Estamos num momento de transformação, assim defende Al Gore. “Isto é de loucos! Temos que parar com isto”, gritou o autor do documentário “Uma Verdade Inconveniente”, num alerta claro, deixado esta quinta-feira na Alfândega do Porto, na segunda edição da Climate Change Leadership, que no ano passado teve Barack Obama como orador principal. O grito de revolta de Al Gore foi, ao mesmo tempo, um apelo para a aposta nas energias renováveis, para que a economia mundial reduza significativamente a dependência de combustíveis fósseis como fonte de energia, mesmo que estas continuem a obter um maior financiamento.

Como exemplo, o prémio Nobel da Paz em 2007 (em conjunto com o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas das Nações Unidas), argumentou que “a energia retida pelo homem faz com que a poluição do aquecimento global” seja agora equivalente “a explodir 500 mil bombas atómicas de Hiroshima por dia, 365 dias por ano”.

A transformação desta explosão exige responsabilidade de mudança, até porque, como reconheceu o antigo vice-presidente dos Estados Unidos da América, os novos consumidores estão mais preocupados com a sustentabilidade do planeta do que, propriamente, as gerações que podem fazer a diferença hoje e já.

“Políticos no Reino Unido são cobardes por não permitirem segundo referendo ao Brexit”

A crise dos refugiados foi um dos temas em destaque nesta cimeira do clima, no Porto. Al Gore apresentou um dos cartazes usados no Reino Unido na campanha pela saída da União Europeia, que mostrava uma longa fila de migrantes e a mensagem “Breaking Point. EU has failed us all.”, apelando ao controlo de fronteiras. O democrata apelidou-se como um “político em recuperação”, e apesar de reconhecer que tem problemas que cheguem no próprio país, chamou “cobardes” aos políticos britânicos por não permitirem um segundo referendo ao Brexit. Antes tinha aconselhado os ingleses a manterem a abertura ao mundo, servindo um vinho do Porto. Os recados a Donald Trump, também não tardaram, e Al Gore deixou claro que o saldo migratório de mexicanos que entram e saem dos Estados Unidos é negativo.

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A crise climática pode dar uma maior escala à crise dos migrantes, segundo Al Gore, que advoga que no final do século, o mundo deparar-se-á com mil milhões de “migrantes do clima”, pessoas que “não são terroristas, têm fome”, mas que poderão ser forçadas a abandonar os países de origem, pelo simples facto de as alterações climáticas tornarem os territórios onde vivem inabitáveis, como os casos do Médio Oriente, ou do Norte de África. Este foi mais um momento de exaltação do Nobel da Paz.

Al Gore na cimeira do clima, na Alfândega do Porto.

A poluição e o aquecimento global têm consequências notórias, e Al Gore elucidou a plateia com vários vídeos e imagens que mostram situações inusitadas como um polvo num parque de estacionamento em Miami durante uma inundação, ou um orangotango a tentar impedir que humanos com uma retroescavadora destruam o seu habitat. Outras imagens são mais fáceis de recordar por todos, como as de tempestades, caso do furacão Florence em 2018, nos Estados Unidos — fenómenos que de acordo com Al Gore se intensificam com o chamado “rio atmosférico”, com a libertação de humidade para a atmosfera a dar origem a autênticas “bombas de chuva” e a recordes de precipitação registados nos últimos anos.

Outra das consequências do aquecimento global são as secas e os grandes fogos florestais. Al Gore deu o exemplo do próprio país, com a vaga de incêndios que destruiu grande parte da mancha verde do estado da Califórnia e remeteu ainda para as altas temperaturas sentidas na Austrália, mas Portugal não ficou de fora. Lamentando o facto de recordar as memórias ainda vivas na cabeça de todos os portugueses, o candidato democrata à presidência dos Estados Unidos da América em 2000, mostrou imagens dos fogos de Pedrogão Grande em junho de 2017, e de Braga, nos fogos de outubro do mesmo ano.

A luta pela descarbonização do planeta pode não estar vencida, mas Al Gore mantém-se otimista com as trajetórias adotadas por vários países, e dando um exemplo, mais uma vez sui generis e divertido, do Museu do Carvão do Kentucky, cuja energia passou a ser alimentada por painéis solares, voltou a apelar à mudança de hábitos.

O Acordo de Paris, assinado em 2015, foi descrito, na cimeira do clima na Alfândega do Porto, como um passo importante, e Al Gore acredita que a decisão de Donald Trump de retirar os Estados Unidos do entendimento poderá ser revogada, até porque a lei, americana e internacional, “estabelece que o país só pode sair no dia a seguir ao próximo presidente tomar posse, que tem 30 dias para reverter a decisão”. Certo é que Al Gore espera mesmo que, por essa altura, Trump já não seja o principal líder norte-americano.