É um bando à parte, mas perfeitamente integrado nas etapas a que um circuito do género convida. Domingo de manhã, a Tate Britain assistia ao desfile da coleção outono-inverno 2019 de Victoria, ou VB, como é conhecida no meio. David e os quatro filhos  (incluindo a benjamim, a estrear uma franja tão mediática quanto ela, e que valeu comparações com a da mítica editora Anna Wintour) assistiam em peso. O keeping up relâmpago com o clã Beckham incluiu imagens da front row, um momento partilhado pela designer na sua conta de Instagram, durante o almoço em família, e uma passagem pela festa no exclusivo Mark’s Club, o mesmo onde a marca portuguesa Sophia Kah apresentou novidades, com direito a nostalgia Spice Girls, ou Spice Gurrls, numa recriação ao vivo muitíssimo livre.

“É a primeira vez que trabalho com uma narrativa”, admitiu Victoria na fase de preview. “Há algo de cinemático nesta coleção. É como se ao longo do desfile cada look representasse uma cena diferente da sua vida”, resumiu a Vogue britânica, sobre a ex-Posh Spice, que em dez anos passou de sensação a designer respeitada. “Lady but not ladylike” foi a fórmula definida por Victoria, que resulta bem melhor em língua inglesa mas que se ajusta como uma luva a todos os idiomas, desde que professem sem culpas o seu lado safado — sim, VB também usou a expressão “naughty” para descrever os coordenados sugeridos para a próxima estação, com o devido balanço entre sofisticação e sex appeal.

A verdade é que chegados a fevereiro de 2019, o alfabeto no Reino Unido fica praticamente circunscrito a uma letra: B. B de Beckham, é certo, pelo trabalho desenvolvido por V e pelo casamento mais popular e escrutinado do reino, mas também de Brexit. Não fosse esta ilha um dos solos mais férteis em contradições.

17 de fevereiro, noite de tributo drag patrocinado pelas ‘Spice Gurrls’. O grupo atuou na after party Victoria Beckham x YouTube Fashion & Beauty no âmbito da London Fashion Week, que teve como anfitriões Derek Blasberg e David Beckham, no Mark’s Club © Victor Boyko/Getty Images

Para cumprir a quota ativista, nada como reclamar a presença da eterna militante de serviço. Vivienne Westwood, que encerrou o desfile em St John’s Smith Square, Westminster, de microfone em punho, trouxe as mensagens para a linha da frente. Tantas e tão variadas, com direito a intervenções/performances em pleno desfile, que a cacofonia esteve ali ao virar da esquina.

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Houve coroas e t’shirts para tudo, da política pura e dura à sustentabilidade do planeta, sem esquecer o #MeToo, com a líder do movimento que eclodiu em outubro de 2017, Rose McGowan, a apresentar-se com um chapéu a dizer “Angel” (Anjo) e a defender que “precisamos de mais heróis”. A designer fez ainda desfilar modelos com os narizes brilhantes, feitos para emular o mentiroso Pinóquio e os impostos que “os pobres pagam para dar aos ricos”. Da saída do Reino Unido da União Europeia — “O Brexit é um crime, devíamos estar a colaborar todos, não a afastar-nos do resto do mundo” — para os desafios ambientais (neste melting pot de intenções, Westwood manifestou também a vontade de angariar 100 milhões de libras para salvar a floresta tropical).

O tempo, nada de novo, é incerto por estas bandas. Da meteorologia e os seus típicos caprichos para o temperamento social. ‘Tempest’ foi o mote da segunda coleção apresentada pelo diretor criativo da Burberry, Riccardo Tisci, e dificilmente se encontrariam melhores termos para assinalar tempos pautados pelo furacão Brexit, para mais numa ilha em oscilação permanente entre o mais fino recorte da tradição aristocrática e o desalinho punk.

“Tenho pensado muito em Inglaterra enquanto um país de contrastes, desde o estruturado até ao rebelde e livre, e queria celebrar a forma como estes elementos coexistem. A minha primeira coleção para Burberry foi o início da criação  do meu alfabeto para a marca, foi sobretudo identificar novas letras e novos códigos. E agora, começo a juntar essas letras e a escrever o meu livro, para formar o primeiro capítulo para uma nova era na Burberry”, definiu Tisci. Somos peças num xadrez, mesmo que ele seja da Burberry, e as jogadas são cada vez mais arriscadas.

Riccardo Tisci e a constelação Burberry Irina Shayk e Gigi Hadid foram duas das estrelas que desfilaram para a marca.

Numa terra de cavalheiros e rufias, de ladies e briosos vagabundos, Tisci fez regressar o calendário aos anos 90 e trouxe-o de volta aos dias de hoje. No interior dos Tate Modern Tanks, dois ambientes. Um, mais tradicional e formal, com assentos de madeira rígidos; o outro inclinado à rebeldia, liberdade e inclusão, com mais de 100 jovens a escalarem as paredes. E ainda uma corte de manequins absolutamente sonante.

Ao cair do pano, já esta terça-feira, Christopher Kane serviu um banquete de “saias cupcakes”, como lhes chama o designer. Duas estações depois da coleção Joy of Sex, a irreverência volta a alinhar-se com o fetichismo e este, por sua vez, a intrometer-se nas silhuetas. Volume, exagero, nostalgia futurista da velha crinolina, qual cereja no topo destes bolos, e esse jogo permanente entre rigidez e fluidez. Na passerelle, como em todo o UK.