A Associação Sindical dos Juízes considera que os números de violência doméstica causam indignação e reconhece que existe um problema quando há um desfasamento entre as decisões dos tribunais e o que a sociedade pensa que estes deviam decidir.

“Se existe um problema este é encarado pelos juízes de forma decidida, séria e responsável sem receios nem complexos”, refere a associação numa mensagem em vídeo a propósito do Dia Internacional da Mulher, acrescentando que “o que se apurar que deve ser corrigido corrige-se”.

Segundo a organização que representa os juízes portugueses, existe um problema que deve ser estudado quando há um desfasamento entre o que os tribunais fazem quando tratam da violência doméstica e o que a sociedade pensa que fazem ou deviam fazer.

Lembrando os recentes casos de morte em contexto de violência doméstica assim como as mais de 26 mil participações em tribunal e 1.457 condenações, a Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) defende que os números têm de provocar indignação e que se “há decisões judiciais que suscitam perplexidade e critica isso exige uma profunda reflexão” sem deixar de olhar para a lei.

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Relativamente às leis portuguesas, a ASJP explica que o quadro legal português tem um regime de suspensão de penas até cinco anos mais permissivo da Europa.

Em declarações à agência Lusa, o presidente da Associação Sindical dos Juízes, Manuel Soares, explicou que, exceto Portugal e França, não existe mais nenhum país da Europa em que seja possível suspender uma pena de prisão de cinco anos.

“A regra são dois anos, há países onde é um ano e há países que é de três anos, como nós tínhamos em 2007”, disse adiantando que esta matéria deve ser analisada, aferindo se é este modelo que Portugal quer, ou seja, permitir a suspensão de uma pena de um crime grave.

Para estudar o problema que detetam de desfasamento entre o que os tribunais fazem quando tratam da violência doméstica e o que a sociedade pensa que fazem ou deviam fazer, os juízes defendem o levantamento e o estudo das decisões judiciais sobre estes casos e a comparação com outros sistemas europeus.

Por outro lado, com o objetivo de avaliar se é preciso ajustar a lei, a ASJP considera que é necessário colaborar com outras instituições, realizar um estudo científico em parceria com outras instituições relevantes e realizar uma análise valorativa das decisões de forma a aferir “se as sentenças são ou não discriminatórias”.

Neste sentido, Manuel Soares explicou que está já em curso um estudo que deverá estar concluído no prazo de um ano, a realizar por uma universidade, que analisará os crimes de violência doméstica e os crimes contra a liberdade sexual para encontrar a resposta a duas questões: existe ou não discriminação de género nas sentenças dos tribunais e se as decisões variam consoante o juiz ser mulher ou homem.

Os juízes anunciam ainda que o XII Congresso dos Juízes Portugueses, a realizar em 2020, terá como tema central a criminalidade relacionada com o género, incluindo crimes de natureza sexual, violência doméstica e a problemática da família.

“Primeiro o tema é importante, se fosse insignificante mesmo que houvesse clamor social não mereceria a nossa atenção. Em segundo não somos surdos nem cegos. Se o povo, em nome de quem julgamos, parece dizer-nos que há um problema a nossa obrigação é ver se o problema existe e se existir ver como corrigimos”, explicou.

Em Portugal, segundo a ASJP, a justiça é plural, as mulheres estão em maioria nas faculdades de direito e são hoje mais de 60 por cento dos efetivos do Ministério Público e da magistratura judicial, mas “sejam homens ou mulheres os objetivos dos juízes é o mesmo: Justiça, confiança e proximidade”.

Recentemente o juiz desembargador Neto de Moura foi transferido da secção criminal para a secção cível do Tribunal da Relação do Porto, deixando de julgar casos de violência doméstica, na sequência de um episódio relacionado com sentenças sobre violência doméstica.

Neto de Moura, que se encontrava na 1.ª secção criminal, tem sido criticado por decisões judiciais em casos de violência doméstica, tendo-lhe sido instaurado um processo de inquérito pelo Conselho Superior da Magistratura que deliberou aplicar ao juiz a sanção de advertência registada.

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