O jogo desta terça-feira à noite era um Liverpool-Bayern Munique a contar para a primeira mão dos oitavos de final da Liga dos Campeões mas era também um Jürgen Klopp-Dados Estatísticos a contar para os livros de História. O treinador alemão dos reds, que antes de chegar a Anfield Road tinha conquistado o próprio espaço no futebol europeu ao comando do Borussia Dortmund, perdeu mais jogos frente ao Bayern Munique do que contra qualquer outra equipa. Em 29 partidas, havia perdido 16. Esta terça-feira, em Liverpool, Klopp discutia muito mais do que os oitavos de final da Liga dos Campeões.

O jogo era também o encontro entre duas equipas em fases algo distintas nos respetivos Campeonatos: se o Liverpool lidera atualmente a Premier League, rompendo com a ideia algo pré-concebida de que o Manchester City seria o invariável candidato à conquista da Liga inglesa,o Bayern Munique vive este ano uma temporada um pouco atípica onde em fevereiro, altura em que já costuma desfrutar de uma confortável vantagem no topo da Bundesliga que lhe permite dedicar-se quase por inteiro à Liga dos Campeões, está no segundo lugar da tabela, a três pontos do líder Borussia Dortmund.

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Por outro lado, era a reunião de dois finalistas recentes da principal competição europeia de clubes. Se o Liverpool perdeu a Champions da temporada passada para o Real Madrid que ainda era de Zidane e Ronaldo, o Bayern Munique venceu o também alemão Borussia em 2012/13, depois de terem deixado para trás nas meias-finais, respetivamente, Barcelona e Real Madrid. Dois colossos, portanto, que se encontravam porque o sorteio ditou uma final antecipada logo nos oitavos de final.

Jürgen Klopp, do seu lado, não tinha o central e capitão Van Dijk, peça fulcral no centro da defesa, devido a castigo. O tridente ofensivo, esse, mantinha-se incólume e apontado à baliza de Neuer: Salah mais tombado na direita, Mané mais descaído na esquerda e Roberto Firmino numa espécie de ‘falso’ 9 que faz a ligação entre Henderson, que assumiu sozinho o eixo do meio-campo, Wijnaldum e Keita, os homens mais perto dos corredores, e os três da frente. Do outro lado, Niko Kovac optava por deixar Franck Ribéry no banco de suplentes (num lote de opções que incluía Renato Sanches), para lançar Gnabry e Coman nas alas, com James Rodríguez nas costas de Lewandowski a servir como apoio direto ao avançado polaco. Duas equipas de pendor ofensivo e futebol tendencialmente atacante, com faro especial e inegável para o golo e vontade inequívoca e quase vital de seguir em frente na Liga dos Campeões.

Numa primeira parte que começou algo partida e com transições frequentes de parte a parte, o Liverpool não demorou a impor-se no jogo e assumiu com naturalidade o papel de principal interessado na vitória. A jogar em casa e com um dado estatístico importante para perpetuar — há 19 jogos que os reds não perdem em casa para a Europa, desde outubro de 2014 –, seria até compreensível que a equipa de Klopp procurasse mais não sofrer do que propriamente marcar, tendo em conta a dificuldade de marcar em Munique e a importância de um golo marcado fora numa eliminatória da Liga dos Campeões. Ainda assim, o Liverpool foi mesmo a equipa que esteve sempre mais perto de se adiantar no marcador ainda no primeiro tempo, tendo feito dez remates contra apenas três do Bayern (ainda que só um deles enquadrado). Os alemães, sempre mais comedidos e a demonstrar dificuldades em chegar com perigo e critério ao último terço do meio-campo defendido pelos ingleses, defenderam com rigor as costas de Thiago Alcântara e Javi Martínez e não permitiram aos três da frente do Liverpool as travessuras do costume. À ida para o intervalo, de forma aparente, o Liverpool estava por cima: mas existia um cinismo e uma inteligência escondida por detrás da estratégia de Kovac.

Afinal, mesmo sendo um dos mais recentes finalistas da Liga dos Campeões, o Liverpool é uma equipa que não está habituada a grandes decisões europeias num passado recente. Numa retrospetiva rápida, os reds estiveram na última final da Champions e na penúltima da Liga Europa mas, antes disso, o melhor resultado remonta já a 2009/10, ano em que chegaram às meias-finais da Liga dos Campeões. Do outro lado, o Bayern alterna entre finais, meias-finais e quartos de final desde 2011 e nesse período temporal de oito anos conquistou uma Champions, uma Supertaça Europeia e um Mundial de Clubes. Inevitavelmente, os alemães estão psicologicamente preparados para jogos com ambientes como o de Anfield Road, fisicamente preparados para eliminatórias duras de 180 minutos e historicamente preparados para vencer em golpes de contra-ataque e níveis máximos de eficácia.

Na segunda parte, o Liverpool voltou com a mesma vertigem mas com mais ansiedade — a procura pelo golo que teimava em não aparecer avolumava os níveis de nervosismo e recordava que, em caso de nulo em casa, seria necessário vencer na Alemanha. Já o Bayern, sem cometer erros, jogou à espera do risco dos ingleses e investiu na qualidade individual de Gnabry e Thiago Alcântara, os dois elementos em clara evidência no segundo tempo. Jürgen Klopp demorou a mexer e só o fez já a quinze minutos do apito final, quando tirou um Keita em subrendimento e lançou James Milner e decidiu ainda trocar Roberto Firmino por Origi, fortalecendo a frente de ataque tanto com força física como com frescura e rebeldia.

Niko Kovac, inteligente e cínico, manteve a equipa equilibrada e altamente certa taticamente, sem entrar em euforias ou grandes riscos, com a noção clara de que em casa, na segunda mão, pode resolver a eliminatória. Num jogo que tinha tudo para ter golos mas teve apenas dois remates enquadrados, Liverpool e Bayern Munique empataram a zeros e deixaram todas as decisões para o jogo em Munique, a 13 de março. Manuel Neuer agarrou o nulo a cinco minutos dos 90, depois de (mais) uma tentativa de Sadio Mané, e os ingleses continuam sem perder em Anfield Road para a Europa. Jürgen Klopp não conseguiu vencer aquele que será sempre o seu principal rival — mas também não perdeu.