Em 1939, Vicente tinha 5 anos. Uma queda, que o deixou com uma contusão na cabeça, roubou-lhe a memória, na mesma altura em que a Guerra Civil Espanhola lhe roubou os pais. Durante mais de 70 anos, Vicente não soube quem era, nem quais as suas origens. Mas nunca desistiu. E agora um teste de ADN veio devolver-lhe a sua história original, que é contada pelo diário espanhol El País.

Depois da morte dos pais, Vicente estava entregue a uns tios com quem fugiu para Barcelona. Mas era na Colónia Miaja, Cabrera del Mar, que a criança passava os dias. A tia, para poder trabalhar, deixava-o ali e visitava-o aos domingos. Mas um dia, não o encontrou. Durante uma evacuação de emergência, as crianças que ali se encontravam foram retiradas por questões de segurança, acabaria por descobrir a tia de Vicente num jornal, e enviadas para outros locais.

O destino da criança foi a Bélgica. Com ele, levava apenas um papel com o seu nome e o primeiro apelido. Foi adotado, o nome próprio alterado para Vicent, e o papel era o único pedaço da sua história que possuía. Anos mais tarde, a partir da Bélgica, começou a tentar deslindar a sua origem. Sabendo que nascera em Espanha escreveu cartas para as maiores autarquias do país. A partir de Barcelona, era a tia de Vicente que tudo fazia para encontrar o sobrinho, acabando por morrer sem ter sucesso.

Em Bilbao, duas funcionárias decidiram fazer tudo o que podiam para ajudar Vicente. E é no Arquivo Nacional da Catalunha que encontram uma carta de uma tia que poderia ser a da criança e que fez de tudo para tentar encontrá-la. Anotado o seu nome, vem o passo seguinte: descobrir o seu paradeiro. “Umas heroínas que demonstraram uma sensibilidade incrível”, diz Francis Moltó, prima do jovem desaparecido ao El País.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“Aqui temos outra reviravolta da história”, conta ao diário Pere Puig, do Grupo de Identificação Genética da Universidade Autónoma de Barcelona que, no final da história, limitou-se a unir os dois pontos que faltavam, os testes de ADN de Vicente e de um primo. A Generalitat da Catalunha tem por hábito dar medalhas a quem faz 100 anos e quis o destino que fosse o caso da tia. Isso fez com que o seu nome fosse publicado nos jornais e com que a família fosse descoberta.

Infelizmente, tinha morrido há pouco tempo quando a localizaram”, conta Puig, lamentando que a senhora nunca tenha encontrado o sobrinho que tanto procurou.

No entanto, a tia deixou um filho, Valentín. “Pareciam duas gotas de água”, conta a prima Francis Moltó, hoje com 77 anos de idade. “Quando vimos Vicente e Valentín juntos não havia dúvidas. ‘É ele, é ele’, dissemos, ‘é da nossa família'”, recorda.

A confirmação chegou através do teste de ADN que comprovou o que todos intuíam. Vicente e Valentín partilhavam o mesmo ADN mitocondrial, ou seja, eram parentes pelo lado materno.

“Quando juntámos os dois primos, com mais de 80 anos, para a colheita de sangue, sentia-se a emoção no ar”, conta Puig. “Passados dois dias pudemos dizer: sim, são primos. Geneticamente, o seu caso era muito fácil: amostras de sangue de pessoas vivas, com condições muito propícias para procurar ADN mitocondrial.”

O cientista conta ainda que dar resposta a uma pessoa que passou tanto tempo à procura delas, “é muito emocionante”. Mas também sabe que a equipa de geneticistas chegou à história no capítulo final: “Nós apenas colocámos a cereja no topo do bolo.”

A história de Vicente, deslindada em 2014, foi agora publicada, com a autorização da família, numa revista científica especializada, a Forensic Science International.”Tanto quanto sabemos, temos aqui a primeira identificação genética de uma pessoa com amnésia retirada do país durante a Guerra Civil Espanhola e que assim recupera a sua identidade pessoal.”