Depois da “turbulência” dos últimos dias e numa altura em que se assiste a “uma violenta crítica de determinadas decisões judiciais, repetidamente transcritas, comentadas e satirizadas”, nomeadamente sobre o polémico juiz Neto de Moura, o vice-presidente do Conselho Superior da Magistratura quebrou o silêncio na sua página oficial de Facebook de recandidatura ao mesmo cargo. Numa publicação feita esta madrugada de sábado, Mário Belo Morgado não refere nomes, mas pede “serenidade e rigor” no escrutínio feito aos juízes, considerando que, “nalguns casos, foram manifestamente ultrapassados os limites da censura pública numa democracia civilizada”.
A publicação foi feita pouco depois de ser conhecida mais uma entrevista do juiz Neto Moura, desta vez ao jornal Expresso, em que o magistrado afirma que os casos que julgou não foram “particularmente graves”. A entrevista surgiu depois de alguns dias a falar-se de um novo acórdão que assinou por violência doméstica, em que o próprio juiz anunciou processar cronistas e humoristas que teceram comentários sobre ele, e em que se soube que seria afastado das decisões criminais e colocado na secção cível do Tribunal da Relação do Porto.
Apesar de nunca falar no nome do colega, Mário Belo Morgado não se referiu apenas a ele. O magistrado falou também, sem especificar, no caso do duplo homicídio do Seixal, na sequência de um caso de violência doméstica, como exemplo de mais uma decisão judicial “deturpada”. “Na sequência da lamentável morte de uma criança, alguns órgãos de comunicação social propalaram uma pretensa negligência na decisão de um processo de regulação das responsabilidades parentais, negligência que em absoluto não se verificava”, disse. Recorde-se que nesse caso o próprio Conselho Superior da Magistratura reagiu após notícias sobre a regulação do poder paternal emitindo um esclarecimento sobre as responsabilidades parentais de cada um.
Mário Belo Morgado compreende “os imperativos de escrutínio público inerente às sociedades abertas e democráticas do século XXI”, mas considera que esse escrutínio “deve decorrer com um mínimo de elevação, num clima de reflexão cívica que não dispensa serenidade e rigor, o que nem sempre tem acontecido”. O magistrado diz mesmo que a maioria dos juízes decidiu não intervir publicamente sobre o tema para não alimentar mais polémicas e para que essas posições não servissem de “pretexto para denegrir a imagem dos Juízes”.
E aproveitou para mandar um recado ao líder do PSD, Rui Rio, mais uma vez sem, dizer o seu nome. O líder social democrata escreveu esta semana na rede social Twitter que espera: “que a polémica em torno de Neto de Moura sirva para se perceber o real estado da Justiça e do corporativismo fechado que o domina. Um aspeto para o qual, ando há muito, muito tempo a apontar”. Para Mário Belo Morgado “o despudorado aproveitamento de casos isolados, dirigido a pôr em causa equilíbrios e soluções institucionais que no essencial estão a produzir resultados muito positivos, evidencia bem a sensibilidade da atual conjuntura”. E cita, também sem dizer o nome do “articulista”, um artigo de Rui Ramos para o Observador: “a indignação das redes sociais deu uma oportunidade aos oligarcas, que a agarraram logo. (…) [a] oligarquia tentou [tenta] transformar ativistas das redes sociais, comentadores de jornais e humoristas de televisão em idiotas úteis”.
O vice-presidente do órgão que regula os juízes deixa claro que compreende que seja necessário comunicar, mas que por vezes pode ser útil o silêncio. E traça um perfil dos magistratura — em que atualmente é maioritariamente do sexo feminino com menos de 45 anos — para afastar acusações de que os juízes portugueses não merecem ” a confiança dos portugueses”. Sublinha, também, “a elevada qualidade da generalidade das milhares de sentenças diariamente proferidas” e a “franca melhoria dos tempos da justiça”.
A polémica dos acórdãos assinados por Neto de Moura sobre violência doméstica, em que chega a usar passagens bíblicas na sua fundamentação, estoirou no verão de 2018 e ainda antes de ser punido com uma advertência pelo Conselho Superior da Magistratura, o juiz pediu para deixar de julgar casos de violência doméstica durante um determinado período. No entanto, o Supremo Tribunal de Justiça não terá aceitado o pedido e só esta semana o magistrado foi afastado para outro serviço.