Ser bom aluno não basta. No manifesto eleitoral do Bloco de Esquerda para as europeias, os bloquistas refletem sobre a postura de Portugal na Europa e da União Europeia nos Estados-membros e concluem que “de nada serve” o esforço orçamental para cumprir metas, porque a dívida é “impagável”. Logo, é preciso reestruturá-la. Para isso, o BE recupera o velho caso da Grécia para dar o exemplo de como não vale a pena ceder às imposições de Bruxelas. “A lição grega é simples: quem destruir um país em troca de apoio europeu, conseguirá apenas destruir o país“, dizem.

O nome de Alexis Tsipras não voltou ao discurso do BE, mas o exemplo grego é recuperado para explicar que não há saída possível para as economias em crise a não ser a da reestruturação da dívida. “O caso da Grécia mostra-nos que a inflexibilidade das instituições europeias quanto à reestruturação de dívidas a credores institucionais vai ao ponto de romper acordos escritos. O terceiro memorando assinado com a Grécia prometia uma reestruturação da dívida se o governo grego cumprisse as medidas impostas. O Governo grego obedeceu, mas as instituições europeias rasgaram o seu compromisso”, lê-se, no documento a que o Observador teve acesso.

Para o Bloco de Esquerda, esse discurso da União Europeia não é mais do que um discurso de “chantagem da dívida”, ao qual os países não devem ceder. Caso haja um “ultimato”, a saída do euro tem de ser o caminho, dizem. “Se o país for colocado perante um ultimato das instituições europeias para impor novos programas de destruição da nossa economia e dos direitos de quem aqui vive e trabalha, o Bloco assumirá a defesa da democracia contra a chantagem, incluindo a plena mobilização dos poderes da soberania democrática e a desvinculação da União Monetária”, lê-se no manifesto de 35 páginas.

Para o BE, cuja lista às europeias é encabeçada pela eurodeputada Marisa Matias e com José Gusmão a número dois, a solução passa por uma “reestruturação multilateral da dívida”, lembrando que, depois de ter sido criado um grupo de trabalho sobre a dívida no Parlamento, há hoje um “amplo consenso na sociedade portuguesa acerca da insustentabilidade da dívida”, havendo, “pela primeira vez”, uma “maioria política” que o reconhece.

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“O Bloco de Esquerda defenderá a soberania da nossa democracia para impor uma reestruturação que devolva a dívida portuguesa a níveis de sustentabilidade, reduzindo drasticamente os encargos da dívida e libertando recursos para uma política de direitos e desenvolvimento. Os direitos humanos valem mais do que a especulação”, dizem.

Admitindo que a economia portuguesa ainda é das mais “frágeis e sobre-endividadas” da Europa, o Bloco de Esquerda afirma que de nada vale a Portugal ter “afinco” e “zelar pelo cumprimentos das metas orçamentais” porque haverá sempre a sombra da “dívida impagável”. “Os pré-anúncios, por parte do BCE, de que irá abrandar e abandonar a sua política ultra-expansionista ameaçam particularmente as economias mais frágeis e sobre-endividadas, como é o caso da portuguesa. E porque ameaçam as economias, ameaçam também as contas públicas”, lê-se.

Combater a extrema-direita e “fazer diferente” do PS

O combate à extrema-direita é um dos desafios identificados pelo Bloco de Esquerda como prioritário no contexto europeu, que nasce de uma resposta “autoritária” das “elites europeias” às “crises sociais prolongadas”. “A ascensão da extrema-direita resulta da conjugação entre uma crise social prolongada, a ausência de respostas em todo o arco do consenso europeu e o autoritarismo das suas elites, que não hesitaram em subjugar Estados e democracias, na prossecução da agenda do extremismo liberal. A ascensão da extrema-direita só se explica pela forma como o discurso de ódio, a xenofobia, o racismo, o sexismo e a homofobia ganharam força no próprio centro político”, dizem os bloquistas. “A elite europeia limita-se a agitar os monstros que criou”, acrescentam ainda em tom de crítica.

Marisa Matias, na apresentação da sua candidatura, já tinha explicado que o BE é “europeísta mas não eurodeslumbrado”, mas o cenário que pinta do estado da União Europeia é tudo menos animador. “Um projeto sem rumo”, de onde o Brexit e a consequente reação europeia é o melhor exemplo; um projeto “desacreditado”, que está “à deriva”, e “amarrado a tratados que impõem o ataque ao Estado social e aos salários, incapaz de descolar para uma economia que crie empregos decentes, combata a pobreza de 25% da sua população e responda ao desafio das alterações climáticas”. Mais: uma União Europeia mergulhada no “caos” onde se “multiplica o autoritarismo e a arbitrariedade”, e à qual o BE quer responder com “emprego, ambiente e estado social”.

O manifesto tem em vista as europeias de 26 de maio, mas não as desliga das legislativas de 6 de outubro, lembrando que as primeiras acontecem num momento de “balanço do último ciclo político em Portugal”. E é nesse contexto de balanço que o BE aponta as “vitórias” e “limitações” da solução política que “tirou a direita do poder”.

Primeiro, as vantagens: o diabo não veio e o país está melhor. “O acordo inédito com um governo minoritário do Partido Socialista reverteu algumas medidas da troika. Acabaram os cortes nos salários e pensões, o salário mínimo nacional cresceu 5% ao ano, foram repostos apoios sociais, integrados trabalhadores precários no Estado e travadas as privatizações. Há quase quatro anos, os prognósticos da direita política não podiam ser mais dramáticos. O desemprego ia disparar, a economia afundaria, as exportações entrariam em colapso, e tudo culminaria num novo resgate, bancarrota e fracasso da solução política”, lê-se.

Depois, as limitações: a tragédia não veio mas também não é caso para “euforias”, já que o investimento continua a ser insuficiente e as leis laborais não foram alteradas à imagem daquilo que a esquerda preconizava. “Os limites desta política no quadro das imposições europeias também estão claros. A despesa com serviços públicos continua a ser insuficiente, a legislação laboral continua a promover a precariedade e a compressão dos salários, os níveis de investimento público estão historicamente baixos. É preciso ir mais longe. É preciso fazer melhor”, dizem.

Ou seja, com uma no cravo e outra na ferradura, o discurso político do Bloco de Esquerda para o próximo ciclo eleitoral vai assentar na mesma ideia: “ainda não saímos da crise”, a “ameaça” da “frágil recuperação económica” permanece no horizonte, continua a ser preciso “romper com o governo das direitas” e continua a ser preciso “fazer mais”. O que é fazer mais na ótica do BE? É “fazer diferente”. E fazer diferente é acabar com a “armadilha da dívida”.

É preciso mais e melhor, precisamente porque ainda não saímos da crise. Com a frágil recuperação económica sob permanente ameaça, a ideia de que o país pode ficar a pagar uma dívida impagável durante décadas é absolutamente irrealista. É por isso que, depois de romper com o governo das direitas, fazer mais é fazer diferente. A esquerda que o Bloco representa rejeita a armadilha da dívida e a chantagem das instituições europeias e um futuro de subordinação permanente e desenvolvimento adiado”.