O presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNDH) de Moçambique, Luís Bitone, defendeu esta segunda-feira, em entrevista à Lusa, a declaração de estado de emergência na província de Cabo Delgado para agilizar o apoio humanitário.

“Dada a gravidade da situação, era importante que o Presidente da República decretasse uma medida de emergência para aquela zona”, referiu, acrescentando que a proposta já foi formalizada pela CNDH.

Há deslocados com fome, tal como detidos — em que se incluem crianças, com as mães —, além de condições precárias nos centros de apoio e locais de detenção, relatou à Lusa.

Perante este panorama, a decisão permitiria “alocar mais recursos humanos e financeiros” para ações de socorro e regular a limitação de algumas liberdades e direitos, defendeu.

“Sem um estado de emergência, qualquer limitação de direitos vai ser sempre condenada”, sublinhou Luís Bitone.

Os ataques de grupos armados a locais remotos da província já terão matado pelo menos 150 pessoas desde outubro de 2017 e milhares de pessoas abandonaram as aldeias e as hortas onde cultivavam os seus alimentos, dando origem a um movimento de deslocados em direção às capitais de distrito.

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Para a Comissão de Direitos Humanos de Moçambique, o número de mortes deve estar abaixo da realidade, só que faltam condições, principalmente de segurança, para que entidades independentes produzam novos dados.

“Os acontecimentos do terreno sugerem números acima dos que nos são apresentados. Há eventos que não estão ao alcance das autoridades”, referiu.

Luís Bitone olha para a situação e compara-a a um cenário de guerra.

“Temos relatos que dão conta de que algumas pessoas morreram, não pelo fogo do inimigo, mas pelo fogo das próprias forças moçambicanas. É um contexto de guerra”, acrescentou.

Por outro lado, a CNDH teme pela população albergada em centros de acomodação, “em muitos casos em situações precárias”, assim como pelas detenções feitas pelas autoridades, referiu.

“Há crianças com menos de quatro anos dentro de estabelecimentos penitenciários, menores que foram detidos com as suas mães no contexto das operações” desencadeadas pelas autoridades.

Os menores, em número por determinar, foram identificados pelo comissário provincial da CNDH de visita a alguns locais de aprisionamento, acrescentou Luís Bitone. O mesmo membro da comissão constatou ainda que os pontos de detenção na província não apresentam condições mínimas para receber pessoas.

“Além de estarem cheios, há fome, tanto assim é que fizemos apelos a instituições de caridade e o nosso apelo foi respondido”, disse Luís Bitone, na entrevista à Lusa.

Só em Pemba, capital provincial, há cerca de 200 pessoas detidas, acusadas de envolvimento na violência armada que afeta a província – o Tribunal Judicial da Província de Cabo Delgado marcou para o dia 24 de abril a leitura da sentença no julgamento coletivo.

As detenções e o julgamento em curso não têm conseguido conter o conflito, multiplicando-se ataques por parte de grupos armados e acusações sobre abusos de direitos humanos por parte das Forças de Defesa e Segurança (FDS), nomeadamente pela Human Rights Watch.

A onda de violência eclodiu após um ataque armado a postos de polícia da vila de Mocímboa da Praia por um grupo com origem numa mesquita local que pregava a insurgência contra o Estado e cujos hábitos motivavam atritos com os residentes desde há dois anos.

Na última semana, uma caravana automóvel de trabalhadores nas obras de gás natural foi atacada e um deles morreu, naquela que foi a primeira ocasião em que bens e propriedade ligados a uma petrolífera estiveram na mira dos agressores.