Poder-se-ia pensar que no final das suas carreiras, e já ambos sexagenários, Bucha e Estica, aliás Oliver Hardy e Stan Laurel, gozariam de suficiente conforto financeiro para poderem repousar e fazerem só o que lhes desse na real gana. Mas não foi assim. Apesar de terem sido gigantes da comédia e campeões de bilheteira entre as décadas de 20 e 40, Stan e Ollie estavam em tais apertos de dinheiro no pós-guerra, que embarcaram na sua terceira digressão pela Grã-Bretanha, entre 1953 e 1954. O produtor Hal Roach, que os tinha juntado e para o qual haviam trabalhado durante mais de 20 anos, detinha os direitos de todos os filmes da dupla. Não pingava um centavo para eles das constantes exibições nas televisões, e o dinheiro pago pela Fox e pela MGM, para as quais tinham trabalhado após romperem com Roach, não era suficiente para os deixar em situação desafogada.

[Veja um filmezinho de Bucha e Estica:]

Sem terem quem apostasse neles para fazer filmes, e ultrapassados em popularidade e estilo de comédia por uma nova leva de cómicos, Bucha e Estica investiram assim em atuações ao vivo nos teatros de Inglaterra à Irlanda. É aí, no ocaso das suas carreiras, com Ollie já a sofrer de sérios problemas de saúde, e acompanhados pelas respetivas mulheres (a terceira de Oliver Hardy e a quarta de Stan Laurel), que “Bucha e Estica”, de John S. Baird, vai encontrar o lendário duo do cinema cómico mudo que tinha conseguido fazer a passagem para o falado, recordar a sua derradeira digressão e a última vez que trabalharam juntos. E fá-lo tomando liberdades cronológicas, factuais e dramáticas, a bem do efeito patético e do clima melancólico associados ao velho tema do nadir do actor cómico, outrora glorioso ou não.

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[o trailer de “Bucha e Estica”:]

Os mais puristas torcerão o nariz a algumas dessas liberdades (por exemplo, Stan e Ollie actuaram quase sempre em casas cheias e não andaram a penar por teatros de segunda no início, não houve nenhuma zanga entre ambos que ameaçasse a continuidade da digressão, e da parceria, a crise cardíaca de Ollie deu-se após um espectáculo e não em público durante um concurso de beleza onde eles eram júris e o projecto da comédia sobre Robin dos Bosques já tinha ido por água abaixo um ano antes), e o enredo do filme é daqueles de juntar os pontinhos. Mas o que importa, e o que faz todo o interesse de “Bucha e Estica”, são as interpretações de John C. Reilly em Oliver Hardy e Steve Coogan em Stan Laurel.

[Veja uma entrevista com os dois atores e o realizador:]

Reilly e Coogan estudaram-nos diligente e aturadamente e são as suas caras chapadas, mas vão para além da mera parecença física. Sem forçar qualquer nota nem exibir o trabalho por trás das personificações, apanham-lhes à lupa os maneirismos, as facécias, os tiques, os modos de estar e os feitios, quer quando estão num “set” de cinema ou no palco, quer fora deles; bem como os estilos de representação e a precisão “invisível”, de relojoaria, com que se sintonizavam e desdobravam numa jubilatória e imparável catadupa de “gags”. Os dois atores, e o filme com eles, transmitem-nos ainda, esquivando o sentimentalismo pegajoso, além da cumplicidade e da empatia, a relação profundamente fraternal, que ia muito além da simples amizade, existente entre o inglês magrinho e o americano gordalhufo, sem esquecer a bonomia, cortesia e modéstia de ambos.

[Veja uma cena do filme:]

É que a par de serem cómicos superlativos que ocupam um lugar de topo no Olimpo do riso, e da comédia cinematográfica, Bucha e Estica eram boa gente. Stan Laurel fazia questão de responder pessoal e atenciosamente a cada carta de fã que recebia, e Oliver Hardy teve o nome na lista telefónica de Los Angeles até morrer e atendia as chamadas dos admiradores, ficando às vezes a conversar com eles longamente. Depois da morte do seu amigo e parceiro, em 1957, Stan (que viveria até 1965) recusou-se sempre a contracenar no cinema, em palco ou na televisão, com qualquer outro cómico, e continuou a escrever material como se Ollie ainda fosse vivo. Eles eram como duas ervilhas numa vagem, gémeos siameses da gargalhada. E “Bucha e Estica” mostra, com competência e afecto, como a expressão “união perfeita” lhes serve de sinónimo.