificam com nada disto. Pinto da Costa? Quando falo do dirigismo do Benfica refiro-me a todos os dirigismos que forem diferentes do Sporting. Este é um caso concreto que está a ser julgado na Justiça e esse dirigente continua aqui. Decisão no e-toupeira? Na minha opinião é ridículo, não seria possível personalizar tudo num assessor. É ridículo numa estrutura tão bem organizada como o Benfica sempre se intitulou”, comentou, antes de falar também do processo Cashball: “Tudo o que sei é pela imprensa. É uma herança. Vamos ter de aguardar pela Justiça e vou ser coerente. Se acredito na justiça para o lado de lá, tenho de acreditar para cá. Vamos aguardar”.

Frederico Varandas. “Estou à espera que se faça justiça” a propósito dos ‘casos’ do Benfica

O presidente do Sporting voltou também a falar da polémica em torno do VAR na Final Four da Taça da Liga, assumindo que os leões já foram beneficiados na presente temporada e que, em todos os desaires até ao momento, “podiam e deviam ter estado em melhor plano”. “O VAR é uma excelente notícia para a arbitragem em Portugal. A arbitragem hoje é muito mais livre, não estou a dizer que é perfeita, mas é mais livre. Existem erros e vão continuar a surgir. O VAR ajuda a reduzir e muito os erros mas temos de ter os melhores árbitros possíveis, o que não posso admitir é ver uma intromissão num órgão que tem de ser independente, que é o Conselho de Arbitragem. É como a democracia após o 25 de abril: a arbitragem está a dar os primeiros passos e tem de ser ajudada a ser livre e independente da esfera de influência dos grandes”, referiu, acrescentando: “Não quero uma cultura que nos desculpabilize. Perdemos por culpa nossa. É esta cultura que quero, não quero jogadores concentrados no erro da arbitragem pois isso acaba por desculpabilizar os nossos atletas em detrimento de terceiros e não quero isso”.

“Há três formas de lidar com a derrota: com dignidade, a versão histérica e a cobarde”, diz Varandas

Passando depois para as entradas e saídas neste mercado de janeiro, e admitindo que Acuña ainda poderá sair caso o Zenit vá aos valores pretendidos (20 milhões mais objetivos), Frederico Varandas falou num pensamento a médio e longo prazo e admitiu que a conquista da Taça da Liga acabou por trazer algumas marcas face ao calendário denso da equipa nesta fase.

“O discurso populista tem um preço muito alto e é uma questão de tempo. O Sporting vem de duas épocas em que acaba em terceiro lugar e da última época para esta perde cinco titulares, quatro deles internacionais. O plantel foi feito pela Comissão de Gestão numa altura muito conturbada. A 9 de setembro esta direção toma posse e em meados de novembro muda de treinador. No mercado de inverno saírem sete jogadores é anormal, as pessoas têm de perceber que tudo isto é anormal. Sempre disse que 80% do sucesso desportivo é delineado entre o mês de junho e 31 de agosto pois é aí que se constrói o plantel e a equipa técnica trabalha com o seu grupo, formam-se rotinas e princípios de jogo. O Sporting está jogar dois jogos por semana. Depois tem uma equipa que se calhar na nossa visão era um plantel de qualidade reduzida, por isso é que saem sete jogadores. Isto não é como na PlayStation em que todos os jogos começam com a barra de energia no máximo, a equipa chega e é maravilha… O sucesso na Taça da Liga é um preço elevado mas que voltava a pagar pois é mais um título e o Sporting vive de títulos”, destacou.

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“A confiança em Marcel Keizer é igual. Ganhámos a Taça da Liga, saímos de lá com três baixas e passados três dias vamos ao Bonfim. Saíram sete jogadores, entraram cinco. Este mercado de janeiro para mim não é para resolver problemas a curto prazo, estou a resolver problemas a médio/longo prazo. Acredito nestes jogadores e não estou a contratar por contratar mas obviamente que preciso de um grupo mais forte e consistente. Conhecemos as debilidades deste grupo. Campeonato? O Sporting tem de lutar por títulos. Só um louco pode dizer que vai ganhar para o ano ou daqui a dois ou três anos, seja no futebol ou nas modalidades. Jorge Jesus? Keizer tem contrato e se Deus quiser vai cumpri-lo. Há fases da vida que passam, guardam-se as recordações, e seguimos em frente. Faz parte do passado”, acrescentou sobre a aposta no holandês e o ex-técnico do Al Hilal.

“Se não fosse o VAR, este título não era do Sporting. Graças a Deus o VAR está para ficar”, destaca Varandas

Ainda no domínio do futebol, Varandas assumiu que a formação também enfrentou um período menos conseguido “por culpa da direção” no passado e revelou até mais um nome para se juntar a uma estrutura que ganhou recentemente Raul José e Miguel Quaresma, que começarão a trabalhar na Academia na próxima semana. “A formação bateu no fundo? Não serei tão drástico mas estamos a pagar um gap visível entre os Sub-17 e os Sub-23, que não é habitual. E isso deve-se a uma política da qual discordei completamente nos últimos cinco anos. Hoje estamos a investir forte pois a base do Sporting está aqui. Não olhamos só para o jogador tecnicamente e posso adiantar que vai começar a trabalhar o departamento de liderança e formação interna liderado pelo Tomaz Morais: será transversal a todos os jogadores, aos miúdos, a treinadores, aos funcionários que lidam com os atletas, às modalidades. Tem de ser incutido o orgulho de vestir esta camisola, os valores do Sporting e do Desporto”, referiu.

Por fim, e falando mais de e para o plano interno dos verde e brancos, o líder leonino considerou que as condições em torno da direção eleita em setembro já são diferentes para melhor mas não acredita “que se passe do oito para o 80”. “Hoje está mais governável e estável do que em setembro. Se temos as condições ideias, óbvio que não nem seria possível em quatro meses ter o que gostaríamos. Em todos os setores, sem estabilidade interna nada se alcança. Muita gente achava que as feriadas criadas poderiam durar anos a sarar e a verdade é que hoje já temos outra estabilidade. Se não tivermos a nossa casa estável não nos conseguimos bater contra os adversários. Isso é o pilar e às vezes as pessoas esquecem-se, ou querem esquecer-se, de como estava o clube. Não ligamos às pressões, estamos a mudar porque a riqueza do clube é as pessoas”, salientou, antes de revelar também que teve reuniões individuais com as quatro claques para explicar que o protocolo existente (que prevê a oferta de 900 bilhetes por jogo, por exemplo) vai acabar no final da temporada. “Se acreditei em Bruno de Carvalho? Sim. A história não se apaga e o primeiro mandato tem coisas muito positivas. O início do segundo traz um outro Bruno de Carvalho”, concluiu.

“O Sporting é um clube ingovernável mas acredito que vou mudar isto”, diz Frederico Varandas