Falemos de viagens de avião. Da que fez Luís Buchinho quando, com a coleção do próximo inverno na mala, voou do Porto para montar um desfile durante a Semana da Moda de Paris. Mas, muito antes dessa, da da britânica Amy Johnson, uma das mais notáveis aviadoras do século XX. Em maio de 1930, com 26 anos, foi a primeira mulher a voar sozinha do Reino Unido à Austrália, percorrendo cerca de 18.000 quilómetros em 19 dias. O seu marco ficou para a história, a sua silhueta, certamente pouco preocupada em seguir as tendências da altura, foi, muitos anos mais tarde, recuperada pelo criador português. Buchinho partiu de um ícone da aviação feminina e levantou voo a uma das suas melhores coleções.

Amy Johnson em 1930, o ano em que voou sozinha do Reino Unido à Austrália

“Durante a pesquisa para o tema da coleção, deparei-me com imagens de umas grelhas. Aquilo lembrou-me logo os mecanismos no interior das asas dos aviões. Continuei a procurar e achei que aquelas mulheres transmitiam uma ideia de força e que tinham um lado masculino muito presente, algo que também gosto de ver numa figura feminina”, explica Luís Buchinho ao Observador, após o desfile da passada quarta-feira, em Paris. O designer não abriu mão da feminilidade — aliás, as suas criações acabam por nunca assumir essa dimensão no seu estado mais puro, quase como se houvesse vestígios de uma implacável agente da KGB debaixo de cada blusão de cabedal. Mas aqui, embora as musas sejam mulheres de trajetórias louváveis, falamos de um guarda-roupa de trejeitos masculinos.

Na passerelle, montada no Oratoire du Louvre (uma igreja erguida no século XVII e convertida em templo protestante em 1811), vimos as duas faces da mesma inspiração — a rigidez do couro e a densidade das lãs em contraste com a leveza das sedas plissadas. No limite, com a ajuda das ventoinhas dispostas ao fundo da sala, a fluidez das saias e dos vestidos só veio atestar as próprias leis da aerodinâmica. “A coleção foi trabalhada em dois polos extremos — as peças mais emblemáticas da aviação, como os macacos, os bombers, as botas e os capuzes, e o imaginário das pin-ups que eram pintadas nos aviões, com as saias soleil e as blusas estampadas. Juntar essas duas coisas numa só é ter a definição da mulher Luís Buchinho”, refere o criador.

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Um dos coordenados do desfile de Luís Buchinho. Como todos os outros, de cabelos ao vento © Ugo Camera

O desfile arrancou com sweatshirts oversized, peça difícil de antever numa coleção de Buchinho, pelo menos até agora (têm uma “conotação urbana”, segundo o criador). A atenção ficou, desde logo, nas mangas, trabalhadas com volumes de proporções gráficas, tal como os encaixes de cabedal nos casacos que, embora bidimensionais, alongaram as silhuetas, manequim após manequim. Os macacões, outro ponto alto da coleção “The Missing Airplane”, quebraram a lógica de camadas predominante nos restantes coordenados, apesar de eles próprios exibirem sobreposições e combinações de diferentes materiais.

Uma coleção construída de forma natural, segundo garante o próprio designer. Em vez de comercial, Buchinho prefere usar o termo apetecível. Afinal, parece que, aplicados à moda, os altos voos de Amy Johnson — e de outras que se destacaram numa área dominada por homens — reforçaram o apelo da coleção na passerelle. “Quero que olhem para as peças e que queiram estar naquelas peças”, afirma. De óculos de sol e sem medo de alturas, a mulher Luís Buchinho segue para o Porto. O criador português volta a apresentar a coleção outono-inverno 2019/20 na edição do Portugal Fashion, a decorrer de 14 a 17 de março.

Diogo Miranda: um novo guarda-roupa para Éliane

No mesmo dia e na mesma nave imponente, Diogo Miranda revisitou um clássico do cinema. “Indochina”, filme de 1992, foi o ponto de partida para os primeiros esboços do próximo outono. Não tanto o filme no seu todo, mas em especial Catherine Deneuve no papel de Éliane. Afinal, se existem silhuetas especiais, esta é uma delas. Do guarda-roupa da protagonista às fardas dos marinheiros, o designer português criou uma coleção invulgarmente leve e vaporosa para uma estação fria. “Joguei muito com o lado masculino, mas sempre direcionado para a silhueta feminina. Talvez, até aqui, tenha feito mais formas oversized. Desta vez, optei por explorar uma forma mais feminina”, explica Diogo ao Observador, minutos após o desfile em Paris.

A atriz francesa Catherine Deneuve é Éliane, no filme “Indochina” © IMDB

Resumindo: menos rigidez e estrutura (exceto em alguns casacos que assim o pediam), mais fluidez e leveza. Os fatos não fugiram a uma certa dose de inspiração náutica, enquanto as restantes silhuetas se aproximaram dos anos 40, com saias plissadas e camisas de laçada. Um padrão com correntes foi feito em exclusivo para a coleção, tudo o resto se cingiu à simplicidade de uma paleta essencialmente neutra, composta por marfim, cinzento, bege, preto e azul-marinho.

Mas o que seria de Diogo Miranda sem os seus vestidos de cocktail? Até nesses, o criador seguiu fórmulas diferentes — assinalou-lhes os ombros ao de leve e investiu no movimento e na textura, mas do que na ostentação da forma (embora não tenha resistido a apresentar um exemplar com oito metros de tecido só em mangas. “São volumosas, mas não são estruturadas. Não é pesado, deixa respirar”, esclarece.

O final do desfile de Diogo Miranda, no Oratoire du Louvre © Ugo Camera

Talvez porque a intemporalidade das peças seja uma preocupação que está a crescer dentro da marca Diogo Miranda. “É importante que uma cliente compre uma peça a saber que pode continuar a usá-la daqui a um, dois, três anos”, acrescenta. Apresentar trabalho em Paris ajudará, certamente, a passar a mensagem. Por via das dúvidas, Diogo Miranda não fica por aqui e regressa com um novo desfile, também na próxima edição do Portugal Fashion em solo nacional.

O Observador viajou para Paris a convite do Portugal Fashion.