O deputado do Bloco de Esquerda, Jorge Costa, questionou as opções de carreira feitas por um ex-ministro dos Negócios Estrangeiros que levaram Luís Amado à cargos de topo na EDP e Banif, empresas com ligações à China e à Guiné Equatorial. O antigo governante, e atual presidente do conselho geral e de supervisão da EDP reagiu com indignação e acusou o deputado de ter “ido longe demais” nas “insinuações” e em forçar a tese “das portas giratórias” entre o poder político e económico.

Depois da maratona de sete horas que marcou a ida do presidente executivo da empresa, António Mexia, ao Parlamento, a audição ao presidente do conselho geral e de supervisão decorria tranquila até que as perguntas chegaram ao deputado do Bloco de Esquerda. Começando por lembrar a carreira política de Luís Amado que foi diplomata e ministro dos Negócios Estrangeiros, Jorge Costa questionou o envolvimento na tentativa de compra do Banif pela Guiné Equatorial e mais tarde numa empresa, a EDP, onde o maior acionista pertence a “mais um estado ditatorial”, a China, que quer controlar a EDP, ou seja, estados estrangeiros que descreveu como tendo “regimes detestáveis”. E a escolha de cargos privados feita por Amado depois de deixar funções públicas.

Para o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, a pergunta do deputado do Bloco de Esquerda “está totalmente deslocada do tema da comissão de inquérito” — as rendas excessivas do setor elétrico. E reagiu com indignação perante a agressividade e o tom ideológico da questão. Sublinhando que exerceu funções públicas durante anos e em regime de exclusividade, Luís Amado afirmou que sempre quis saber como se vive na vida privada. E respondeu com perguntas:

“Não tenho o direito de exercer as minhas competências na esfera privada ao fim de 35 anos de vida política. O que tem de negativo a esfera privada?”

Amado que foi ministro dos Negócios Estrangeiros dos governos de José Sócrates explica que quando saiu da vida pública decidiu que queria fazer experiência nas empresas. E aceitou a função de presidente não executivo do Banif quando este era um banco de uma família privada portuguesa e estava a atravessar dificuldades após a morte do fundador, Horácio Roque. “Tentei salvar um banco e manter ma marca portuguesa que era forte, sobretudo nas ilhas”. E passou ao contra-ataque. E se calhar quando fiz isso o Sr. andou a minar as condições que poderiam ter dado maior estabilidade à situação financeira de Portugal”, então com uma intervenção internacional da troika.

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Luís Amado explica que as interações que fez com a Guiné Equatorial foi com o objetivo de encontrar um comprador para o Banif e em colaboração com as autoridades para tentar encontrar uma solução para o banco que recebeu uma elevada ajuda de Estado e que acabou por ser resolvido no final de 2015 depois de não conseguir devolver esse apoio e captar investimento privado.

“Estou ao serviço do capital estrangeiro? O que o país mais precisa é de capital estrangeiro e o Sr. Deputado com essa atitude afasta o capital estrangeiro”.

Jorge Costa justifica a pergunta. “Não coloquei em causa a sua carreira política” e afirmou que queria saber se o antigo ministro não teria tido outras oportunidades de carreira que não trabalhar com empresas envolvidas com dois estados estrangeiros. O deputado do Bloco invoca “uma interação diplomática fortíssima” que Amado terá tido com a Guiné Equatorial — que veio a entrar na CPLP — e a China quando foi ministro e o posterior envolvimento em cargos e empresas que tiveram relações de investimento com empresas públicas desses países. E justificou a pergunta com o objetivo de ter mais informação sobre a tese das “portas giratórias”, entre o poder económico e poder político, que é um dos temas quentes da comissão de inquérito.

Luís Amado não tem a mesma leitura. Realçou que esteve na vida pública em exclusivo por mais de 30 anos e que agora que está vida privada não irá voltar, pelo que não aceita que se aplique a si o conceito de portas giratórias e acusou Jorge Costa de ir longe demais.

“Colocou em causa a minha vida e isso não esta correto”. Acusou ainda o deputado do Bloco de “manipular” para alimentar a tese das portas giratórias. “E essa insinuação de que a presença de uma empresa estrangeira polui um cargo…. foi longe de mais”.

“Acha que estou impedido de trabalhar em qualquer projeto que envolva um Estado com a qual tive interações como diplomata.” forçou uma tese aplicada a mim”. Amado admite que não estava à espera da pergunta: “Atingiu-me na minha indignidade e eu reagi”.

O tema voltou a ser abordado em tom mais diplomático pelo deputado comunista Bruno Dias que questionou Amado sobre o “padrão de mobilidade” de pessoas que transitaram entre os gabinetes governamentais e as empresas de energia. O “chairman” da EDP garante que nunca viu nenhuma incompatibilidade entre as funções que desempenhou enquanto ministro dos Negócios Estrangeiros e os cargos que desempenha na EDP onde foi vice-presidente do conselho geral e de supervisão entre 2015 e 2018, tendo no ano passado assumido a presidência deste órgão.

Para o ex-governante, o desempenho de cargos em empresas privadas por pessoas que tiveram responsabilidades políticas acontece em todo o lado.

“A função política dá-nos um nível de experiência e conhecimento que qualquer instrução pública ou privada aprecia, em particular no contexto em que estamos a viver.”