A jornalista viajou para Londres a convite da EDP

A revisão plano estratégico da EDP “é compatível” com a oferta pública de aquisição (OPA) do maior acionista, a China Three Gorges. A posição foi defendida esta terça-feira pelo presidente executivo da elétrica após a apresentação do plano atualizado para 2022, o qual prevê um foco redobrado nas energias renováveis e uma aposta assumida no mercado norte-americano. Isto não obstante, um dos remédios que pode ser imposto à OPA chinesa pelas autoridades reguladoras seja precisamente a venda dos ativos renováveis nos Estados Unidos ou mesmo uma parte importante do negócio em Portugal.

Numa conferência de imprensa realizada em Londres após a apresentação da estratégia, António Mexia considerou que o plano é “compatível com a oferta”, mas que isso dependerá dos remédios que venham a existir para a OPA ter sucesso. E na sequência desses remédios, admitiu também que a empresa poderá “ter de ser diferente” do que foi proposto esta semana, até porque, tal como Portugal, é uma parte fundamental desta companhia, também os Estados Unidos são uma parte importante da EDP.

Apesar da OPA não estar a condicionar a atuação da comissão executiva da EDP, porque “todos estão a fazer o que devem fazer e todas “estas opções valorizam a empresa e fazem sentido”. Logo, seria “impensável que nesta altura não fizéssemos essa atualização”.

Miguel Setas, Miguel Stilwell, António Mexia e Manso Neto, na conferência em Londres sobre plano estratégico

Há coisas que não podem ser feitas debaixo da OPA, por causa do dever de lealdade, mas essas limitações não estão a condicionar a atuação da empresa até porque, sublinhou, “este plano teve o acordo prévio dos acionistas (representados no conselho geral e de supervisão”, incluindo a China Three Gorges. No limite, o oferente que terá de avaliar.

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Questionado sobre a demora no processo de autorizações da OPA, António Mexia foi cauteloso, dizendo que todos estavam a fazer o que deviam fazer. Mas perante a insistência sobre os prazo ou tempo de vida desta OPA, que leva já dez meses sem cumprir as necessárias condições de sucesso, reconheceu que seria “bom que a clarificação aconteça” e que fosse mais depressa.

O presidente executivo da EDP até sinalizou que espera que as notificações da operação na Comissão Europeia e nos reguladores americanos aconteçam “em breve”.

Depois de afirmar que o processo de autorizações regulatórias está a ser mais longo e complexo do que alguns previam , António Mexia referiu também que o contexto político internacional mudou desde que a China Three Gorges lançou a OPA em maio do ano passado. “É legitimo que o processo tenha uma complexidade adicional porque tem havido evoluções claras em relação ao investimento estrangeiro“, sem se referir concretamente às restrições ao investimento chinês.

Vender o quê em Portugal e Espanha?

O presidente executivo da EDP confirmou que o plano de desinvestimento de dois mil milhões de euros na Península Ibérica pode incluir barragens, para além de centrais de ciclo combinado em Portugal. Sublinhando que o mix ainda não está definido, António Mexia frisou que um dos objetivos será vender ativos que estão expostos ao risco de mercado porque não têm um cash-flow estável, e dentro desse ativos poderão estar centrais hídricas que deixaram de estar protegidas pelo regime dos CMEC (custos de manutenção do equilíbrio contratual).

EDP vai vender algumas centrais na Península Ibérica e quer ser elétrica “verde” até 2030

“É claro que sempre gostamos de reduzir o máximo possível a exposição ao mercado e ter estabilidade de cash-flow.”. Mas isso, assegurou, não tem a ver com os CMEC. O gestor reconheceu que a EDP tem quotas “relativamente grandes de mercado” que é bom reequilibrar. No entanto, realçou também que está completamente fora de causa um desinvestimento na energia hídrica, afinal a EDP vende-se como uma empresa focada na “água, sol e vento” e ambiciona chegar a 2030 com 90% da produção a partir de fontes renováveis.

A venda de ativos vai começar pela redução da exposição a tecnologias mais poluentes, como o carvão e o gás natural, mas pode ir mais longe e o mix entre ativos de Portugal e Espanha está por definir. “Ainda não fizemos o Tratado de Tordesilhas”, mas haverá novidades até ao final do ano. Em Portugal, a EDP tem três centrais térmicas, uma a carvão — Sines — e duas a gás natural — Lares na Figueira da Foz, que foi inaugurada em 2009 — e a TER no Carregado. Apesar da aposta cada vez mais forte nas renováveis, a EDP quer manter alguma capacidade térmica na Península.

E quem vai comprar uma central a carvão, uma tecnologia que está condenada até 2030? Há investidores para tudo, respondeu o presidente da EDP.

rede de distribuição não é uma prioridade, mas pode também entrar nos plano de vendas em Portugal e Espanha, ainda que sempre com uma participação minoritária a terceiros, adiantou Mexia quando questionado sobre a proposta do fundo americano Elliott para a alienação de 49% do capital destas operações. “Consideramos que as redes têm uma oportunidade nesta parte da energia inteligente e são importantes estabilizadores de cash-flows. Não é nossa prioridade”. Além disso, a EDP aguarda pela clarificação do processo de concessão da rede de baixa tensão em Portugal que, diz, vai num caminho mais inteligente, ao manter uma concessão única e não parti-la em três áreas como propôs o regulador.

Quanto à venda da operação no Brasil, também defendida pelo fundo ativista americano que atualmente tem cerca de 2,9% da EDP, António Mexia diz que este mercado “tem de ser visto nas alternativas que valorizam a companhia e neste momento é coerente com a estratégia”. Por outro lado, é uma área em que o “nosso parceiro estratégico tem interesse, temos parcerias e alianças. E temos de equacionar em conjunto com o que é melhor para os acionistas da EDP”.  Sobre se discutiu com a Elliott Management este novo plano, que foi aprovado por todos os acionistas de referência com assento no conselho geral e de supervisão, o gestor diz que a gestão ouve todos os acionistas.

“Temos respeito profundo por todos os acionistas e o respeito é proporcional à quota do seu capital”.

Rentabilidade em Portugal caiu muito, mas EDP reafirma compromisso com o país

Segundo António Mexia, “há uma noção errada do que tem sido a rentabilidade em Portugal, que se reduziu muito em relação ao que era expetável quando se iniciaram os investimentos” que, segundo o presidente da empresa foram os maiores feitos por qualquer empresa nos últimos dez anos. O gestor reconheceu ainda que houve decisões políticas e regulatórias que comparou a “nuvens escuras” para a EDP, nomeadamente o corte de 285 milhões nas receitas dos CMEC imposto pelo anterior secretário de Estado da Energia e que a empresa contesta em tribunal.  No entanto, reafirmou o compromisso da empresa com o mercado nacional.

“Sempre fomos muito comprometidos com o investimento em Portugal. É óbvio que o final de 2017 e 2018 foi um tempo difícil pela introdução de medidas com as quais não concordamos. A estabilidade das regras é uma questão fundamental”. Mas por outro lado, o mundo vai ser descarbonizado e isso implica mais renováveis e a estabilidade das regras.

“Vemos hoje oportunidades em Portugal justamente com o compromisso do país com a transição energética e com os 23 mil milhões necessários para isso. Podem contar connosco. Ninguém está mais comprometido com a Portugal, mas que a nuvem existiu não tenhamos dúvidas”.

Apesar do compromisso, os números avançados pelo administrador Miguel Stillwell na conferência em Londres apontam apenas para investimentos de 500 milhões de euros em Portugal neste período, uma parte relativamente pequena do plano de sete mil milhões apresentado para 2019/22. Neste pacote, 300 milhões de euros serão para as redes de distribuição e 200 milhões para a expansão renovável, incluindo os leilões de potência solar que a EDP está a avaliar.

“Vamos continuar a investir em Portugal, mas nos sítios em que faz sentido. Não é o passado que pode condicionar a responsabilidade que sentimos com Portugal”.

Por outro lado, também é certo que apesar dos desinvestimentos anunciados e de a EDP sublinhar que a maior parte dos lucros vem das operações internacionais, Portugal deverá manter um peso relevante nos resultados brutos em 2022, próximo dos atuais 40% do EBITDA (margem operacional bruta) de uma empresa quer quer transformar-se, mantendo o seu DNA.