A Procuradoria-Geral da República (PGR) de Angola garantiu hoje que não fez qualquer acordo com o empresário suíço-angolano Jean-Claude Bastos de Morais que, depois de seis meses em prisão preventiva, foi posto em liberdade na sexta-feira.

A posição foi hoje avançada pela diretora nacional de Recuperação de Ativos da PGR, Eduarda Rodrigues, salientando que aquele órgão de justiça angolano “não tem legitimidade para o efeito”.

“O que sucedeu foi que a Procuradoria-Geral da República, enquanto representante do Estado angolano, promoveu a negociação entre as partes, o Fundo Soberano de Angola (FSDEA) e Jean-Claude Bastos de Morais e as partes Quantum, com vista à recuperação dos ativos, que estava sob a guarda e gestão destas empresas e de Jean-Claude”, adiantou.

“E fizemo-lo com base no histórico que fomos verificando. Quando o processo-crime começou, o que sucedeu é que o FSDEA não dispunha de grande informação, nem de documentos necessários que ajudassem”, referiu.

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De acordo com Eduarda Rodrigues, foram celebrados vários contratos entre o empresário Jean-Claude Bastos de Morais e o FSDEA, durante a administração de José Filomeno dos Santos, “que eram extremamente lesivos ao Estado e extremamente benéficos para Jean-Claude e o grupo, permitindo, inclusive, que as empresas do grupo Quantum criassem novas estruturas nas Ilhas Maurícias, que eram consideradas sociedades em comanditas”, disse.

Essas estruturas, indicou, faziam com que o Estado angolano e o FSDEA perdessem “completamente a visibilidade dos negócios que fossem efetuados entre essas empresas criadas com terceiras pessoas”.

“Ou seja, o FSDEA não tinha noção do que se passava, não sabia que tipo de investimentos é que existiam, não tinha conhecimento dos investimentos”, disse Eduarda Rodrigues, salientando que nem existiam os relatórios trimestrais que o grupo Quantum deveria elaborar para esclarecer o ramo de investimentos e o tipo de investimentos efetuados.

“Na prática, na nossa investigação, não conseguimos receber do fundo soberano esses relatórios, não conseguíamos receber sequer a identificação do património existente, não tínhamos noção de nada. A PGR teve de se socorrer da cooperação internacional”, referiu.

A par de Angola, indicou a magistrada, havia processos cíveis a decorrer no Reino unido, Ilhas Maurícias e Suíça, para a recuperação desses ativos. Contudo, “olhando para os contratos”, disse a magistrada, Angola dificilmente conseguiria recuperar o seu património. “Porque, infelizmente, nós, de forma legítima e legal, cedemos através desses contratos os nossos dinheiros a Jean-Claude Bastos de Morais”, asseverou.

Por altura da criação do FSDEA, recordou Eduarda Rodrigues, foram alocados os 5.000 milhões de dólares (4.415 milhões de euros) para investimentos, que foram subdivididos, no âmbito da sua própria política de investimentos aprovada por decreto presidencial, em três modalidades, sendo que 1.500 milhões de dólares (1.324 milhões de euros) seguiam para ativos líquidos – produtos financeiros -, três mil milhões de dólares em ativos alternativos, para investir em minas, florestas, hotéis.

“É sobre este o valor que o Estado angolano se debatia”, disse. “Os outros montantes sempre estiveram sob a esfera de disponibilidade jurídica do fundo soberano, porque estes valores de 1.500 milhões de dólares já estão sob a égide do Fundo Soberano desde o início”, referiu.

“O Fundo Soberano já conseguiu recuperar a totalidade do valor, o que estava em falta aqui eram os 3.000 milhões de dólares (2.650 milhões de euros), que foram alocados nos investimentos alternativos e foram entregues a Jean-Claude para investir em estruturas de ‘private equity’ nas Ilhas Maurícias, nessas sociedades que foram constituídas estruturas que o fundo desconhecia o tipo de investimento, foi isso que nós recuperamos”, disse.

Segundo a magistrada, a negociação é uma via muito importante e a PGR, sempre que estão em causa valores muito altos, “e na situação em que se estava a viver, com grandes probabilidades de se perder esse património, foi a melhor via”.

“Estamos a falar da recuperação de ativos, que é muito diferente da investigação criminal, o nosso processo corre por apenso ao processo criminal. Os meus colegas vão continuar a fazer o trabalho deles, para perseguir o crime, mas nós tudo faremos para perseguir o património”, acrescentou.

Recordou que os contratos entre o Fundo Soberano e Jean-Claude e o grupo Quantum Global permitiam que o empresário e as suas empresas “ganhassem muito com fins de gestão”.

“Os honorários que eles auferiam eram muito acima da média recomendada nos fundos soberanos”, disse Eduarda Rodrigues, sublinhando que, dos 0,85% e 1% normais, os mesmos recebiam 3% sob 3.000 milhões de dólares.

“Mas tudo isso foi feito com base no contrato entre o Fundo Soberano e o grupo Quantum Global, contrato que foi aprovado pelo próprio Conselho de Administração do fundo e que tinha o aval do titular do poder executivo (na altura, José Eduardo dos Santos), o que permitia que nós dificilmente fossemos conseguir, de forma unilateral ou a nível dos tribunais, recuperar esses valores, se não fosse através da negociação”, concluiu.