Uma criança argentina de 11 anos foi obrigada a ter o bebé após ter sido violada pelo namorado da avó. A menina e a mãe pediram para abortar — o que está previsto na lei —, mas o governo regional obrigou à continuidade da gravidez e ao parto por cesariana, fazendo assim nascer o bebé que “tem 50% de probabilidades de sobreviver”. A decisão das autoridades está já a merecer a critica de várias associações de defesa dos direitos humanos.

O caso ocorreu na região de Tucumán, norte da Argentina. A rapariga de 11 anos deu entrada no hospital Eva Péron no dia 28 de janeiro com dores de estômago. Após os exames a que foi submetida, acabou por revelar que tinha sido violada pelo namorado da avó, que estava responsável pela sua guarda.

Após a deteção do caso, a criança e a mãe formularam o pedido para interromper a gravidez, o que está previsto pela lei regional. Foi a partir deste pedido que surgiu a polémica. Ao jornal argentino Página 12, Florencia Vallino, advogada da associação de direitos humanos Andhes, revelou que o governo regional de Tucumán não cumpriu o protocolo para casos de violação e que as autoridades tudo fizeram para obrigar a menina a continuar a gravidez até fazer a cesariana, dando assim à luz com 26 semanas de gestação.

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Florencia Vallino revelou ao mesmo jornal que a mãe da criança foi informada pelo hospital de que “o aborto ia provocar uma extração do útero o que levaria a que a filha nunca mais pudesse ter filhos” e que esta andou vários dias sem saber onde devia entregar o pedido para o aborto devido às más informações dadas pelo sistema de saúde regional.

As autoridades públicas foram adiando a decisão de avançar com a interrupção voluntária da gravidez, com o secretário regional de saúde a contradizer o pedido da mãe, afirmando que “a menina queria continuar com a gravidez”.

No entanto, o Página 12 revelou o pedido legal da mãe da jovem que foi violada, levando duas associações de defesa dos direitos humanos, a Andhes e a Cladem, a levar o caso à justiça. A Amnistia Internacional juntou-se ao coro de protestos e disse que “o atraso injustificado no acesso ao aborto violou os direitos da criança, a sua autonomia, privacidade e intimidade, tornando-a vítima novamente”.

A cesariana foi realizada por um casal de médicos do sistema privado de saúde, Cecilia Ousset e o marido, Jorge Gigena, convocados devido à indisponibilidade de todos os médicos do Hospital Eva Péron. Cecilia Ousset disse à Rádio Nacional de Tucumán que todos se mostraram objetores de consciência quanto à realização da cesariana menos ela e o marido. Ousset acabou por delegar a intervenção cirúrgica no marido por se encontrar “esgotada física e emocionalmente”: “Quando entrei na sala e vi a menina foi como ver a minha filha mais nova”, relatou a médica à radio argentina.

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Ousset disse no final da cirurgia que o que foi feito foi “salvar a vida de uma menina que foi torturada durante um mês pelo serviço de saúde”. O seu marido e médico responsável pela intervenção confirmou que a criança se encontra bem, mas que o feto, nascido com 26 semanas de gestação tem poucas possibilidades de sobreviver, apontando para uma percentagem de 50%. A menina de 11 anos deu entrada no hospital com 20 semanas de gestão e a interrupção podia ter sido feita antes das 24 semanas.

Este caso ganha ainda mais relevância nesta região, tendo em conta que no final do ano passado um grupo de deputados regionais apresentou um projeto legislativo para proibir os abortos mesmo em caso de violação, uma medida inédita no país.