A remontagem de uma ópera que se estreou no Teatro Municipal São Luiz em 1894 – “A Filha do Tambor-Mor”, de Jacques Offenbach – é a principal proposta do programa que assinala os 125 anos de existência desta sala lisboeta, informou na sexta-feira de manhã a diretora artística do São Luiz, durante um encontro com a imprensa. “O mote desta programação é memória e futuro, porque a memória serve para refletirmos sobre novos caminhos”, sublinhou Aida Tavares.

Os vários espetáculos, quase todos em estreia absoluta, serão levados a cena a partir deste sábado, dia 9, até ao início de dezembro, abrangendo a atual temporada e a próxima. Aida Tavares revelou também que em setembro será publicado um livro com coordenação da jornalista Vanessa Rato, projeto que classificou como “pioneiro”. É uma edição conjunta da Imprensa Nacional e do São Luiz, estará disponível nas lojas e inclui um levantamento histórico bem como textos de Filipe la Féria, António Pinto Ribeiro, Luís Bragança Gil, André e. Teodósio, Odete (artista multidisciplinar) ou Joacine Katar Moreira.

A divulgação do programa começou pouco depois das 11 da manhã, com jornalistas e convidados concentrados no átrio do teatro, onde de repente surgiu o ator Francisco Goulão, de fraque, para executar um excerto de “Espetáculo Guiado”, precisamente a proposta que dá arranque ao programa dos 125 anos. “Espetáculo Guiado” é uma criação de André Murraças, estreada em junho do ano passado, então protagonizada por Vítor d’Andrade, e consiste num percurso por vários espaços do São Luiz. Terá apresentações neste fim de semana, dias 9 e 10, e reposição a 13 e 14 de abril. 

Marcaram presença Catarina Vaz Pinto, vereadora da Cultura de Lisboa; Joana Gomes Cardoso, presidente da EGEAC (empresa municipal de cultura, que tutela o São Luiz); e vários artistas que irão apresentar-se ali nos próximos meses. Os jornalistas foram convidados a subir ao palco, com Aida Tavares como anfitriã, ao lado de Joaquim René, diretor executivo.

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O “magnífico programa” de aniversário, nas palavras de Catarina Vaz Pinto, “revela quão importante é o São Luiz como teatro da cidade”, referiu. “A ideia de participação e envolvimento das várias comunidades artísticas, e esta ideia de trazer cada vez mais público ao teatro e envolver os cidadãos na fruição e construção dos espetáculos é uma marca do nosso tempo”, acrescentou.

Programação dos 125 anos foi conhecida nesta sexta-feira, com os jornalistas a subirem ao palco principal do São Luiz

Por ser Dia Internacional da Mulher, Aida Tavares falou da “representatividade das mulheres na arte”, um tema em que pensa “muitas vezes”, e adiantou alguns números:

  • nove dos 19 projetos que assinalam o aniversário são dirigidos ou codirigidos por mulheres;
  • durante a atual temporada, 21 dos 42 projetos de teatro e dança foram dirigidos por mulheres;
  • nos últimos quatro anos passaram pelas salas do São Luiz 16 mulheres que “nunca antes tinham habitado esta casa”.

Mais tarde, em conversa com o Observador, a diretora artística acrescentou que “há mulheres com enorme capacidade e imenso talento que não são apresentadas nos teatros”, pelo que “a preocupação de paridade deve existir”. “Obviamente, são mulheres em que acredito do ponto de vista artístico, não há cedências nesta matéria”, sublinhou.

Em detalhe, eis alguns dos espetáculos divulgados nesta sexta-feira.

“Xtròrdinário”, 10 a 18 de maio

Encomenda do São Luiz ao grupo lisboeta Teatro Praga, o espetáculo tem a forma de uma gala cabarética, com atribuição de prémios. “Chamámos Boda Xtròrdinário a esses prémios, porque as bodas têm sempre nomes, bodas de ouro, bodas de prata, mas 125 anos não tem nome”, explicou André e. Teodósio, um dos membros daquele coletivo. “É uma gala que passa por todas as épocas da vida do São Luiz e tenta entender o percurso do teatro, não necessariamente através de coisas mais comuns, que já todos sabemos, mas de aspetos menos óbvios. Pegamos no facto de o primeiro grande ‘show’ de travestismo em Portugal ter sido aqui, por volta de 1896, na leitura do Manifesto Futurista, na exibição dos filmes de Leni Riefenstahl. Falamos também das décadas fascistas, décadas racistas, décadas de censura. No fundo, expomos uma ideia de teatro em constante transformação, um sítio que não é só de produção teatral.”

“Xtròrdinário” terá dois apresentadores, as personagens do visconde de São Luiz de Braga (José Raposo) e da rainha D. Amélia (Cláudia Jardim), com a participação musical da dupla Fado Bicha. “É uma apropriação de uma memória. É muito importante o facto de todos os filmes coloniais e racistas do Estado Novo terem sido mostrados aqui, é mesmo muito grave e não se pode branquear. Há que reconhecer, perceber e fazer alguma justiça”, acrescentou André e. Teodósio.

Questionado pelo Observador sobre o lugar do São Luiz hoje em Lisboa, o artista sublinhou que “deve ser dos poucos teatros de Lisboa que organiza programação fora de portas, fora do teatro, o que é raro, e que tem eventos em que ninguém paga para entrar”. Além disso, “consegue juntar arte canónica ou preponderante com coisas dissonantes, sendo disso exemplo a Gala Abraço”, conhecida como Gala dos Travestis, que tem lugar na sala principal desde 1992. “É um trabalho de alguma forma ímpar, há uma tentativa de cisão, de abertura”, notou.

“A Filha do Tambor-Mor”, 22 a 25 de maio

O teatro da Rua António Maria Cardoso, que começou por se chamar D. Amélia, teve inauguração a 22 de maio de 1894, dia do oitavo aniversário do casamento da rainha com D. Carlos I, que estiveram presentes a assistir à ópera “A Filha do Tambor-Mor”, pela Companhia Gargano, de Itália.

Em rigor, trata-se de uma opereta (com partes cantadas e faladas). Desta vez, com direção musical e de orquestra de Cesário Costa e encenação de António Pires. Marca o regresso do São Luiz à produção própria, “o que já não acontecia há muito tempo”, segundo se lê no catálogo da programação.

“A história passa-se no século XIX, quando Itália estava ocupada pelo exército austríacos e fala exatamente da filha de um tambor-mor, um membro do exército, que desaparece e que é reencontrada mais tarde pelo pai, sem que este se aperceba”, resumiu Cesário Costa.

São cinco récitas de entrada livre, com a novidade de os artistas envolvidos serem oriundos de universidades e escolas superiores de música de Évora, Castelo Branco, Aveiro, Porto e Lisboa, com a Orquestra Clássica Metropolitana e um “coro participativo”, feito de 75 intérpretes não profissionais, escolhidos entre a população, e que começaram a ensaiar há cinco meses com o maestro Paulo Vassalo Lourenço. “Seria mais fácil trabalhar com profissionais, esta versão dá mais trabalho, mas é algo muito estimulante para o público, para que as pessoas possam sentir que o espetáculo também é delas”, referiu Cesário Costa.

E ainda…

  • “A Importância de Ser Georges Bataille”, de Miguel Bonneville, de 14 a 19 de maio, novo capítulo de uma série de espectáculos sobre vida e obra de artistas e pensadores com relevo no trabalho de Bonneville;
  • “A Dama das Camélias”, de Miguel Loureiro, em estreia de 6 a 22 de Setembro, a partir do texto de Alexandre Dumas (filho);
  • “A Voz Humana”, de Francis Poulenc e Jean Cocteau, de 20 a 24 de novembro, reposição da versão apresentada em 2016, assinada por Lúcia Lemos, João Paulo Santos e Vasco Araújo, com a curiosidade, propositada, de ter sido o último espectáculo em que entrou Maria Barroso, em 1966, e que foi então interrompido pela polícia política do Estado Novo.
  • “Metrópolis”, 11 a 17 de novembro, uma projeção do famoso filme de Fritz Lang, tal como em 1928. O músico e compositor Filipe Raposo, pianista residente da Cinemateca Portuguesa, vai criar uma partitura original para orquestra de câmara de 15 elementos, que irão aturar ao vivo.