Foram os críticos (e futuros realizadores) dos “Cahiers du Cinéma” que conceberam e popularizaram o sistema de classificação de filmes por estrelas, de uma (mau) a cinco (excelente). Houve quem ocasionalmente acrescentasse a esta tabela uma bola preta (péssimo). Mas às vezes deparamos com filmes que pedem um outro elemento de pontuação, que eu sugiro ser o “emoji” da cara com a boca aberta de espanto, para designar: “há muito tempo que não via nada tão mau”. É precisamente a classificação que está a pedir “Réplicas”, um “thriller” de ficção científica com Keanu Reeves no papel de um brilhante neurocientista chamado Will Foster, que inventa a clonagem em série em regime doméstico (eu já explico).

[Veja o “trailer” de “Réplicas”]

“Réplicas” é um daqueles filmes inenarravelmente absurdos, descaradamente desastrados e hilariantes sem querer, que não tem lógica, verosimilhança ou sentido, qualquer que seja a ponta por onde se lhe pegue, e cujos defeitos saltam à vista ao fim de uns minutos. Isto embora o realizador, um cepo chamado Jeffrey Nachmanoff, esteja perfeitamente convencido de que ninguém dará por nada. Se “Réplicas” fosse um automóvel, era retirado de imediato da linha de montagem, esmagado numa máquina compressora até ficar sob a forma de um cubo e depois atirado para a sucata. Se fosse um pão, era mandado diretamente para o lixo, porque nem sequer tinha qualidade para ser feito em migalhas e dado aos passarinhos.

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[Veja uma entrevista com Keanu Reeves e Alice Eve:]

Will Foster está a trabalhar, sem sucesso, na transferência da consciência humana para um robô. Uma noite, quando vai no carro com a família, dá-se um acidente e todos morrem menos ele. Em vez de chamar a polícia e o INEM local, Will contacta um colega, levam os corpos todos para casa, instalam lá material do laboratório, e em pouco mais tempo do que leva a assar um peru, ele consegue não só clonar, como também ressuscitar, a mulher (Alice Eve) e a filha e o filho mais velhos (a mais nova é a sacrificada, porque sofreu lesões irreparáveis), que ficam novinhos em folha e prontos para outra, embora um bocado esquecidos. E isto sem ninguém, dos amigos à polícia, dar por nada, do aparatoso acidente à ausência das pessoas e ao desaparecimento do material.

[Veja uma cena de “Réplicas”:]

https://youtu.be/tUDcYW-IItM

E quando tudo parecia ir ficar normal, surge o diretor do laboratório, que se revela ser não uma empresa privada mas sim uma fachada do governo para fazer experiências para uso militar, e que exige a Will o “interface” que lhe permitiu reproduzir e trazer de volta à vida os familiares, senão manda matar toda a gente. A partir daqui, “Réplicas” passa de ser um filme de ficção descerebrado para um “thriller” de ação em piloto automático. Mas não sem que Will, para iludir os perseguidores e se salvar, e aos seus, volte a conseguir não mais uma, mas três “premières” tecnológicas, a primeira de novo usando os familiares, e a segunda ele mesmo e o diretor. Tudo isto é acompanhado de muita conversa fiada técnica e jargão pseudo-científico (“Lançar a sequência de bio-mapeamento!”), e de efeitos digitais que não distraem do incomensurável disparate que temos perante os nossos olhos.

[Veja uma cena de “Réplicas”:]

No final desta versão moderna daqueles velhos filmes de série B sobre cientistas que se tornam demiurgos e perdem o controlo das suas criações, só falta mesmo que Will (que, sejamos justos para ele, Keanu Reeves interpreta, do princípio ao fim, com o ar mais sério, aplicado e profissional deste mundo, a fingir que está a participar numa produção cinematográfica digna e decente, em vez de metido numa risível, incoerente e incompetentíssima pepineira — imaginemos se tivesse sido Nicolas Cage a fazer o papel) receba os Nobel da Química, da Física e da Medicina. Muito embora o seu tema seja o triunfo sobre a nossa condição de mortais, “Réplicas” é um filme em morte cerebral irreversível.