O Tribunal de Recurso timorense declarou inconstitucional parte das alterações à Lei de Atividades Petrolíferas, nomeadamente a referência ao novo tratado de fronteiras marítimas entre Timor-Leste e Austrália, segundo o acórdão ao qual a Lusa teve acesso.

A decisão — aprovada pelos juízes Deolindo do Santos e Guilhermino da Silva, com o voto de vencido de Maria Natércia Gusmão — declara “a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral” da alteração na lei sobre a definição do tratado.

Os juízes deliberaram ainda “não declarar nem a inconstitucionalidade nem a legalidade (…) das demais normas” das alterações questionadas pelos deputados.

A decisão surge depois de 23 deputados da oposição apresentarem em janeiro ao Tribunal de Recurso um pedido de fiscalização da constitucionalidade de várias alterações à Lei de Atividades Petrolíferas (LAP) que consideravam ir “muito para além do seu objeto, violando o disposto na lei do Fundo Petrolífero (FP) — lei de valor reforçado ou lei com caráter de prevalência ou proeminência sobre as leis ordinárias que a contrariem”.

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As alterações à LAP são essenciais para que o governo concretize, antes de 31 de março, a compra das participações da ConocoPhillips e da Shell no consórcio do Greater Sunrise, no Mar de Timor.

Fonte judicial do governo disse à Lusa que a decisão do Tribunal de Recurso não afeta o processo de compra que dará a Timor-Leste uma maioria de 56,6% do capital do consórcio.

A notificação do acórdão, com a data de 8 de março, aconteceu na segunda-feira no Parlamento Nacional junto dos 23 deputados requerentes e do procurador-geral da República.

Em concreto, a declaração de inconstitucionalidade abrange apenas a alteração ao artigo 2 da LAP no que toca à definição de tratado.

A versão anterior da lei, de 2005, definia tratado como “o Tratado do Mar de Timor celebrado em 20 de maio de 2002 entre o governo de Timor-Leste e o governo da Austrália”.

Na nova versão o tratado passava a significar “o Tratado entre a República Democrática de Timor-Leste e a Austrália que estabelece as Respetivas Fronteiras Marítimas no Mar de Timor, celebrado em 6 de março de 2018”.

Esse tratado não foi ainda ratificado pelos dois países pelo que, formalmente, não está ainda em vigor, aspeto contestado pelos deputados, aos quais o Tribunal de Recurso deu razão.

No seu pedido de fiscalização da constitucionalidade os deputados contestavam ainda a exclusão do visto prévio da Câmara de Contas, colocando em causa princípios de transparência na gestão financeira do FP e sustentam que a lei se refere a um tratado — o de fronteiras marítimas com a Austrália — que ainda não foi ratificado.

Os deputados sustentavam também que a mudança “viola as competências colegiais do Conselho de Ministros e/ou do governo, nomeadamente o princípio da imodificabilidade de decisões, esvaziando os princípios da especialidade dos órgãos de soberania e da colegialidade”, questionam ainda a retroatividade da sua aplicação e consideram que a superação do veto presidencial não cumpriu as formalidades constitucionais.

As alterações em causa foram aprovadas pela maioria do parlamento, vetadas pelo Presidente, reaprovadas pelos deputados e promulgadas pelo chefe de Estado, tendo a oposição apresentado um pedido de fiscalização da constitucionalidade das mudanças.

As alterações à LAP versam sobre a “participação do Estado em operações petrolíferas”, tendo sido acrescentada a possibilidade de essa participação ser feita “através de entidades integralmente detidas ou controladas” por pessoas coletivas públicas timorenses”.