O Parlamento vai mesmo ter um comité de ética, a partir da próxima legislatura, para analisar as eventuais irregularidades cometidas pelos deputados e sancioná-los se for caso disso. A proposta foi avançada pelo PS na comissão eventual para a transparência, tendo sido limada no decorrer da última semana: esta terça-feira voltou a estar em cima da mesa da comissão e teve luz verde. Trata-se de uma votação apenas indiciária, mas com a viabilização do PSD (que se absteve) o documento deverá mesmo vir a ser aprovado, podendo ainda ser alvo de alterações específicas.

PS quer criar comité de ética que possa multar deputados

Na votação indiciária, que teve lugar esta terça-feira, o anteprojeto de lei teve os votos favoráveis do PS e a abstenção do PSD, sendo que os restantes partidos representados na comissão (CDS, BE e PCP) disseram não estar ainda em condições de comunicar o seu sentido de voto, uma vez que o texto final foi entregue pelo PS apenas esta segunda-feira. Em todo o caso, como lembrou o deputado coordenador do PS naquela comissão, Pedro Delgado Alves, com os votos do PS e PSD o documento fica imediatamente com luz verde. CDS, BE e PCP deverão dar conta do seu sentido de voto até à reunião da mesa e de coordenadores, agendada para quinta-feira.

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O documento, tal como os restantes anteprojetos que tiveram luz verde da comissão (sobre incompatibilidades, estatuto dos deputados, enriquecimento ilícito ou lobby) estarão agora em consulta pública obrigatória, seguindo-se depois o tempo regulamentar da especialidade, onde as as bancadas poderão ainda fazer propostas de alteração — em todo o caso, o “esqueleto” sobre cada tema está desenhado, e as bases de trabalho “ficaram fechadas hoje”, como explicou ao Observador um dos deputados presentes na comissão.

A proposta socialista prevê, assim, a criação de um comité de ética, a funcionar dentro da comissão parlamentar de ética, que atue como regulador, analisando as eventuais irregularidades cometidas pelos deputados e tendo o poder de advertir, multar, ou, em último caso, participar os casos ao Ministério Público. Esta foi a resposta do Parlamento às polémicas que se têm intensificado nos últimos anos envolvendo a conduta dos deputados no exercício de funções, como foram os casos recentes das falsas-presenças registadas em plenário, em dias em que os deputados estavam ausentes.

Luz verde para regulamentar o lobby

Sobre a regulamentação do lobby (ou também chamada ‘representação de interesses legítimos junto de entidades públicas’), o acordo alcançado foi entre o PS, o CDS e uma parte do PSD encabeçada pela líder da JSD, Margarida Balseiro Lopes. Os três chegaram a um texto comum, que deu entrada esta terça-feira na Assembleia da República, e que já tem igualmente luz verde da comissão de transparência. “Foi o consenso possível e desejável para que, numa matéria destas, seja possível que se passe a ter uma distinção muito clara entre o que são os interesses legítimos e as outras situações anómalas merecedoras de censura”, disse o deputado do CDS António Carlos Monteiro, depois de a deputada social-democrata Margarida Balseiro Lopes ter reforçado que foram acautelados os três pontos que considerava essenciais: “o registo de interesses, a agenda pública e a pegada legislativa”.

Do lado do PS, Pedro Delgado Alves, também saudou o acordo alcançado sobre a regulamentação do lobby, ressalvando que “obviamente não temos o condão de tornar boas intenções que são más, mas conseguimos com isto tornar mais difícil a utilização das instituições do Estado para o mau sentido”, disse. O PSD, contudo, absteve-se nesta votação indiciária alegando que “a direção nacional do PSD ainda não tem uma posição definitiva sobre o tema”. Em todo o caso, e apesar de defender que o assunto não está amadurecido na sociedade portuguesa e, como tal, não deve ser legislado, Álvaro Batista assegurou que o PSD é favorável ao registo de interesses, por se tratar de um passo no sentido da “transparência”, mas o mesmo não acontece em relação à “regulação de uma nova atividade profissional”.

No projeto sobre o lobby prevê-se que estas entidades que queiram influenciar as decisões tenham “direito a contactar a Assembleia da República”, assim como a “aceder aos seus edifícios” e a “ser informados sobre as consultas públicas em curso” enquanto realizam” atividade de representação de interesses”. Além dos direitos previstos, também há deveres, nomeadamente o de aceitarem o “caráter público” das suas declarações e o de respeitarem as regras de circulação nos edifícios do Parlamento — assim como a garantia de que se identificam de forma clara e inequívoca quando fizerem contactos com a Assembleia. Para isso, os influenciadores deverão inscrever-se num Registo de Representação de Interesses Privados, ficado assim escudados ao abrigo desta lei, com direitos e deveres.

Para o BE, que é contra a regulamentação desta prática, trata-se apenas da “criação de um novo negócio, que se passa a chamar de negócios legítimos apenas e só para lavar a imagem dos lobbistas”, disse Pedro Filipe Soares na reunião da comissão de Transparência desta terça-feira. Para o líder parlamentar bloquista, o projeto de lei não faz mais do que “criar um novo setor de atividade que vai tentar usurpar a ligação legítima dos vários setores à Assembleia da República”.