A saída do Museu Nacional da Música (MNM) de Lisboa para o Palácio Nacional de Mafra é justificada pelo Governo “na lógica da descentralização”, mas criticada por investigadores, músicos e por um ex-titular da pasta da Cultura.

José Sasportes, ministro da Cultura em 2000/2001 e ex-presidente da Comissão Nacional da UNESCO, fala em “catástrofe”, enquanto o pianista Artur Pizarro considera Mafra o “pior local geográfico”, onde “não há instrumento que resista”, mesmo com “muito ar condicionado e muito desumidificador”. A diretora do Conservatório Nacional de Música de Lisboa e os herdeiros de Michel’Angelo Lambertini, impulsionador da criação de um museu de instrumentos no início do século XX, juntam-se às críticas.

O Ministério da Cultura, contactado pela agência Lusa, justifica a instalação em Mafra “na lógica da promoção da descentralização e do reforço da coesão territorial que este Governo tem procurado prosseguir”.

Mafra reúne todas as condições para a instalação do MNM”, afirma o Ministério da Cultura, acrescentando que “a transferência para Mafra tem vindo a ser analisada desde 2013”.

Acrescenta o gabinete da ministra da Cultura, Graça Fonseca, que “o projeto vai ser desenvolvido ao longo deste ano e o museu deverá abrir ao público [em Mafra] em 2021”.

Os contestatários da descentralização, por seu lado, lançaram uma petição ‘on-line’ contra a mudança. Argumentam perda de identidade do museu, risco de preservação dos instrumentos, perante o clima de Mafra, corte de ligação com escolas de música e quebra de público para uma programação que tem sido “dinâmica”, em Lisboa.

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A diretora do Conservatório Nacional de Lisboa, Lilian Kopke, afirma que um museu da música “não é estático e será, provavelmente, mais vivo em Lisboa, do que Mafra“. Para os herdeiros de Michel’Angelo Lambertini (1862-1920), que idealizou o museu, a instalação em Mafra é “uma traição à sua memória”, pois “sempre sonhou e se bateu” pela sua localização em Lisboa, como disse à Lusa a sua bisneta Maria Lambertini.

O protocolo para a instalação do MNM na ala norte do Palácio Nacional de Mafra foi assinado no passado dia 31 de janeiro, entre a Direção-Geral do Património Cultural (DGPC) e a câmara de Mafra.

O Ministério da Cultura, na resposta enviada à agência Lusa, defende que “a presença da música em Mafra – através dos seis órgãos de construção portuguesa, do conjunto único no mundo dos carrilhões e do valioso setor de obras musicais existente na Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra – permite construir um discurso museológico coerente, a que não são alheias as dimensões do próprio espaço físico do Palácio Nacional de Mafra”.

Segundo o ministério, “todos os espaços visitáveis do MNM ficarão localizados no piso nobre do Palácio, cumprindo todos os requisitos de acessibilidade para visitantes e funcionários e até para as próprias coleções, sobretudo quando se tratam de instrumentos de grande porte e peso”.

O ministério dirigido por Graça Fonseca recorda que “há 25 anos que o MNM está em instalações provisórias, na estação do Metro do Alto dos Moinhos”, em Lisboa.

Pareceu-nos imperativo não só encontrar um espaço definitivo, mas dotar o museu de instalações adequadas ao seu efetivo funcionamento, a par de condições apropriadas para a exposição da maior parte do espólio”, sublinhou o ministério.

O gabinete de Graça Fonseca recorda ainda que “a área útil [atual] do MNM é de cerca de 2.000 metros quadrados, [e no] novo espaço, esta será aumentada em cerca de 1.000 metros quadrados, o que corresponde a mais 30%. Acresce ainda uma área exterior com mais de 1.200 metros quadrados (jardins, claustro e galerias do claustro), que podem ser utilizados para concertos e eventos”.

O minsitério lembra que, desde 1991, se encontram no Palácio Nacional de Mafra pianos, “em reserva do MNM, que terão, agora, condições para serem expostos”.

“Tecnicamente, a ala norte [do Palácio de Mafra] oferece maior estabilidade ao longo do ano, em termos de humidade relativa e temperatura”, garante o Ministério da Cultura, acrescentando: “Esta solução permite ainda uma articulação entre os discursos museológicos do Palácio Nacional de Mafra e do MNM, não comprometendo a afirmação da identidade de cada uma das instituições”.

A ideia de instalação do museu da Música em Mafra remonta ao executivo de Pedro Passos Coelho, quando Jorge Barreto Xavier, então secretário de Estado da Cultura, contrariando um anúncio do anterior executivo socialista, de instalação nos arredores de Évora, se decidiu pela instalação do MNM em Mafra.

O MNM, originalmente Museu de Instrumentos Musicais do Conservatório de Lisboa – como ainda é referido por gerações mais velhas -, teve origem num corredor do Conservatório Nacional, no Palácio dos Caetanos, ao Bairro Alto, passou pelo Palácio Pimenta, no Campo Grande, por uma sala da Biblioteca Nacional e o acervo esteve ainda temporariamente armazenado em Mafra – mas não exposto -, de onde os instrumentos foram retirados numa ação de “salvamento”, como recordou à Lusa a professora de piano do Conservatório Elisa Lamas.

O museu esteve para ser instalado no Palácio Cabral, à calçada do Combro, no Palácio Ratton, à rua do Século, até que há 25 anos se estabeleceu, provisoriamente, na estação de Metropolitano do Alto dos Moinhos, em Lisboa.

“Não seriam as melhores condições. Precisa de mais espaço. Mas pela primeira vez a coleção era exposta de forma mais condigna, e criou rotinas de programação e público”, disse o músico Wagner Diniz, antigo diretor da Escola de Música do Conservatório Nacional, fundador e coordenador do projeto Orquestra Geração, referindo-se à presença do museu no Alto dos Moinhos.