Pode não ser propriamente o dérbi mais badalado de Inglaterra, pode não ser sequer o dérbi mais apetecível da Premier League mas é, de longe, um dos dérbis com mais história no futebol britânico, ou não fosse jogado há mais de 125 anos. E sempre com uma história nova para acrescentar ao grande livro de memórias da cidade dos Beatles, como aconteceu na primeira volta quando um lance surreal acabou por dar o triunfo ao Liverpool frente ao Everton no sexto minuto de descontos. Este, além de especial, era importante. Para as duas equipas. Mas também serviu para recuperar alguns episódios que valem sempre a pena.

Liverpool vence dérbi de Merseyside frente ao Everton com golo surreal no último minuto dos descontos

Neste caso, o Sport recordou a improvável amizade entre o carismático Bill Shankly, o treinador mais emblemático de sempre do Liverpool, e Dixie Dean, o melhor marcador de sempre do Everton. Shankly assumia o repúdio pelo rival e teve mesmo uma célebre frase onde dizia que se o Everton jogasse no jardim da sua casa, fechava logo as cortinas. Antes, durante e depois os 15 anos em que esteve no comando dos reds entre o final dos anos 50 e a década de 70, simbolizava como ninguém as divisões desportivas, políticas e económicas entre clubes. Tudo mudou num almoço no Moat House Hotel antes de um Everton-Liverpool.

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Dixie Dean ficou ao lado de Shankly antes do regresso a Goodison Park, estádio onde brilhara mas que não visitava há muito por questões de saúde, a 1 de março de 1980. Foi ali que se eternizou uma ligação quase espontânea entre os dois símbolos. De forma quase trágica, nesse mesmo dia, a antiga glória do Everton morreu. “Pertence à companhia dos maiores dos maiores, como Beethoven, Shakespeare e Rembrandt”, disse Shankly no funeral. Anos depois, no seguimento de um particular em memória das vítimas da tragédia de Hillsborough que vitimou 96 pessoas, um particular transformou o dérbi de Merseyside no jogo da amizade. A rivalidade pode ser centenária mas o enquadramento tornou-a salutar, com uma relação como exemplo.

No lançamento do encontro, Jürgen Klopp falou à luz de 125 anos de história e deixou uma provocação aos toffees, dizendo que, se ganhassem, iriam “celebrar como se fosse a final do Mundial”. Marco Silva acusou o “toque”, sorriu quando foi questionado sobre o assunto, recordou os festejos do alemão em pleno relvado na primeira volta mas quis ser politicamente correto. “É uma partida especial para a cidade e para os fãs, um jogo especial para ambos. De resto, não interessa muito como cada um celebra as vitórias porque importante é ganhar”, disse. Se para o Liverpool o dérbi era fundamental para voltar à liderança, para o Everton, a fazer uma época irregular depois de um grande investimento, também funcionava como tal.

Salah teve a melhor oportunidade do jogo aos 28′ mas Pickford defendeu desta forma para manter o nulo (Shaun Botterill/Getty Images)

Talvez por isso, não foi propriamente um jogo com muitas oportunidades. Aliás, e durante a primeira parte, entre os remates que foram tentados sobrou apenas uma verdadeira oportunidade, quando o Everton perdeu a bola na fase inicial de construção, Salah foi lançado em profundidade mas Pickford conseguiu evitar o golo do egípcio (28′). Depois, os visitados conseguiram uma boa reação, criaram perigo de bola parada (Calvert-Lewin, 52′) e ganharam outro tipo de soluções para “prender” a defesa dos reds quando Richarlison foi lançado em campo (para azar sobretudo de Robertson, que não demorou a ficar amarelado). Pelo meio, Salah voltou a ser protagonista mas, quando ia atirar isolado na área, Keane cortou para canto (56′).

O Liverpool, que desde 1990 não consegue ganhar o título (aí conseguiu o 18.º triunfo e o Manchester United; hoje os red devils já passaram para a frente com 20…), chegou a ter sete pontos de vantagem sobre o Manchester City, ainda teve a “benesse” de uma derrota do conjunto de Pep Guardiola em Newcastle mas foi perdendo margem até passar de novo para a segunda posição com menos um ponto (71-70) quando estamos a nove jornadas do final da Premier League. E os adeptos do Everton, não celebrando propriamente como se fosse a final do Mundial, mostraram-se satisfeitos. Com o resultado, com a exibição e, claro está, com a possibilidade do rival não ser campeão. Já se sabe, amigos, amigos, negócios à parte.