A décima. O número é redondo, mas a décima derrota no Parlamento para Theresa May desde que se tornou primeira-ministra foi mais simbólica do que concreta. A mais recente moção sobre o Brexit, apresentada pelo Governo da primeira-ministra britânica na Câmara dos Comuns, foi chumbada esta quinta-feira. Por um lado, essa decisão dos deputados tem pouca influência concreta no processo, já que o texto em causa era vago e não introduzia mudanças de fundo no processo de renegociação encetado com a União Europeia (UE); por outro, expõe perante a Europa e os britânicos como os membros mais pró-Brexit do Partido Conservador estão dispostos a desafiar May e a arriscar uma saída do Reino Unido sem acordo.
A moção em causa não trazia nada de novo, a não ser a confirmação de que o Governo britânico está disponível para seguir a vontade do Parlamento: “Esta Câmara vê com bons olhos a declaração da primeira-ministra de 12 de fevereiro de 2019; reforça o seu apoio à abordagem de saída da UE expressa por esta Câmara a 29 de janeiro de 2019 e nota que as conversações entre o Reino Unido e a UE no backstop da Irlanda do Norte continuam a decorrer.” Este era o texto oficial, que acabou por ser chumbado com 303 votos contra e apenas 258 a favor.
MPs vote against government motion reiterating support for the approach to leaving the EU agreed last month and noting the ongoing backstop discussions between the UK and EU.
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— Sky News (@SkyNews) February 14, 2019
Mas o que significa todo este jargão técnico, traduzido por miúdos, e por que razão não apoiaram todos os tories uma proposta que parece tão pouco inovadora? Em primeiro lugar, é necessário desconstruir o texto: a declaração de 12 de fevereiro foi uma promessa de May de que irá apresentar um novo acordo ao Parlamento em breve, enquanto que a “abordagem de saída” aprovada a 29 de janeiro foi a emenda votada nos Comuns para evitar uma saída sem acordo.
E é precisamente este último ponto que desagrada à maioria dos deputados do European Research Group (ERG), uma fação dentro do Partido Conservador liderada por Jacob Rees-Mogg que defende uma saída sem acordo da UE. Um compromisso tão claro do Governo para evitar uma saída sem acordo é interpretado por muitos deste grupo como uma solução que pode impedir o Brexit de vir a acontecer, razão pela qual decidiram abster-se na votação.
“O Governo precisa de trabalhar com os seus deputados em vez de trabalhar contra eles”, avisou Rees-Mogg no rescaldo da votação. “O Governo pode, no entanto, aprovar o compromisso de Malthouse, mas primeiro tem de o adotar [como seu]”, acrescentou o deputado eurocético, referindo-se à solução encontrada por alguns dos deputados mais a favor de um hard Brexit para resolver a questão da fronteira na Irlanda.
Em reação oficial, um porta-voz do Governo declarou que a primeira-ministra compreende haver “uma preocupação por parte de alguns colegas do Partido Conservador sobre a retirada de uma saída sem acordo de cima da mesa”, mas sublinhou que May não irá mudar de ideias, já que essa foi a única moção “continua a ser a única que a Câmara dos Comuns aprovou deixando claro o que quer: alterações legalmente vinculativas ao backstop. O Governo irá continuar a tentar alcançar isto com a UE para garantir que saímos a tempo, a 29 de março.”
“Ela não pode continuar a ver os ponteiros do relógio a passar”, afirma Corbyn
Contudo, o comunicado de Downing Street começa por focar-se no líder da oposição, Jeremy Corbyn. “Voltou a por as suas considerações partidárias à frente do interesse nacional”, acusa o Governo, acrescentando que a decisão de não apoiar a moção de May “torna uma saída sem acordo mais provável”.
Foi a resposta às duras palavras de Corbyn para May no Parlamento, na tarde desta quinta-feira, com o líder da oposição a pedir ao presidente da Câmara, John Bercow, que trouxesse May à Câmara para reagir àquela votação. “É muito surpreendente que ela não esteja sequer aqui para ouvir isto”, lamentou-se o líder do Partido Trabalhista, tendo sido informado por Bercow de que a primeira-ministra não era obrigada a reagir a esta votação.
Ela não pode continuar a ver os ponteiros do relógio a passar e a esperar que apareça alguma coisa que salve o dia”, declarou Corbyn.
Por outro lado, e embora May não tenha estado presente, a sessão parlamentar teve outros momentos de tensão — embora o tom geral tenha sido bem mais frio do que o habitual nos debates sobre o Brexit. Ian Blackford, o líder parlamentar do Partido Nacionalista Escocês, também lamentou que Corbyn não tenha apoiado a emenda proposta pelo seu partido para que fosse aprovada a extensão do Artigo 50 — adiando assim a saída para lá de 29 de março. Corbyn, por seu turno, não reagiu ao ataque.
A emenda do SNP não foi a única a ser chumbada esta tarde (com 315 votos contra e 93 a favor). Também a proposta do próprio Partido Trabalhista, que defendia que houvesse uma votação final sobre o acordo sem falta até 27 de fevereiro, foi igualmente chumbada (322-306). Isto significa que o calendário fica, por isso, incerto. May declarou na Câmara dos Comuns, dois dias antes, que gostaria de apresentar o acordo a essa data, mas não se comprometeu com tal, preferindo antes deixar o prazo negocial em aberto.
Curiosamente, a única emenda que esteve em cima da mesa que poderia ter reunido votos suficientes para ser aprovada, acabou por ser retirada pela sua proponente a meio da tarde. Anna Soubry, deputada torie pró-UE, apresentou uma emenda que, se aprovada, forçaria o Governo a apresentar dentro de uma semana toda a documentação que tem relativa a orientações sobre economia e comércio, em caso de saída sem acordo. Esta emenda, embora forçasse o Governo a tomar uma ação, poderia ter sido a tábua de salvação de May — já que alteraria o texto da moção inicial e poderia evitar a abstenção dos deputados do ERG.
Contudo, não foi isso que aconteceu. Com um dos secretários de Estado para o Brexit, Chris Heaton-Harris, a comprometer-se no seu discurso perante o Parlamento a divulgar esses mesmos documentos, Soubry aproveitou para agradecer e retirar assim a sua proposta. A decisão seria decisiva e traçaria o destino para May neste dia, deixando antever uma derrota e mais “um embaraço” para a primeira-ministra, como classificou Beth Rigby, sub-editora de política da Sky News: “May foi recentemente a Bruxelas dizer que representa uma partido mais unido e que tinha toda a gente pronta para apoiar um acordo com mudanças sobre o backstop”, destacou, explicando que a votação desta quinta-feira se traduz em tudo menos união.
Sem união interna, nem alterações ao backstop para já, May continua entre a espada e a parede. Ainda esta manhã, uma fonte europeia sublinhava à editora da BBC Katya Adler que não há qualquer disponibilidade por parte dos europeus para alterar uma única vírgula do acordo. “Esta nova ronda de negociações entre o Reino Unido e a UE é essencialmente window dressing”, declarou, utilizando a expressão com sentido semelhante à apropriada frase em português “para inglês ver”.
Frustration and #Brexit despondency reign right now in EU circles. “This new round of EU-UK negotiations is essentially window dressing” -one official tells me “Each side just repeats well-known red lines to the other. And all this with time running out.” 1
— katya adler (@BBCkatyaadler) February 14, 2019
“Cada lado continua apenas a repetir as suas linhas vermelhas ao outro. E tudo isto enquanto o tempo continua a passar”, acrescentou a mesma fonte. A contagem decrescente continua: o Brexit está previsto acontecer daqui a 43 dias.