Se não há informação para fundamentar perguntas não há audições. Foi este o sinal dado numa das primeiras reuniões da nova comissão de inquérito à Caixa Geral de Depósitos, a terceira esta legislatura, que vai voltar a abordar os mesmos temas: a recapitalização do banco do Estado e a gestão que conduziu a essa necessidade de capital, quase quatro mil milhões de euros aplicados em 2017.

Com novos poderes dados pelo quadro legal publicado este ano, que permite o acesso a dados antes protegidos pelo sigilo bancário, os deputados colocaram a pressão sobre as entidades a quem pediram os documentos. Desta vez, Caixa e Banco de Portugal não podem escudar-se nos mesmos argumentos invocados em inquéritos anteriores para recusar prestar a informação. Sendo assim admitem adiar as três audições já marcadas para a próxima semana, se entretanto não receberem informação considerada essencial para conduzir estas audições. Em causa estão vários documentos pedidos à CGD, como atas de reuniões do conselho de crédito, do departamento do risco ou do próprio conselho de administração do banco, mas também documentação pedida ao Banco de Portugal, para além de dossiês de crédito.

Esta quinta-feira foi decidido dar um prazo até amanhã, à hora de almoço (meio-dia), para avaliar a informação recebida e o que está em falta para depois decidir se estão reunidas as condições do ponto de vista da documentação para realizar as primeiras audições agendadas para a próxima semana: EY no terça-feira, Governador do Banco de Portugal na quarta-feira e Vítor Constâncio, que foi governador antes de Carlos Costa, na quinta-feira. A expetativa é a de que chegue alguma documentação, mas não toda e logo será avaliada a possibilidade de adiar as primeiras audições uma semana. Esta questão será mais relevante num eventual reagendamento das audições a Carlos Costa e a Vítor Constâncio.

No caso do atual governador, há um pedido do CDS que passou a ser considerado urgente e que pede o acesso à atas das reuniões do conselho de administração do Banco de Portugal em que foram tomadas deliberações relacionadas com a auditoria da EY à Caixa. Uma das questões que será colocada a Carlos Costa prende-se com a decisão de pedir a escusa de participar em deliberações que resultaram das conclusões da auditoria. O governador auto-exluiu-se sobretudo no que toca a processos de avaliação da idoneidade de antigos gestores da CGD, uma vez que também exerceu funções na administração do banco no período abrangido pela auditoria. A urgência deste pedido seguiu apenas ontem para o BdP.

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Deputados chamam responsável por auditoria interna ao Banco de Portugal

Os deputados aprovaram entretanto mais quatro audições e um dos nomes chamados é o de João Costa Pinto, antigo presidente do conselho de auditoria do Banco de Portugal entre 2014 e 2018 e que conduziu um processo de auditoria interna à atuação do supervisor no colapso do Banco Espírito Santo. Esta audição foi pedida pela deputada do Bloco, Mariana Mortágua.

Esta auditoria “secreta” e de acesso restrito dentro do próprio Banco de Portugal e que apontará para falhas na atuação do regulador e do próprio governador na condução do processo que resultou na resolução do BES, tem sido pedida em várias comissões de inquérito à banca, mas foi sempre recusada. Voltou a ser pedida nesta. Os deputados aprovaram ainda as audições de Manuel Oliveira Rego, que foi revisor oficial das contas da Caixa, de Eduardo Paz Ferreira, antigo presidente do conselho fiscal da CGD, e de João Dias Garcia, secretário-geral da Caixa.

A possibilidade de adiamento das primeiras audições foi inicialmente colocada por Duarte Pacheco do PSD que sinalizou a falta de muitos documentos pedidos, sobretudo atas, mas também dossiês de crédito. E foi apoiada por todos os grupos. Até agora, a comissão de inquérito recebeu a versão não rasurada da auditoria da EY à Caixa, mas o documento entregue acaba por pouco acrescentar à versão já divulgada por um jornal online — o Observador — como notou a deputada do Bloco de Esquerda. Mariana Mortágua considerou que devem ser pedidos mais dados, lembrando que a versão preliminar da auditoria, divulgada por Joana Amaral Dias, tinha informação que não consta do documento final entregue pela Caixa ao Parlamento.

Numa acesa discussão sobre o que deve ou não ser confidencial, a deputada do Bloco lembra que a versão classificada como tal pela Caixa “limita-se a destapar as partes rasuradas daquele que já nos tinha chegado (à comissão de orçamento e finanças).”

“Estamos cheios de pruridos em divulgar uma versão que um jornal online já disponibilizou para toda a gente. Esperávamos uma versão mais completa da auditoria, o que nos foi disponibilizado é o que já estava disponível.”

Os nomes e os milhões apagados da auditoria à Caixa. As 200 operações que provocaram perdas de 1.760 milhões

O presidente da comissão, Luís Leite Ramos, explicou que Paulo Macedo lhe comunicou que esta era a única auditoria na posse da Caixa, com uma versão que acrescenta o código dos nomes que não estão identificados no documento. Sobre a informação pedida e que ainda não chegou, disse que o presidente da Caixa lhe comunicou que aguardava resposta do Banco de Portugal para enviar alguns documentos.

Deputados vão votar audições à porta fechada, caso a caso

Numa reunião em que o relator foi eleito por unanimidade, João Almeida do CDS, o tema que maior discordância gerou foi o tratamento a dar à informação classificada como confidencial pelas entidades que a enviam. Sendo a primeira comissão de inquérito a funcionar no quadro de novas regras mais exigente no acesso à informação antes protegida pelo sigilo bancário, isso não quer necessariamente dizer que essa informação chegue a todos.

João Almeida do CDS eleito relator da nova comissão de inquérito à Caixa

E se esta será a primeira comissão com novos poderes, pode também ser a menos escrutinada pela comunicação social e pelo público em geral, isto porque o diploma aprovado no Parlamento que dá acesso a informação protegida aos deputados, nomeadamente em sede de inquéritos parlamentares, não estende esse acesso ao público em geral, nem aos jornalistas que acompanham os trabalhos das comissões.

O deputado do PSD, Duarte Pacheco, manifestou a sua preocupação pelo efeito da banalização de limites no acesso às audições.

“Isso pode significar que 80% das nossas audições serão à porta fechada, o que nunca aconteceu. Estamos habituados a funcionar com o princípio da transparência e só em condições muito especiais e devidamente justificadas é que se fecham as portas. Este princípio inverte-se com o que está a ser proposto”, isto porque a principal matéria-prima para colocar as questões está nas atas das reuniões do conselho de crédito ou de administração.

Antes, o presidente da comissão, o social-democrata Luís Leite Ramos, alertou para a necessidade de preservar o sigilo bancário, sobretudo quando estão em causa dados não só dos clientes, mas também que envolvam outros bancos, informação que constará das atas de vários órgãos internos da Caixa que foram pedidas. Em causa não está apenas a não divulgação dessa informação a terceiros, mas também as condicionantes à sua utilização para colocar perguntas nas audições que são de acesso livre. Os deputados admitiram que essa condicionante pode obrigar a fechar o acesso de audições à cobertura jornalística, mas essa é uma decisão que será tomada em função de cada caso  concreto que se venha a colocar, por proposta da deputada Mariana Mortágua.